Translate

sexta-feira, 16 de junho de 2017

A guerra das torradas

ou a "Lógica no quotidiano" !!!

Hoje, houve um conflito no pequeno-almoço: uma torrada ou duas meias-torradas ?

A diferença é que a torrada são duas fatias de pão saloio e custa 2,7 euros e a meia-torrada é uma fatia e custa 2,4 euros.

O conflito era simples, o dono do café queria receber 4,8 euros por 2 meias-torradas e as duas clientes queriam pagar 2,7 euros por 1 torrada.

O interessante é que a discussáo sobre o preço desapareceu e transferiu-se para a análise de frases e a lógica de pratos.

A cliente:

- Eu pedi uma torrada para as duas !!!

O dono do café:

- E nós colocámos uma fatia em cada prato e levámos para a mesa, portanto, foram 2 meias-torradas. !!!

A cliente:

- Não foi ... foi uma torrada em dois pratos ... e o que pedimos foi uma torrada num prato… e se depois ambas comemos do mesmo prato, ou não, o problema é nosso.

O dono:

- Mas foi entregue o que pediram ... meia torrada para cada uma.

A cliente :

- Não sabe se eu só dava uma dentada,... nós queremos uma torrada para as duas e dividimos como queremos.

O dono: 

- Sim, mas uma torrada para duas é metade em cada prato, portanto, meia-torrada para cada.

A cliente:

- Portanto, não nos deram o que pedimos que foi uma torrada e não duas meias torradas... não temos que pagar, foi oferta... e agora queremos a torrada que pedimos. 

Os clientes interessados acompanhavam o debate e o resultado que iria ter. Talvez por isso a conversa continuou em surdina e não se percebeu a solução. Tudo terminou e as clientes sairam. Acabou assim a "guerra das torradas" com um acordo em privado. 

Porém, é possível tirar algumas conclusões acerca de "lógicas no quotidiano"e já há experiências a partilhar neste campo.

Para os clientes, cuidado com partilhas e ... pelo sim, pelo não, metam sempre a mão no prato do parceiro, nada de divisões, como nesta partilha de batatas fritas...


Neste caso o risco seria grande pois pagar-se-ia 5 pratos mal cheios de batatas ou discutir-se-ia "quantas batatas deve ter um prato".

Para os donos dos cafés a conclusão é que devem clarificar o regulamento com letreiros evidentes da burocracia em vigor:


Três Observações técnicas sobre o letreiro:

1ª - Não é uma "tasca" pois tem uma direcção e não um gerente;
2ª - São evoluídos pois escrevem segundo o "Novo Acordo Ortográfico", vide DIREÇÃO só com um "c";
3ª - Não se percebe se querem dizer " Não é permitido duas pessoas comerem no mesmo prato" ou se é um restaurante de antropofagia e avisam que para comer duas pessoas elas têm que vir cada uma dentro de um prato.



terça-feira, 13 de junho de 2017

O diferente, a vida e a sociedade

"Boat bird"- 190 Azulejos de feltro (felt tiles)
Preâmbulo
Apesar deste post ter sido detonado por uma pintura, ele não é sobre arte, seus aspectos artísticos, estéticos, comunicativos, etc, pois não me atrevo a tal, sou um simples "gourmet" do tipo "gosto… não gosto" e não um "chef", um artista ou comentador especializado.

O interessante é que o quadro, quando eu percebi a técnica utilizada, provocou em mim uma espécie de epifania centrada sobre o conceito "diferente", pelo que andei vários dias "embrulhado" com ele como  base positiva de relações amorosas e negativa do fomento do xenofobismo, racismo, etc, e também  impulsor de simples conflitos e "guerras" de comentários. 
Na prática, é a "gasolina" dos raciocínios quer se usem bem quer se usem mal.

Assim, este post não é sobre o quadro mas sobre o conceito de "diferente". Não são considerações estéticas e artísticas, mas considerações sociológicas sobre processos culturais e cognitivos.

As próprias imagens colocadas não pretendem constituir um todo esteticamente harmonioso (como na técnica do "boat bird") mas são simples reforços afecto-cognitivos dirigidos ao "hemisfério direito" do córtex para complemento do texto dirigido ao "hemisfério esquerdo"… e esperando que se integrem. Não pretendem ser arte apenas reforço da mensagem.

Este post é um "recuerdo" desse deambular, o qual me trouxe algumas conclusões.

Como ponto de partida três premissas: diferente, vida e sociedade.

Diferente "cientificamente", é aquilo que não é considerado igual 😎.
A palavra chave nesta definição é "considerado". Na verdade, ser igual ou diferente resulta de uma prioridade mentalmente aceite, isto é, quando se compara dá-se preferência ao semelhante e chama-se igual ou dá-se preferência ao dissemelhante e chama-se diferente:

1 - A baleia é diferente da vaca porque anda na água e a vaca anda em terra;
2 - A baleia é igual à vaca porque ambas respiram no ar e são mamíferos.

Na realidade, todos os seres vivos têm factores iguais e factores diferentes uns dos outros. Por exemplo, não há dois bois iguais e a prova são as diferenças de preço porque são vendidos nas feiras. Os profissionais procuram confirmar se as suas diferenças justificam os preços, mas os amadores compram sem procurar as diferenças porque "bois são bois".

Vida "cientificamente", vida é uma harmonia de diferenças e não uma união de igualdades. Se essa harmonia sofre prejuízos de uma diferença, então a vida vai desaparecendo e a morte aproxima-se:

1 - Os rins são orgãos diferentes do coração e com ele coexistem em harmonia. Se os rins provocam prejuízos, a harmonia do conjunto desaparece numa situação conhecida como doença em que a vida é enfraquecida.

2 - Num transplante de orgãos no nosso corpo é preciso que ele aceite e integre um emigrante, um diferente nos ADN e crie harmonia com ele. 
Na verdade, as células corporais do dador têm um ADN diferente do ADN do receptor. Para não haver rejeição do orgão transplantado pode acontecer que surja uma "quimera humana", ou indivíduo com dois ADN, o que é possível por questões naturais na gestação do embrião ou artificiais no esforço da vida para integrar o diferente.

A vida não é xenofóbica… nela  os diferentes têm possibilidades de integração.

Sociedade "cientificamente", o seu progresso é a criação de diferentes. Quanto mais uma sociedade for evoluída maior é o número de diferentes que contém e mais intensa a sua diferenciação. Estes diferentes são chamados especialistas, nome moderno dos antigos artesãos.
Uma sociedade pouco evoluída é constituída por pessoas indiferenciadas, todas iguais.

1 - Uma ida ao médico significa apenas ir procurar alguém diferente de nós e isso exactamente porque  é diferente. Tem ideias, informações, destrezas, competências, etc, que não temos e por isso precisamos desse diferente. 
Se falar outra língua e tiver nascido noutro país, apenas existe a igualdade de ser da mesma espécie o que é suficiente para ambos, vide  os Médicos sem Fronteiras.

2 - Segundo alguns autores, a paixão tipo Romeu-Julieta acontece exactamente por causa das diferenças atractivas entre ambos que originam um fluir, uma corrente, à semelhança de um rio que a cria pelas diferenças entre a nascente e a foz.  Se essas diferenças desaparecerem fica apenas água estagnada.

Nesta perspectiva, as tentativas de igualdade entre ambos são formas de estagnar o fluir da paixão de que as rotinas são causa e consequência. A harmonia transforma-se em quietude e o equilíbrio em estagnação, na verdade, estar apaixonado pela imagem de si próprio dá segurança mas não dá alegria.

A união é integração de diferentes 
e não é ajuntamento de iguais

Em sociologia, o ajuntamento de iguais chama-se classe lógica, por exemplo, os peões que andam a pé e os automobilistas que guiam carros.

Estes ajuntamentos não precisam de comunicações, nem estruturas, nem "encaixes" de diferenças, etc, eles são uma "mole" amorfa que está junta apenas por coincidência de uma igualdade comum activa e onde diferenças são esquecidas:

Beber água em comum não cria uma união, apenas,
um ajuntamento (classe lógica: os que bebem água)
Para transformar uma classe lógica em grupo é preciso criar aquilo que ela não tem: "comunicação, encaixe de diferenças, estrutura, etc".

Por exemplo, no amorfismo das classes lógicas peões e automobilistas um atropelamento pode "acordá-los" e transformar a indiferença mútua em diferenças em conflito.

Será suficiente reduzir o espaço de cada classe lógica, apertando os seus membros uns contra os outros, criando contactos "ombro-a-ombro". Estes contactos corporais são comunicação com mensagens afectivas de força e propósito. Esta técnica foi usada por grupúsculos em Maio 68, é usada em "manifs" pelos elementos de enquadramento e até pela polícia em táticas erradas de contenção para impedir conflitos... é o mesmo que "apagar fogo com gasolina".

Na verdade, o "ombro-a-ombro" cria comunicação, sensação de pertença, estrutura e objectivo. A energia grupal circula e com palavras de ordem a acção detona-se, os diferentes integram-se e a luta nasce. O ajuntamento passou a união.

As diferenças "encaixam" e não é por coincidência, é por intenção,
é  uma UNIÃO onde se trocam mensagens que se integram entre si.
A vida e as sociedades não são ajuntamentos de iguais, mas sim, são integração de diferentes, não resultam de moles amorfas e "cegas" mas de [… diferentes independentes com dependências mútuas], por exemplo:

- a floresta são árvores juntas mas diferentes entre si (coqueiro e palmeira), 
- o coqueiro tem "partes" juntas mas diferentes entre si (folhas e tronco), 
- o tronco tem partes juntas mas diferentes entre si, casca (suber, tecido morto) e miolo (tecido vivo), 
- o miolo tem partes juntas mas diferentes entre si, xilema (transporte de baixo-cima) em equilíbrio com floema (transporte de cima-baixo);
- etc etc

A vida e as sociedades são um caos organizado por diferentes integrados entre si

Quanto mais evoluída é a sociedade, maior é a sua quantidade de diferentes e menor os seus indiferenciados (vide o actual aumento de escolaridade) e também a diferenciação é cada vez maior  (vide o aumento de especialidades num hospital).

Na antiguidade, a arca de Noé era uma solução lógica pois, para manter e aumentar  os "embarcados", era só deixá-los existir, comer e reproduzir. Reconstruir o perdido não precisava de especialistas diversificados, o Noé e sua família eram suficientes:


Porém,  fazer hoje uma Arca de Noé não tem a mesma lógica,


o problema não é a quantidade-qualidade dos "embarcados", é a quantidade-qualidade das pessoas diferentes necessárias para a reconstrução. A meia dúzia do tempo de Noé tem que ser substituída por centenas de milhares de diferentes, os especialistas necessários.

Por exemplo, para reproduzir um automóvel é necessário milhares de pessoas diferentes com suas diferentes tecnologias (hard e soft), desde a recolha e tratamento de combustíveis, borracha, metais,..., até ao fabrico de componentes electrónicos, eléctricos, vidros,..., sua montagem, aferição e operacionalização.
Só um simples rádio,
Um rádio de 1940
exige dezenas de técnicos e tecnologias diferentes para ser construído.

A sociedade de hoje exige milhares de diferentes especialistas que, em harmonia e consonância de seus actos, precisam de se manter diferentes. Mesmo a sua substituição por robots iguais obriga a existir diferentes a montante e jusante se a sociedade quer continuar a existir. A diferenciação é fundamental para existir união e não ajuntamento.

Na união há integração no conjunto 
e diferença na unidade


No "boat bird" os seus 190 "Azulejos de feltro" em seu conjunto constroem um equilíbrio e uma harmonia, mas cada azulejo tem sua "individualidade própria", uma diferença particular com seu significado. 
São diferentes, continuam diferentes mas são iguais como fazedores do painel

De um certo modo, são uma expressão pictórica da vida e da sociedade pois também lá [… cada unidade tem uma diferença própria mas no conjunto as suas participações integram-se harmoniosamente umas com as outras].

Vendo com lente, dentro dos pequenos azulejos de feltro há diversos mundos a descobrir para além do seu papel no conjunto. No exemplo dos dois pequenos azulejos, num encontra-se o olhar observador do cão e no outro a suave festa da mão ao pássaro.
No conjunto, cada detalhe tem um mundo de diferenças próprias de que, de forma pessoal co-existem sem lutas e sem prejuízos com todos os outros. Assim, é uma sociedade, assim é a Democracia.

A essência da Democracia é a votação e eleição do NOSSO diferente representante para em conjunto com o VOSSO diferente representante, unidos e em harmonia concretizarem a melhor solução para todos. Paradoxalmente, surgiu e adoptou-se que:
a melhor solução para esta integração de diferentes… é serem todos iguais…😡😳 

solução tecnicamente chamada de partido único. 
Se houver muitos partidos cada um constituído por iguais por natureza ou por disciplina partidária, bastará existir um só representante com o respectivo "peso numérico para a votação", correspondente ao número de iguais representados. Será mais económico, debates mais rápidos, menos conflitos e discussões mais óbvias.

Sob ponto de vista lógico, o conceito é divertido porque [… se é partido único já não é parte de nada (partido) é inteiro] ou na linguagem de Duverger é a "Democracia governada", ou seja, deixou de ser Democracia porque por essência a Democracia é governante e para se governante ela precisa do conjunto dos eleitos diferentes.

Do mesmo modo que não se matam doentes quando que não se sabe curá-los, também, se os diferentes eleitos não sabem estar em Democracia, a solução não é matar a democracia é mudar o eleitos.
Quando nos debates democráticos existe luta entre diferentes e ele procuram prejudicar os não-iguais, esse conjunto não é união mas ajuntamento, uma espécie do que existe num armazém de sucata: tudo junto sem união entre si.

Dada a mobilidade destes "painéis de feltro":


eles poderiam ser um bom um bom símbolo de que aquele espaço é para ser uma DEMOCRACIA:


e se não tiver sido uma Democracia, o coordenador da reunião mandaria recolher o símbolo: