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quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

IV- Democracia em simpléssshhh: lógica paralela





Resolvi investigar.
Deve haver algures uma lógica escondida, uma espécie de válvula de segurança para a democracia funcionar sem democracia. Na verdade, é preciso não pensar para poder pensar que o actual sistema democrático funcionará tal como está.  (ver no fim "Uma lógica paralela... positiva?")

Uma hipótese é que os eleitores ainda se encontrem a viver nas duas primeiras fases (as mais primárias) das quatro possíveis nas campanhas democráticas. Ou seja:

1º fase - O candidato parte de si para os eleitores
Na prática é a técnica da missionação em que se introjecta a necessidade nos eleitores, que até podem não sentir nem saber o que é, mas disso são convencidos. Convém ser algo abstracto, geral, distante e que seja difícil de controlar e medir.
Exemplos clássicos da direita à esquerda são a luta-contra-o-capitalismo-internacional e a luta-contra-o-proletariado-internacional ou ainda o argumento chave de "explicadores políticos" no massmédia dizendo [...é demasiado complexo para se entender...], frase que no linguarejar politico significa "come e cala-te".

modelo púlpito usado na missionação política
2º fase - O candidato parte dos eleitores para si
Neste caso investiga necessidades, medos, desejos, etc, dos eleitores e fabrica um alvo a atingir ou um "inimigo" a combater, um anti-qualquer-coisa que "cole" na memória (tecnicamente chama-se slogan). Exemplos clássicos: "O melhor para Portugal", "Criar mais empregos".

Como convém é sempre algo "abstracto" difícil de avaliar, pelo que muitas vezes surgem La Palissadas.  Na verdade é impensável propor "O pior para Portugal" ou "O melhor para as Bermudas" ou "Criar menos empregos" e destes slogans ainda arrebanhar votos.
O caso de Trump com o muro USA-México é interessante porque não tem nada de abstracto. A avaliação é simples, ou há muro e cumpriu a promessa ou não há e é um falhado.

...e agora? Há ou não... muro?
3º fase - O candidato integra-se com os eleitores
Nesta etapa há três formatos, afectivos, cognitivos e operacionais.
No formato afectivo é preciso [...mesclar-se com os eleitores...] o que no calão político significa [...fingir que é um deles...] adaptando roupas e afectividades ao mostrar [... proximidade com eles...]:


No fomato cognitivo há o uso da linguagem em citar problemas locais, "sonhar" as soluções desejadas, etc. O importante é criar cumplicidade e pertença. Qualquer manual de vendedor explica como se faz.

No formato operacional, o processo é mais vinculativo pois obriga a uma mutação positiva na democracia, por ex., o plano participativo. Apesar de ser um pouco ao estilo Pai Natal em que a criança faz a lista de prendas e o pai dá o que quer (ficando os dois satisfeitos), todavia neste caso obriga a criar um vinculo de interdependência.
Porém este processo ainda não é usado para criar as promessas de campanha, apenas se usa depois de eleito para manter e reforçar vínculos de pertença.

4º fase - Os eleitores dizem ao candidato o que querem
Neste caso é fácil a avaliação do cumprimento, ou não, das promessas feitas.
Nas etapas anteriores há grande consumo de notícias estilo tabloide pois os eleitores querem saber bem quem é o eleito, sua vida e particularidades mas não fazem ideia do que ele anda a fazer.
Todavia nesta fase as prioridades invertem-se. Os eleitores preocupam-se pouco com as bisbilhotices de tabloides mas querem saber bem o que os eleitos andam a fazer. Neste caso mentir aos eleitores é crime grave.

No pensamento de M. Duverger, pode dizer-se que se passa da Democracia Governada (1ª, 2ª e 3ª fases) para a Democracia Governante (4ª fase). Na Europa e USA há já situações locais nesta fase, em particular em contextos de forte inter-relação, tipo municípios e freguesias.

Normalmente, as 1ª, 2ª e 3ª fases são sustentadas pelas lógicas políticas paralelas e clandestinas dos C.O.L. e da Gaiola de Hamster, vide o caso de sistemas políticos híbridos e autoritários citados no massmédia.

COL - Caciques de Opinião Local
Dividem-se em:

1- altifalantes (hub) que difundem opiniões, tipo donos de cafés, vendas, mercados, tabacarias, farmácias, etc;
2- caciques que impõem opiniões, tipo professores, médicos, padres, etc, até mesmo bruxas, vendedores de feira, etc;
3- galopim's que obrigam votar opiniões alheias. Este estilo era habitual nos primórdios da democracia (séc. XIX) pela necessidade de controlar votantes primários e obrigá-los a fazer o voto "correcto".
Possivelmente teve origem no galopin (francês e espanhol), o guardador dos cavalos que esperam os donos:

Crypte l'église Gargilesse-Galopin
(photo Daniel Villafruela)
A diferença entre cacique e galopim é que este não pretende criar opinião mas apenas criar obediência, ou seja, ele ordena e tem que ser obedecido, saiba o votante o que vota ou não.

Hoje, o nome galopins, controlador de cavalos e mulas, desapareceu da gíria e foi substituído por Fiscalizadores de Disciplina [os AOPD - Agents of Political Discipline(??)] ad oc ou institucionais.

Catalunha, votação 01 Out 2017
Independente da validade (ou não) do problema político, votar é um direito e uma normalidade democrática. Recorrer à polícia para impedir votações é usar Galopins para controlar ou impedir votos, é passar do sistema democrático ao sistema autoritário. 
A democracia não é um sistema de pancadaria pedagógica a impedir o direito de votar. A democracia é um sistema com o direito de decidir depois, legitima e legalmente, a validade dessa votação e suas consequências... mesmo que seja com outra votação, como aliás foi feito DEPOIS.

Catalunha, votação 17 Jan 2018
Em resumo, o acrónimo COL tem conteúdos diferentes consoante os três casos acima citados de difundir opiniões (altifalantes), educar opiniões (caciques), obrigar opiniões (galopins).

Destes três aspectos, é importante saber se uma democracia utiliza, ou não, a técnica Galopins nas votações pois a sua intensidade é um índice claro do nível da "doença" autoritarismo, vigente e endémica nessa democracia.
Existirem Galopins e seus bandos pode explicar parcialmente o ciclo Sisifo "êxito-falhanço" da democracia, porque afinal as ditas votações democráticas não são nada democráticas. A democracia morre à nascença.

Na verdade neste caso, o acto de votar não é uma afirmação pessoal de opinião mas apenas o acto zombie de obediência a opinião alheia. Os eleitores, vazios de "raciocínios", são apenas zombies que votam ou fazem qualquer coisa desde que lhes seja ordenado. Exemplo.

Se o votar zombie "vendido" aos candidatos significar uma média de três galopim's por candidato e se cada galopim controlar dezenas ou centenas de eleitores zombies, estar-se-á a falar de milhares ou milhões de votos fraudulentos. A democracia torna-se uma fantochada democrática.

Este lobby paralelo e clandestino de "venda" de zombies tem uma moeda própria. Normalmente não circula dinheiro mas serviços, favores, cunhas, ameaças, empregos, etc, como por exemplo o pagamento desta fraude votante ser dar uma dentadura à mulher do galopim "dono" desses eleitores.

Reformulando o esquema anterior com o factor votos não-democráticos nas votações democráticas, a democracia ficará controlada por dois mundos: os eleitos e os galopins. Este mecanismo é claro e evidente nos sistemas autoritários, nos híbridos de democracias maquilhadas com a técnica das "mentiras politicas" (vide Scientific American) .


Em conclusão, este esquema-retrato de actuais democracias das bananas, torna-se claro quando os galopins se disfarçam de funcionários partidários como foram os antigos SA nazis ou públicos do tipo polícias, juizes, legisladores, etc, que a coberto da Disciplina Sociopolítica impõem comportamentos.

Porém, os Galopins, como braço político (branch) de actuais democracias, são apoiados por outra lógica paralela, a Gaiola do Hamster, que permite de forma mais discreta (soft) adulterar o conceito de votável, impondo votos.

A gaiola do Hamster

Mito Sisifo do Hamster (... anda, anda e volta ao início..)
O voto

Um voto democrático é a manifestação LIVRE da vontade do eleitor. Se for obrigado a votar mas não for livre de escolher o conteúdo não é um voto democrático é um voto zombie (contra-democrático).
Exemplo: Uma votação sobre como quer morrer.  O que pode votar:


Tem quatro alternativas possíveis:

1 - Votar num deles - escolhido

mas se NÃO QUER nenhum deles, o que pode fazer?

2 - Não votar - mas isso é ser absentista ... e ELE NÃO QUER!
3- Votar branco - mas isso é ser ignorante político..., i.é., não saber o que escolher e ELE SABE!
4 - Votar nulo - mas isso é ser ignorante democrático..., i.é., não saber como votar e ELE SABE!

ou seja, está bloqueado e impedido de ser eleitor consciente.
Não querendo mentir por votar no que não quer, nem mentir por dizer que não sabe escolher, nem  mentir por dizer que não sabe votar, inteligentemente, só lhe resta o mal menor: não votar, ficar absentista.

Uma alta abstenção por parte dos eleitores é um grito silencioso de SOS, é dizer "algo está mal nesta democracia!!". (ver no fim "Uma lógica paralela... positiva?")

Talvez seja uma forma errada de o fazer mas, dado o bug existente no sistema descrito, é apenas a escolha do mal menor.

Paradoxalmente, a solução é fácil mas as consequências são complexas. Por analogia, este bug não é uma gripe que se cure por si própria, é uma doença curável mas séria e que pode apodrecer a democracia, vide actuais consequências em diversas democracias instaladas. (ver no fim "Uma lógica paralela... positiva?")

Solução 1

O boletim de voto ter sempre mais o item standart de estilo fechado: NENHUM DESTES.
Exemplo:

Esta solução permite ao eleitor recusar todos. Se a percentagem for pequena serão desvios individuais a investigar, mas o processo é válido sob o ponto de vista do eleitor e da democracia.
Porém, se a percentagem for alta e superior a qualquer candidato, é um caso típico de dissenso e fragmentação social. A democracia irá entrar na calha do autoritarismo e das fracturas sociais.

Nesta caso, as entidades democráticas terão que invalidar a votação e rever as listagens dos candidatos. Há já várias alternativas teóricas esquissadas para esta situação sem ser a tradicional "pancadaria pedagógica" atrás citada. Imprescindivelmente, os partidos terão que rever as suas posições e fazer entrar em auto e hetero -análises dos seus projectos e actuações, numa linguagem simples dialogar com os seus eleitores (4ª fase das campanhas eleitorais atrás citada).

Solução 2

O boletim de voto terá mais um item standart mas agora do estilo aberto para especificar.
Exemplo:

Neste caso identifica-se a intenção do eleitor. Se existir uma alta percentagem numa identificação esta votação tornar-se-á uma espécie de plebiscito (e não referendo) a ser considerado pelas instituições democráticas.

Como é óbvio a primeira solução tem um tratamento burocrata-administrativo mais fácil do que esta, que, em caso de grande variabilidade, acabará por ser tratada como a primeira.

Como conclusão, a democracia é um sistema complexo e não pode ser usado com raciocínios primários susceptíveis de disfuncionamentos anti-democráticos.

Já no séc XVIII, o matemático Condorcet estudou o "bug" anti-democrático escondido nas votações à segunda volta, pois podem eleger o candidato com menos escolhas, como exemplo, há eleição de Color de Melo no Brasil possível expressão desta hipótese.

Em sintese, isto quer dizer que o Boletim de Voto sem estas alternativas está armadilhado. A democracia será governada e não governante, aprisionada numa gaiola de hamster.

Boletim de voto em Portugal, 2015

O facsimile é:

Porém, se o boletim de voto tivesse a alternativa NENHUM DESTES passaria de boletim de voto fechado a boletim aberto e a escolha democrática era possível:


Se na altura, com a abstenção de 45,15%, existisse a escolha "nenhum destes" que captasse alguma desta percentagem para perto de 50%, seria um aviso sério para os partidos repensarem a sua actuação sociopolítica.

O problema não é fácil mas exactamente por isso não pode ser escamoteado. A maneira dura de escamotear este problema é forçar o voto obrigatório originando falsos brancos e falsos nulos. A maneira suave é culpabilizar e estigmatizar a "abstenção" que vai originar a mesma consequência. Isto significa a chamada estratégia de avestruz de resolver problemas escondendo os problemas.





Uma lógica paralela positiva

A sociologia de grupos tem um paradigma [...10% de abstenção pode ser um problema de indivíduos, mas 50% de abstenção é de certeza um problema do sistema...].
Por exemplo, quando uma maioria de membros de uma família, escola, bairro, sociedade, expressa alto nível de agressões, na sua génese não estará um problema de psicologia individual mas dinâmica sociológica sistémica.

Por outras palavras, utilizando os conceitos de "lei da situação" (P. Follett) ou "teoria de campo" (K. Lewin) ou "vaga de mudança" (A. Tofler) ou "campos morfogénicos" (R. Sheldrake) ou a "teoria geral dos sistemas" (Von Bertalanffy), etc, se com eles se procurar entender o problema e sua solução,  todos eles nos encaminham para não ficar "fixado" nos perfis individuais mas procurar as "regras de jogo" que provocam esse comportamento.

Nesta perspectiva, um artigo no "The economist" (31 Jan 2018) estudando a relação democracia-autoritarismo  em 167 países nos últimos 11 anos, coloca um problema interessante na aldeia global:

a democracia reduz-se, o autoritarismo aumenta

Como exemplo e detalhe significativo, nas democracias bem instaladas (gráfico valores 9 e 10, verde forte), só a Noruega, Suíça, Canadá, Irlanda aumentaram a democracia nestes 11 anos, a Austrália e Suíça mantiveram e todos os outros reduziram, aumentando o autoritarismo. 

No nivel 8 (verde menos forte) com poucas excepções (Britain, Coreia Sul, Uruguai, Nederlands, Botswana) todos os outros aumentaram o autoritarismo (USA, França, Alemanha, Portugal, Espanha, etc). As centenas de outros países estão em regimes híbridos ou autoritários.

Assim, excluindo uma programação genética de deuses, o diagnóstico oscilará entre "apetite" ao mando-obediência como perfil psicológico dos humanos ou ser resposta comportamental a factores sistémicos.

Em simpléssshhh isto quer dizer que o suborno, fraude e caos democrático são "doenças" psicológicas dos humanos para serem tratadas com perseguições e guerras políticas, religiosas, morais, educativas, etc, ou, ao contrário, são respostas a regras de jogo negativas consentidas e escondidas no sistema democrático e a serem expurgadas.

Nesta última perspectiva, se na História humana por pressão de efeitos sistémicos temos a democracia que temos, será possível que:
O século XX e XXI tragam consigo factores de mudança sistémica que originem o fim desta pandemia de autoritarismo? 
Haverá uma lógica paralela POSITIVA que contamina e favorece o re-nascer da democracia sem bugs autoritários?
Parece que sim... e neste caso: