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terça-feira, 13 de agosto de 2013

Emoções, a verdade da mentira

Todo o mundo é um palco.
Shakespeare

"Actor é o que cria sinceridade de emoções para os sentimentos parecerem verdadeiros na situação proposta".
Stanislavski

Teatro e cinema não são o mesmo. Passamos a vida a fazer teatro para os outros, mas não fazemos cinema. 
Parafraseando Shakespeare não se pode dizer - "Todo o mundo é um écran de cinema".

Porquê ???


O actor de teatro em cada representação está numa "lâmina de navalha" entre o êxito e o falhanço. Se falha não tem segunda oportunidade. O actor de cinema pode repetir até o "take" (registo) ficar bom, e esse take fica imutável até ao fim dos tempos. 

O actor de cinema trabalha com rede, o actor de teatro está sozinho consigo próprio e cada representação só existe UMA VEZ... para cada vez. É como a vida, nela também não há "takes" para escolher o melhor.

Todos nós sabemos isto...mas esquecemos. O "desculpa" (tira-me a culpa) não desfaz o acto (físico ou verbal), "sinto muito" (I am sorry), desculpado ou não, não faz retornar ao que era (undo)…a vida não é cinema. 

Uma boa actriz é a que representa bem a dor de uma mãe e mente tão bem (porque a dor pertence à historia, não à vida dela) que nos cria emoções verdadeiras a partir dessa "mentira bem mentida".
Se o actor mente mal, em vez de chorar com a dor da mãe, damos uma boa gargalhada.
Assim, também vivemos a vida com emoções verdadeiras a partir das representações dos outros, às vezes representando mais para si próprios do que para nós. 

O prazer do teatro não é ver a representação do actor nas expressões representadas, é descobrir o actor nas fissuras da representação, é ver expressões da sua vida pessoal que se escapam pelos interstícios da representação.

Ver teatro é estar na primeira fila vendo a preocupação da actriz pela filha doente que surge entre a alegria representada do encontro amoroso que faz parte da história. 
A essência de ver teatro não é assistir ao personagem através do actor é assistir ao actor através do personagem. É assistir à "lâmina de navalha" onde ele vive o risco de cada representação e assistir à beleza desse fingimento. 
Ver teatro de longe na última fila é como ver cinema e pelo buraco da fechadura, não é um nem é o outro.

José Régio tem um texto elucidativo sobre a expressão artística. Ele diferencia:

Expressão vital - ex., na rua, uma mãe imóvel olha o filho atropelado, ficando em êxtase negativo, num excesso de conteúdo com forma reduzida;
Expressão retórica - são as carpideiras  que arrancam cabelos e roupa, gritam, choram e arrepelam-se num excesso de forma com conteúdo reduzido.
Expressão artística - é quando se sente a dor e se vê a sentir a dor, num esquizoide de verdade e mentira ao mesmo tempo, numa forma e conteúdo equilibrados.


E cada um de nós ??

Sabendo que o êxtase (vital) e as carpideiras (retórico) estabelecem relações difíceis e problemáticas, e só se aguentam em doses pequenas e espaçadas, cada um de nós oscila entre os três estilos em percentagens diferentes.

Qual é a nossa percentagem ??? Ela expressa-se em cada acto, em cada conversa, desde pedir um café ao balcão até a uma zanga com o filho.

O êxito social vem muito do terceiro estilo, da expressão artística, da capacidade de criar emoções verdadeiras com "mentiras bem mentidas".

O segredo da felicidade mútua parece afinal ser "saber mentir para criar emoções verdadeiras".

Não nos sintamos defraudados, se pagamos bilhete para ir ao teatro, porque nos zangarmos por ter teatro gratuito??? Só é preciso que seja bom e seja a peça que queremos ver.


3 comentários:

  1. O "segredo da felicidade"... ahahah E há felicidade? Mas gosto da conclusão "saber mentir para criar emoções verdadeiras...a dificuldade está na sintonia!

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    Respostas
    1. Olá, Já agora…sintonia com a mentira ou com a emoção?
      Ex. finges que estás contente, sintonizo-me com a mentira, mas continuo aborrecida.

      Ex. finges que estás contente, percebo que é mentira, mas sintonizo-me com o contentamento.???

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    2. …e sobre a felicidade…
      ... a sua etimologia é "felizidade" (idade feliz) quer dizer contentar-se com o que tem agora, esquecendo o que gostaria ter e o que odiaria ter, e ter apenas o que "Deus quer" ou estar "ao Deus dará".
      Para não ser uma "espécie de lesma na relva" o melhor é entrar em meditação-coma-religiosa com um Deus que lhe agrade, sugiro a escolha entre a antiga cosmologia grega ou romana que têm muitos Deuses e variados...povos inteligentes.

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