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segunda-feira, 29 de setembro de 2014

O "Óbvio" e a evolução da espécie humana

O nosso córtex é uma
"máquina" de fabricar óbvios.

Índice
1 - Uma história 
2 - Experiência "ler" 
3 - Experiência "significados"
4 - Analogia "Ler é como alimentar-se" 
5 - Experiência "óbvios" 
6 - Default Network: Superpoder
7 - Para terminar...

Quando entra um sinal na rede de neurónios nascem logo "óbvios" por todo o lado, mas um córtex "preguiçoso" ou bem formatado só fica com um e nem repara nos outros.

Quando o óbvio que fica não é o "normal", os possuidores do "óbvio normal" põem esse córtex no hospital psiquiátrico para ser tratado, ou armazenam-no em prisões para ser isolado ou, em casos muito excepcionais, é aplaudido e premiado em cerimónias Prémio Nobel.

Educar é um processo de instalação de "óbvios normais" nos córtex's que ainda estão em fase de desenvolvimento. No caso de córtex's já adultos este processo chama-se re-educar (actualização de óbvios), ou terapia (reparação de óbvios) ou missionação (substituição do sistema de óbvios) e neste caso pode ser substituição religiosa, política ou moral.

O Sherlock Holmes é um herói que, no meio dos óbvios normais, injecta óbvios diferentes abrindo portas para novos caminhos que [...já lá estavam, mas eram olhados e não eram vistos...].

O Sherlock Holmes[*] em vez de ser o herói tipo Rambo-dos-murros... é o herói tipo Rambo-dos-óbvios...



[*] - Há vários estudos interessantes sobre este personagem fictício. Como sugestão existe um livro de Maria Konnikova, Ph.D. em Psicologia pela Universidade de Columbia,  Mastermind - Pensar Como Sherlock Holmes, Editado pela Pergaminho, Lisboa, 2014.

 1 - Uma história 

Sherlock Holmes e Dr.Watson vão acampar.  Montam a tenda e, depois de uma boa refeição e uma garrafa de vinho, deitam-se para dormir e  algumas horas depois, Sherlock acorda, chama Dr. Watson e pergunta:

- "Meu caro Watson, olhe para cima e diga-me o que vê".

Dr. Watson responde:
- "Vejo milhares e milhares de estrelas".
Sherlock pergunta:
- "E o que isso significa"
Dr. Watson pensa e diz:
- " 

1) Astronomicamente, significa que há milhares de galáxias e biliões de planetas. 
2) Astrologicamente, observo que Saturno está em Leão e teremos um dia de sorte. 
3) Temporalmente, pela posição da Estrela Polar, deduzo que são 03:15.
4) Teologicamente, vejo que Deus é todo poderoso e que somos pequenos e insignificantes.
5) Meteorologicamente, suspeito que 
amanhã teremos um lindo dia. 
Correcto?" 

Sherlock fica um minuto em silêncio, e depois responde:

- Dr. Watson, significa que alguém roubou a nossa tenda e estamos a dormir ao relento!!

Estas respostas podem ser representadas num esquema como uma "uma sucessão de óbvios" a partir do impulsor sinal observado: olhar-para-cima:

Se se reparar no esquema existem 2 perspectivas, mas podem existir mais, pois os "óbvios" nascem do conjunto de 3 factores, ou seja, em função do que se considera o:

- "caroço do problema"[*] que condiciona a...
-  perspectiva de observação e posterior análise e da...
-  informação em stock, formação, experiência, crenças..., recursos que vão formatar os óbvios.

* - vide blog "Tens a mania que és esperto" - click aqui

Os óbvios possíveis são numerosos pois são muitas as alternativas possíveis em cada um destes três factores.

Em resumo, os óbvios são apenas os significados assumidos a partir do sinal recebido e são sempre uma construção pessoal. O Óbvio é aquilo que é escolhido como claro e evidente mas, se a sua clareza e evidência são importantes, o interessante está em ter sido escolhido.


 2 - Experiência "ler" 
Leia esta frase em voz alta:


Qual a conclusão óbvia a tirar ???

Agora leia estas palavras EM VOZ ALTA e diga a conclusão:


Apesar de saber ler só deve conseguir vocalizar caracteres, não deve perceber o seu significado e será difícil tirar uma conclusão.


 3 - Experiência "significados" 

Qual o significado deste texto:


Possivelmente não se consegue vocalizar mas percebe o significado.

Uhau!!!...Uhau!!!...  é muito interessante porque... NÃO LÊ... MAS LÊ !!!... .

Na verdade, são as mesmas palavras que anteriormente não conseguia ler mas agora, apesar de não conseguir vocalizar (não lê), percebe o seu significado, isto é, o que dizem (sim lê).
Qual é a conclusão óbvia a tirar... afinal lê ou não lê ???
Mas, talvez seja melhor fazer outra pergunta... -"Afinal o que é ler ??"


 4 - Analogia "Ler é como alimentar-se

Ler é como alimentar-se, é preciso mastigar, engolir, digerir mas alimentar-se realmente é assimilar. As fases de mastigar, engolir, digerir são normalmente necessárias mas na alimentação pelas veias são dispensadas, curto-circuitadas.

Ler não é uma actividade de vocalização (física ou mental) apesar de ser uma fase normalmente necessária, ler é uma actividade de manipulação de significados. A leitura de linguagem não verbal é uma espécie de "alimentação pelas veias" em que os significados (assimilação??) surgem de forma directa.

vide blog "Leitura e estado de sonhador …ou não!", clickar aqui

Ler não é traduzir oral ou mentalmente sinais escritos é criar significados a partir deles.
Aliás, há milhões de anos que a sobrevivência de animais e pessoas está baseada na manipulação de significados dos sinais captados, isto é, um coelho, uma gazela ou um humano a fugir de um predador... ou sobrevive ou transforma-se en fast food... só depende dos significados que obteve do predador, do terreno, das ameaças, das oportunidades, etc,

...um mau leitor de significados morre, um bom leitor sobrevive.

Perceber sons (palavras) a partir de sinais escritos é um "facilitador" para poder ler que é "captar significados a partir dos sinais escritos", quando o consegue é um leitor e não um "papagaio de palavras". Dominar e automatizar esse facilitador é uma etapa fundamental, mas não é o resultado final do aprender a ler.

[...ensinar a ler é ensinar a captar significados a partir de sinais,
ou seja, é ensinar a construir "óbvios"...]

Sherlock Holmes é o mito actual do perito de ler sinais da vida e ver o óbvio que trazem, pois as discrepâncias na normalidade não são erros, são portas para o desconhecido....


...todavia para ouvir esta música é preciso o factor ATENÇÃO estar activo, por isso é vulgar ouvir um conselho "técnico", - "O seu filho não progride, não tem atenção nenhuma, está sempre distraído. Tem que ir com ele ao médico ou ao psicólogo."
Porém,
ter atenção é... estar atento a isto (lição), não àquilo (namorada),
estar distraído é... estar atento àquilo (namorada), não a isto (lição).

Uhau!!!... Mas então ( ¿¿¿¿) estar distraído é estar atento!!!!!
Então, os pais têm que ir ao médico, ou ao psicólogo, pedir um tratamento para o filho deixar de estar atento para ficar atento ???

- "Tá tudo doido ???"

Neste óbvio de "a criança não ter atenção porque anda distraído" confunde-se processos com resultados e com o seu mútuo equilíbrio em relação às intenções. Na verdade, não se está a falar de doenças, está-se a falar de métodos, padrões, situações. 

A grande habilidade do personagem Sherlock Holmes é conseguir não ter "bugs" nestes três factores e esta destreza ensina-se e treina-se e portanto também se pode destruir e destreinar.
Ou seja,

Alguns indivíduos adquirem a habilidade de petrificar o foco numa posição e aí o manter rígido e a iluminar sempre o mesmo óbvio. São classificados de fanáticos a obcecados, ou apaixonados, fans e militantes ou firmes, decididos e assertivos, tudo depende da onda mental em que surfa o observador.

Em contraponto há outros que ficam com a habilidade de flutuar o foco por várias posições, saltitando de óbvio para óbvio, ora isto ora aquilo. São classificados de vira-casacas a dispersos, ou pinga-amor, vai-na-onda e sem-carácter ou  flexível, democrático e consensual, dependendo da perspectiva do avaliador. 

Na verdade o problema não é este, pois qualquer destas habilidades pode ser boa ou má dependendo de aumentar ou reduzir a eficácia e eficiência da lucidez obtida. Em algumas ocasiões, parar ou andar devagar é o correcto mas noutras flutuar e girar rapidamente é a acção eficaz. 

Sherlock Holmes é um perito em gerir este caminhar da atenção duma forma flexível e rentável. Paradoxalmente na educação, não só esta destreza (gerir a atenção) não é treinada como se destrói essa possibilidade, ao educar impondo padrões e burocracias para o fazer.


 5 - Experiência "óbvios" 

Tem 30 segundos para ler o texto seguinte com suas 210 palavras e extrair 5 "óbvios".

Pertence ao livro "A Liga dos ruivos" de Sherlock Holmes e refere-se a um relato que lhe é feito por um agiota, Jabez Wilson, sobre uma conversa que teve com Duncan Ross quando este lhe propõe  um emprego.
Antes de começar a ler marcar 30s num cronómetro,
PARAR DE LER quando o cronómetro tocar !!

Transcrição do relato de Jabez Wilson a Sherlock Holmes

– Qual seria o horário?”, perguntei.
– “Das dez às 14 horas.”


O negócio de penhores, sr. Holmes, funciona mais à noite, principalmente às quintas e sextas, perto do dia de pagamento; portanto, seria conveniente para mim ganhar alguma coisa durante as manhãs. Além disso, eu sabia que o meu assistente era bom e que poderia resolver qualquer problema que surgisse. 

– “Isso convém-me ”, disse. “E quanto ao pagamento?” 
– “Quatro libras por semana.” 
– “E o trabalho?” 
– “É puramente nominal.” 
– “O que chama de puramente nominal?” 
– “Bem, tem de estar no escritório, ou pelo menos no prédio, o tempo todo. Se sair, perde o seu cargo para sempre. O contracto é muito claro neste ponto. Não preencherá as condições se se ausentar do prédio nesse período.” 
– “São apenas quatro horas por dia e eu não pensaria em sair”, respondi. 
– “Nenhuma desculpa será aceite”, disse o sr. Duncan Ross, “nem doença, nem negócios, nem qualquer outra coisa. Tem de ficar aqui, ou perde o seu cargo.” 
– “E o trabalho?” 
– “É copiar a Enciclopédia Britânica. O primeiro volume está ali. O senhor fornece tinta, canetas e papel e nós fornecemos essa mesa e cadeira. Pode começar amanhã?” 
– “Certamente”, respondi. 
– “Então, até logo, sr. Jabez Wilson, e deixe-me cumprimentá-lo mais uma vez pela posição importante que teve a sorte de conseguir.”

Quais foram  os 5 óbvios encontrados ???

Se não está satisfeito com os seus resultados em 30s porque a sua atenção "fugiu" para outros lugares, isto é, "distraiu-se", não vá ao médico, nem tome remédios, nem bata com a cabeça na parede, porque nada disso resulta, procure apenas orientar o seu foco de atenção.
Por exemplo, leia as perguntas:

- Qual é o salário do Sr. Wilson ?
- Qual é o trabalho ?
- Quantas horas por dia ?
- Trabalho é de manhã, tarde ou noite?
- Que ferramentas leva ?

e faça/escreva uma cábula "QUE ??": salário - trabalho - horas - período - ferramentas e decore.
Depois,
Ler outra vez em apenas 15s
e procurar esses "óbvios,"

Foi melhor? Se melhorou a eficácia e a eficiência, então o "remédio" foi apenas "gerir a atenção pessoal", orientando o foco da atenção... não é um problema de defeito a tratar é um problema de método a treinar.

Na perspectiva de Sherlock Holmes, eis algumas dicas:

1 - Nunca fazer suposições, mas encadear causa-efeito e/ou efeito-causa (flow logic);

2 - Acumular evidências.  
A prova implica um "a priori" a ser confirmado; a evidência implica uma existência utilizável, por ex, "ser dia" é uma evidência que pode provar: não ser noite,  o sol ter nascido, não se verem estrelas, luzes públicas estarem desligadas, etc... 

3 - Fazer perguntas orientadas, por ex.,  O que esta roupa diz sobre o seu trabalho, classe social, padrões culturais?,...

4 - Formular hipóteses, por ex., a evidência: está de smoking e com sapatos de ténis... permite várias alternativas:
- porque não reparou? (causa-consequência)
- porque não teve tempo de mudar de fato ou de sapatos? (causa-consequência)
- porque roubaram o fato de treino ou os sapatos de smoking? (causa-consequência)
- para que faça ruptura social por brincadeira ou ironia? (consequência-causa)
para que haja publicidade ao smoking ou aos ténis? (consequência-causa)
...etc

5 - Tirar uma conclusão fixá-la como "óbvio prioritário" até confirmar ou negar como "óbvio definitivo".

6 - Ter sempre a "big picture"na mente (a situação global)  e conectar os pormenores com ela.


 6 - Default Network, Superpoder 

Em resumo, como conclusão parafraseando "chapéus há muitos, seu palerma" de Vasco Santana na "Canção de Lisboa", 1933, pode-se dizer que:

Vasco Santana,
"Canção de Lisboa"
...Felizmente porque isso é o SuperPoder evolutivo da espécie humana em relação às outras espécies, na linha das hipóteses e investigações abertas pela "Social Cognitive Neuroscience".
Segundo Matthew D. Lieberman, Harvard University, Ph.D, Prof. de Social Cognitive Neuroscience, a espécie humana desenvolveu-se potenciando os aspectos neurais de "pensar as necessidades grupais".

O problema é simples,

o Concorde é constituído por milhares de "bocados" (peças) feitos em diferentes sítios, todos óbvios para quem os faz mas de "parto" misterioso para quem os usa:

[...sei construir computadores, mas não sei fazer processadores...]

Depois, aqueles para quem o plano do puzzle "Concorde" é óbvio, partem o plano aos bocados e entregam cada bocado a quem o percebe, engenhos a engenheiros, electricidade a electricistas, etc... e assim sucessivamente.
Quando tudo está harmonizado são integrados e nasce o Concorde.

Esta harmonização do que é óbvio para um e misterioso para outro, segundo Lieberman, é o SuperPoder dos humanos.

Na verdade outras espécies, desde abelhas e formigas a primatas, passando por alcateias de mamíferos, cooperam, colaboram e talvez até harmonizem meia dúzia de "óbvios" individuais mas a espécie humana, com o seu córtex social, consegue fazer isso com centenas e milhares de "óbvios".
Vide a construção de um avião ou pôr um homem na lua integrando "óbvios" astronómicos com mecânicos, médicos. psicológicos, químicos, financeiros, políticos, etc.

Esta destreza de harmonizar as póprias ideias com as ideias de outro transcende e é diferente de colaborar (laborar-agir em conjunto) e de cooperar (operar-produzir em conjunto) pois nestes dois casos é possível, por exemplo, colaborar sem cooperar (vide assembleias "democráticas") ou cooperar sem colaborar (vide formaturas militares), enquanto que na harmonização a participação tem que ser total.

Harmonizar significa integrar numa unidade superior à soma das partes
o que é óbvio para mim e o que é óbvio para o outro.

PS - Como diria Sherlock Holmes - "Politicamente, meu caro Watson, isto chama-se Democracia".

A civilização actual é um conjunto de equipamentos (instrumentos, organização, conhecimentos,...) muito complexos multi-fragmentados que ninguém domina mas todos em conjunto, se interconectados, SABEM usar.

Cada indivíduo, se separado e isolado, apenas conhece um "bocado" (o seu óbvio) que é cada vez mais pequeno em relação ao total, pelo que sem os restantes "bocados" (os óbvios dos outros) não serve para nada.

Uma civilização intensamente tecnológica e complexa como a do século XXI não pode ter uma organização (democracia??) baseada só na colaboração e/ou cooperação (assembleias e partidos???) tem que ter o seu alicerce em modelos de harmonização de ideias.


As investigações da Social Cognitive Neuroscience trazem um novo foco para considerar o que é o indivíduo e a sociedade.

A Social Cognitive Neuroscience é um campo de investigação que procura com os recursos da fMRI [functional Magnetic Resonance Imaging] e do PET [Positron Emission Tomography] analisar o modo como o cérebro humano responde ao contexto social e suas relações, investigações essas que até agora não eram possíveis.

A principal conclusão global é que os nossos cérebros estão formatados (wired) para se connectar com outras pessoas. Por outras palavras, a sociedade humana não é uma justaposição mas uma integração, um "entrançamento"(??), um "amalgamento" (??) de ideias.

No começo procurava-se descobrir que parte do córtex estava activa quando se pensava numa tarefa (matemática. música, agir com outros, etc) e assim foram criados mapas de funcionamento da rede neural.

Mas, em 1997, Gordon Shulman fez uma pergunta muito interessante: - "Quando o córtex não está activo, está activo em quê?", ou seja, nos segundos que separam um problema de matemática já resolvido do seguinte ainda desconhecido em que se "entretém" o cortex?

Depois de várias investigações a resposta foi que há uma "default network" em constante standby que se activa automaticamente quando o córtex fica em "descanso". Curiosamente é a região activa quando  "pensa em conexões sociais" :

default network
É uma região de redes neurais que, quando as tarefas do "cérebro analítico" sobre problemas, matemática, arte, etc, param, este "cérebro social" activa-se automaticamente sobre conexões sociais individuo-outros, seus pensamentos, sentimentos, intenções.

Esta "default network" sempre activa é aquilo que Daniel Dennett chama uma posição intencional que promove e harmoniza compreensão, empatia, intuição relacional, consideração, harmonização. É uma rede neural embutida (wired), factor de evolução da espécie humana potenciando "inteligência colectiva".


Porém surge a velha questão do Ovo e da Galinha, isto é, um dilema do género "para haver galinha primeiro aparece o ovo; para haver ovo primeiro aparece a galinha", ou com a "default network" opta-se por A ou por B:

A - por pensar nos outros o córtex social é activado (à semelhança da matemática, música, etc) ou 
B - o córtex social está sempre activado e por isso pensa-se nos outros (à diferença da matemática, música, etc) ???"

Em síntese, a activação da "rede neural social" é consequência ou é causa de se pensar sobre os outros e seus [...pensares, sentires, agires...]??

Tradicionalmente, a visão do indivíduo e sociedade é a activação ser consequência da tarefa (opção A), todavia a Social Cognitive Neuroscience traz a perspectiva de ser causa (opção B), propondo rever modelos na sociologia, psicologia, política, democracia, etc.

Uma pergunta para esta investigação foi:

- "O que acontece no córtex dos recém-nascidos quando ainda não têm "tarefas" para pensar???"


Um bebé com 2 dias de nascido ainda não foca os olhos, não tem tarefas a pensar nem tem interesse no mundo social, todavia esta rede social já está activa, o que não acontece nos prematuros que só se activa mais tarde.
A conclusão é que a activação da rede precede o interesse social, sendo causa e instrumento do ser humano como ser social. Nos prematuros só activará mais tarde quando recuperado já tem condições.

Por outro lado, por scan do córtex nos segundos de intervalo entre os problemas cognitivos verifica-se que a região do córtex social se activa instantaneamente o que, no dizer de um investigador, significa que 

[...o hobby do córtex quando nada tem a pensar é pensar na relação dos outros consigo...], 
[...o córtex está embutido (wired) e programado para pensar na posição-acção no mundo social...].

Uma questão interessante é pensar se a amizade e o amor estarão relacionados com este neural social embutido (wired) e se ele faz parte integrante e activa da nossa arquitectura neural??

Algumas questões em aberto:

- Será que os nossos cérebros sentem e reagem do mesmo modo às ameaças ao social que às ameaças ao corpo e à mente??
- Estará aqui a base da protecção e dos cuidados com as crianças e os velhos??
-Será um mecanismo base incorporado na arquitectura neural para defesa e sobrevivência da espécie à semelhança dos mecanismos incorporados para defesa e sobrevivência do indivíduo??
- Será que a dor da perda de um ente querido se insere num mecanismo semelhante à dor da doença pessoal?
- Será que a dor da morte de alguém dura mais tempo que a dor da perna partida?
- Será que a dor social é maior que a dor física a ponto de preferir sermos nós a sofrer em vez daqueles de quem gostamos?

- Será que no córtex a dor física está localizada na mesma área da dor social ?

Segundo Lieberman e investigações da Social Cognitive Neuroscience, o pensar cognitivo e o pensar social não coexistem no tempo e a sua predominância alterna-se num funcionamento do tipo "ora tu ora eu", mas apesar disso os resultados interagem e integram-se:


Assim, a dor física (bebé chorar com fome) e a dor social (bebé chorar porque a mãe se afasta) quando acontecem activam as mesmas regiões do córtex, pois para o cérebro e para a criança o processo é o mesmo, a activação da dor acontece nos mesmos locais apesar de terem origem diferente uma corporal e outra social:


A rejeição social e a amizade social fazem parte da arquitectura neural do mesmo modo que o bem-estar e mal-estar corporal, pois [...ambos fazem parte dos mecanismos de sobrevivência do indivíduo, portanto da espécie, e da espécie, portanto do indivíduo...].

Relacionando a evolução da espécie com a evolução do indivíduo, Fred Hayes integra os dois no mesmo esquema o que permite realçar o superpoder da espécie humana ao harmonizar, não 10 ou 100 ideias mas, milhares de milhares de ideias (todos os óbvios criados) que foram sendo integradas na construção da actual civilização: 




Em consequência aparecem propostas de reformulação de modelos, como por exemplo, da clássica hierarquia das necessidades individuais de Maslow com nova estrutura:




 7 - Para terminar 

A vaga apesar de bonita, grande e forte,
não pode esquecer que faz parte do oceano.
Zen

A política e qualquer democracia que esquece o social, esquece as crianças, esquece os idosos,
esquece também que faz parte da humanidade e nega a sua essência humana.
Portugal, Set. 2014


quinta-feira, 18 de setembro de 2014

- "Tens a mania que és esperto !!" [com anexo]

- "Tens a mania que és esperto!!!"...

ouvi dizer na mesa ao lado e fiquei sem perceber se isso seria um elogio ou uma ofensa.

Observando a relação do pai com o filho de 5/6 anos, imaginei que ele dizia:

- "Tens a mania que és parvo!!!"...

pensei se isso seria um elogio ou uma ofensa... e continuei com dúvidas.

Resolvi ficar atento à conversa e percebi que falavam de uma cena na TV em que um mágico põe uma mulher dentro de uma caixa e depois espeta várias espadas por buracos existentes, tira as espadas e a mulher sai de lá a dançar toda "vivinha"... e o pai admirado perguntava como é que isso era possível.

E a criança tinha respondido:

Oh pai ... é fácil,... todos sabem, ...o mágico engana-nos!!

Então o pai zangado respondeu que ele tinha a mania de ser esperto. 

Pensando na opinião emitida pelo pai, ela tem uma parte "Tens a mania que és..." significando que o filho fez auto-análise (introspecção) pensando sobre si próprio e concluindo algo, o que me parece muito válido para uma criança de 5/6 anos.
Portanto até aqui a resposta do pai parece-me um elogio.

Na verdade, desde o socrático "Conhece-te a ti mesmo" propondo introspecções que isso é considerado uma vantagem e um sinal de mérito pessoal, aliás muito aconselhado em diversas terapias de ajuda onde a etapa fundamental é obter esse auto-conhecimento.
Por exemplo, nos alcoólicos anónimos é fundamental afirmar-se com convicção "Sou alcoólico" para conseguir sair e ficar fora do aditismo.

Portanto à partida a frase começa com um elogio, logo a dúvida de ser elogio ou ofensa deverá procurar-se na continuação de..."ser esperto" ou na alternativa de "ser parvo".


deus Narciso

Por outro lado, "Ter a mania" e não "ter a certeza" de ser esperto ou ser parvo também não me parece negativo, pois significa apenas que não é hiper-assertivo acerca de si próprio e mantém uma espécie de dúvida saudável numa introspecção permanente, ou seja, não é um "Narcisopata", isto é, um constante auto-admirado cheio de certezas, um apaixonado por si próprio [ver o mito do deus Narciso].

E assim, a dúvida de ser ofensa ou elogio continuava, pois não percebia o que aquele pai pretendia comunicar, mas...


... em qualquer dos dois casos, de ser esperto ou de ser parvo, só há duas hipóteses ou a auto-análise é verdadeira ou é falsa e também em qualquer destes casos a situação é muito positiva, pois a etapa seguinte é pesquisar a verdade de ser parvo ou de ser esperto.
Salienta-se que em qualquer terapia de auto-conhecimento este é um momento ideal para a sua continuação e aprofundamento, portanto continuava a parecer elogio.

Porém não me sentia convencido e a minha "cegueira a compreender" (blindness understanding) mantinha-me num beco sem saída, afinal o pai elogiava ou ofendia???

Nesse momento,  faiscou-me (plop up) na memória a parábola de matar o mensageiro.

A parábola é simples, é só imaginar um indivíduo que vai ao Hospital e, ao receber o resultado do diagnóstico dizendo que tem uma doença terminal, dá um par de estalos a quem lho entregou.

Pode parecer uma anedota mas é uma reacção vulgar e comum a que se assiste normalmente nos debates políticos, conversas familiares, comentários e contra-comentários nas redes sociais, etc, todavia  numa variante mais "camuflada" pode ser, por exemplo,

...imaginar um pai e uma mãe que vão com a filha ao médico e este diz-lhes que a filha está doente ou drogada ou grávida.

A reacção vulgar é os pais contestarem a mensagem dizendo que não é verdade porque ela está normal, anda bem, come bem; ou não anda na droga porque é uma boa filha, temente a Deus, cumpridora, com valores familiares; ou que não está grávida porque não tem namorado pois ela conta-lhes tudo, é boa aluna e anda na catequese, etc.

PS- Este tipo de diálogo é habitual nas telenovelas, séries, filmes, etc, é sentido como realista e objectivo e não como uma "fuga-recusa à realidade", sendo portanto aceite como resposta válida e correcta.

Se se reparar, a essência destas duas histórias é a mesma, pois seguem o modelo de "Matar o Mensageiro", ou seja, é apenas uma "fuga-recusa à realidade".

A estrutura deste modelo é simples. Existem três elementos, Mensagem, sua Consequência e sua Causa, e a essência de "Matar o Mensageiro" é recusar a mensagem porque não aceita admitir as suas consequências.

Esta opção pode ser executada de uma forma primária matando quem a apresenta [é esta a origem do nome do modelo] ou, de uma forma menos primária, recusar o seu conteúdo e atacar com contra-argumentos ou destruir, desvalorar, amesquinhar, denegrir a fonte emissora.

Se se analisar comentários nas redes sociais e/ou debates TV politico-partidários esta dupla estratégia é óbvia e vulgar.

Na prática, perante uma mensagem recebida há 5 estratégias vulgares:

1 - contra-argumentar nas consequências;
2 - pró-argumentar nas consequências;
3 - aproveitar a boleia para colaterizar e "vender" a sua ideia [...a propósito... bla,bla,bla...];
4 - matar o mensageiro, denegrir e atacar a fonte;
5 - centrar-se no problema e suas causas,  aprofundar a sua validade ( ser verdade ou mentira) e esquissar o "que fazer".

Como experiência, escolham SÓ uma das cinco hipóteses anteriores, a que pensam ser mais "adulta" e que gostariam de usar para comentar e depois leiam a noticia de 09:26 de 16 de Setembro de 2014, em Por Notícias Ao Minuto,

 [http://www.noticiasaominuto.com/politica/276198/a-democracia-portuguesa-esta-podre]

se link não funcionar clickar em 16-Set-2014


Notas do autor para aprofundar a mensagem

Se se analisar os 24 comentários surgidos até às 17:00 de 17 de Setembro de 2014 (cerca de 24 horas) e perguntar quantos foram os que escolheram também a vossa estratégia de resposta, podem identificar a que grupo pertencem.

Se mais de 90% das respostas não comentam o aprofundamento da degeneração democrática é porque esse não foi o problema que os afectou a ponto de procurarem criar uma rede social sobre ele.

Assim, sociologicamente falando, será utópico (representativo ou não??) dizer que, mantendo a percentagem, em cada 9 milhões de cidadãos portugueses, 8 milhões debatem "ao lado" desse problema, quer concordem ou não com o Henrique Neto???
E este padrão de "debater ao lado" dos problemas será hábito político nas assembleias e debates???

Podem também verificar qual foi a estratégia mais e menos escolhida, isto é, qual é a cultura dominante actualmente existente, ou seja, centrada no problema (degeneração e sugestões de colmatar) e/ou nos efeitos colaterais ou no desvalorar o mensageiro, ou aproveitar para fazer marketing (venda) das suas ideias.

Aplicando o modelo ao exemplo anterior do pai, mãe, filha onde é usada a estratégia dos contra-argumentos sobre a mensagem do médico se, fosse utilizada a estratégia de destruir a fonte da mensagem, poderiam "atacar" com o seu passado, suas dívidas, suas amantes, seus falhanços, coscuvilhices, etc...

Mesmo que essas informações sejam verdadeiras, não têm conexão com o problema da doença, droga ou gravidez da filha, pois servem apenas como instrumentos de "fugas-recusas ao problema" trazido pela mensagem. Não são sinais de força, são sinais de padrões psicológicos incorporados como técnica de vida,

[...são hábitos culturais diz a sociologia, 
que se instalam como hábitos relacionais diz a psicologia, 
que sobrevivem como vírus educativos diz a pedagogia...]

Regressando ao inicial "Tens a mania que és esperto!!!" e pensando na zanga e nos laivos agressivos da voz do pai [...por mim esquecidos e não considerados até agora...], parece-me que afinal a frase não é de elogio nem de ofensa é apenas de ataque de um adulto a uma criança por ela ter sido a fonte emissora da mensagem recusada:

- "... é fácil,... todos sabem, ...o mágico engana-nos!!"

Realmente esta destruição da fonte é uma das estratégias possíveis no modelo de "matar o mensageiro" quando se fica "zangado" com a mensagem.

Resolvi confirmar e, olhando para a criança, ela parecia que tinha perdido toda a energia, mirrada na cadeira de olhos vidrados no leite e no bolo. A agitação, a alegria e a conversa tinham desaparecido em segundos... e o meu café da manhã tinha perdido a graça.

Continuei preocupado com a minha "cegueira a compreender" (blindness understanding) pois ainda me  perguntava porque é que o pai tinha atacado. Porque largou o problema e amesquinhou a fonte de uma informação?? Que caixa de Pandora tinha sido aberta ???

E apareceu-me outro "plop up" na memória, o modelo de pesquisa da polícia com o seu "MMO - Motivo, Meios, Oportunidade" que é apenas um versão simplificada do modelo de construir e/ou diagnosticar estratégias com a trilogia "Objectivo, Recursos, Situação".

O cerne da questão está na integração destes três elementos, o que deve ser feito perseguindo o "caroço" do problema [...the home, the heart or the core of the problem...], em que errar ou acertar esta identificação significa a diferença entre parvoíce ou esperteza no pensar a solução. 

Podemos não saber pesquisar-encontrar, mas quando um "caroço" do problema nos é mostrado podemos sentir positividade, agradecer e aproveitar a hipótese para pensar sobre ela e aceitá-la ou não. 

Em alternativa, podemos ser invadidos por negatividade, adquirir consciência de como somos parvos e recusar a mensagem com as técnicas de "matar o mensageiro".  Os modelos de liderança negativa têm vários truques para o fazer desde o autoritarismo a acusações de falta de respeito, passando por protocolos burocráticos e verbalismos balofos.

No caso deste pai e da mulher furada pelas espadas, olhar para o problema pelas espadas espetadas é estar a "pensar fora do problema", porque é óbvio que o problema não está aí pois a mulher estava viva depois da espetadela de espadas. Assim só pode estar naquilo que o mágico diz e faz, isto é,

- "... é fácil,... todos sabem, ...o mágico engana-nos!!"

ou seja, uma criança de 5 anos pensou bem "dentro do problema" enquanto que o pai com os seus 40 anos andou a pensar "fora do problema" nos [... entretantos colaterais...]. 

Como há a mania que qualquer adulto é sempre mais esperto que qualquer criança, ter uma prova concreta que foi parvo e a criança foi esperta não é fácil de aceitar... pois a verdade dói, sendo mais fácil e agradável matar o mensageiro.

PS - Quantos pais, professores e adultos já viram com este hábito???... apesar de embrulhado em desculpas educativas justificantes.

Por outro lado, é bom não esquecer que [...os chefes têm sempre razão...] e que [...a autoridade existe para garantir isso...] e que [...eu sou o educador cá do sítio...].


Uma proposta de uma pequena experiência para fazer,

Após verem o video...

- "Têm 5 segundos para dizer se o que acontece é verdade ou mentira e porquê!!!


Craig Knudsen

Acreditam ??? É verdade ou é mentira???

Qualquer que seja a resposta...porquê??

Apresentei este video a uma jovem de 11 anos e, sem limitar o tempo, fiz-lhe as mesmas perguntas.

Quando o video acabou, ficou quieta e calada e fiquei à espera contando os segundos em silêncio, quando cheguei a catorze ela disse num misto de afirmação e pergunta:

- É mentira...

-... porque não pode ter o mesmo tamanho com menos um bocado!!!

Uhau... aqueles neurónios estiveram activos.

Depois apresentei o esquema seguinte e pedi-lhe que "descascasse" o problema.
Perguntou como se fazia e eu disse-lhe que era tirando as "cascas" onde não podia estar a mentira até a poder agarrar. Riu-se e sentou-se melhor e mais atenta.

Não lhe disse a solução mas íamos conversando e eu apenas fornecia dados conectados com a pesquisa que fazia e com o "caroço" do problema. Ela tinha que transformar esses dados em informação e tirar conclusões.
Foi divertido e descobriu o "caroço".

Querem experimentar a "descascar o problema e encontrar o caroço"???

[...the core of the problem
is always the secret of the strategy...]


(Solução no fim)

Para terminar,

caíu-me nas mãos uma ed. Brasil (bilíngue), 2012, do "Encheirídion" de Epitecto (sec. I) que foi uma viagem interessante:


Epitecto, séc. I,

(apesar de posteriormente ter encontrado várias paráfrases das ideias):

[... se desejas melhorar, fica contente em passar por tolo ou insensato...]

[...não te esqueças que é impossível aprender o que achas que já sabes...]

e também encontrei uma "meditação" boa para adormecer:

...ou seja, não quero ser igual a mais um político de TV com a mania que é esperto,
...só peço que os deuses nunca me tirem a mania de que sou parvo e de continuar com a mania de ouvir os outros e  com a mania de pensar se terão ou não razão...  

não quero ser um Narcisopata de serviço prá família, prá amizade e prá sociedade.





Solução da pesquisa do caroço

1 - A jovem chegou à conclusão que o objecto maior e o menor tinham as mesmas medidas, o que achava estranho;

2 - Resolvi introduzir dados:
a- dei-lhe uma corda e um pau para servir de régua para medir a corda;
b- mediu e deu o resultado 10;
c- dei-lhe outra corda ligeiramente mais pequena e outro pau para servir de régua;
d- mediu e deu o resultado 12;
e- perguntei qual era a maior e respondeu que era a primeira;
f- resolvi chatear e disse-lhe que essa só media 10;
g- zangada respondeu que o pau com que media era maior;

3 - sorri e pedi-lhe para voltar ao problema do chocolate;
4 - ficou calada algum tempo a ver a apresentação e no fim disse que mediam 24 pedaços mas que os pedaços não eram iguais;
5 - resolvi chatear e disse que não tinham sido trocados;
6 - outra vez zangada disse que alguns foram cortados e ficaram mais pequenos;

Bati palmas, dei-lhe os parabéns porque tinha encontrado o "caroço" do problema.
Dei-lhe como prémio um "prende dedos" chinês, feito em papel, para "chatear" as amigas:


quinta-feira, 4 de setembro de 2014

NÓS...e o nosso Cockpit privado


O cockpit do avião diz o que é o mundo e o que nele se pode "fazer", mostra a verdade e ...se não mostra é porque é mentira...
ASSIM só existe ...o que lá está, o que não está ...não existe.

Acreditar no cockpit é a principal religião do aviador... e as janelas do cockpit são cada vez mais pequenas:



Do mesmo modo na pilotagem da vida a nossa cabeça é o nosso cockpit.

O nosso mundo é só o que a cabeça nos mostra, acreditar na sua cabeça é o principal suporte da VERDADE dos crentes e chama-se fé, quer seja fé nos outros, nas ideias, nas políticas, nos partidos ou nos deuses.




Uma experiência
(Com base em Richard Wiseman, psiquiatra)






R. Wiseman convidou participantes para uma entrevista.
No caminho entre a sala de espera e o gabinete da entrevista colocou, caída no chão, uma nota de dinheiro.

A entrevista decorria sobre os temas "feliz e infeliz, optimista e pessimista, azar ou sorte, possibilidades e oportunidades". No final perguntava se tinham apanhado o dinheiro caído no chão.

Se bem que o dinheiro estivesse sempre no mesmo local e igualmente disponível para ser percepcionado, só pessoas "optimistas o tinham visto" porque as "pessimistas não tinham reparado".

A atitude pessoal encastrada na mente tinha controlado, agudizado ou reduzido, a "cegueira perceptiva" (blind perception), isto é, [...a mente instalada controlava o modo como viam o mundo e pilotavam o seu caminho nele...].

Poder-se-á dizer que o educar é construir nos outros um cockpit igual ao seu, a psicanálise é mudar instrumentos (crenças, atitudes, interpretações,...) dos cockpit's privados dos outros, a psicologia é estudar características (perfis) dos cockpit's individuais, a sociologia é estudar modelos de cockpit's existentes e/ou possíveis nas sociedades, a política é aferir, regular e controlar os cockpit's dos outros (suas decisões, preferências,...), etc.

Há dois filmes interessantes de Roberto Benigni que mostram bem o que é um optimista com essa crença instalada no cockpit que pilota a sua vida.
Talvez ver estes filmes possa ser um remédio saudável para quem anda num estilo de "Kalimero" viciado em desgraça do tipo "...não me digam pra reagir...":

A VIDA É BELA                      O TIGRE E A NEVE



Um exemplo
(Com base em Joshua Greene)





A tribo foi à caça e caçou um mamute, as famílias estão felizes pois não haverá fome, todos têm comida para comer,... mas para isso há várias hipóteses:

1 -  cockpit A
As refeições são privadas. Cada família tira um bocado para levar para casa, quem tem mais filhos leva mais quantidade, quem tem menos filhos leva menos. 

2 -  cockpit B
As refeições são privadas. Cada família tira um bocado para levar para casa, MAS todos levam a mesma quantidade. Quem tem mais filhos faz os bifes mais pequenos, quem tem menos filhos faz os bifes maiores. Não há "abonos pra filhos".

3 -  cockpit C
Ninguém leva nada para casa, as refeições são colectivas. Todos comem juntos e tiram o que precisam para se alimentar.

4 -  cockpit D
Quem matou o mamute fica com metade, os que levaram o mamute para a tribo, arrastando-o durante quilómetros, ficam com o resto a dividir entre si em formato A, B ou C.
O importante é quem caça, não quem arrasta.  

5 -  cockpit E
Quem arrastou o mamute durante quilómetros fica com tudo e dividem entre si. Quem caçou se quer comer tem que arrastar.
O caçar não é importante, o arrastar é que é. A divisão é feita em formato A, B ou C.

Estas 5 tribos viviam isoladas e felizes obedecendo aos seus cockpit's iguais.
Um dia encontraram-se e misturaram-se, a felicidade desapareceu, os conflitos e discussões tornaram-se quotidianas, a fome surgiu...os cockpit's já não são iguais.

A solução foi simples e fácil,

6 -  cockpit F
O mamute passa a ter só um dono, alguém que não caça, nem arrasta, mas fica com tudo.
Depois distribui bocados como lhe apetece e a quem lhe apetece, faz regras e cumpre regras. Nasceu a política.
O problema deixou de ser caçar e arrastar, passou a ser "instalar" esse "DONO" do mamute e obrigar a obediência.
Gerir a obediência do grupo torna-se mais importante do que caçar e arrastar, pois faz a diferença entre obedecer e sobreviver ou não-obedecer e não-sobreviver.
[...para ficar dono do mamute, é preciso que haja crise...] sem ela ou caça ou arrasta...!!!!

Séculos depois, todos estes cockpit's [A, B, C, D, E, F,...] adquirem nomes: república, monarquia, liberalismo, socialismo, colectivismo, comunismo, estado social, social democracia, democracia social...

A História diz-nos que quando os selvagens entram na civilização largam as peles, mas levam consigo os seus cockpit's e acrescentam outros, como por exemplo, instalando instrumentos para proteger a moralidade através de "medir o tamanho da pele à mostra nas pernas das mulheres":

Canal História
Analisar estes cockpit's não só é interessante como também é divertido.
Por exemplo neste caso, perguntar porque é que não se preocupavam com o tamanho da pele à mostra no braço, no pescoço ou até na ponta do nariz é uma pergunta interessante.
Ou seja, porque é que aqueles cm2 de pele à mostra faziam faíscas nos neurónios sociais a ponto de criar uma profissão digna PPM - Polícias da Pele à Mostra...!!!¿¿¿ para manutenção da moral?

Aliás o ar diligente, preocupado e cuidadoso do fiscalizador PPM¿¿¿ e da assistência [...reparar que...ninguém se ri..., mas as crianças têm um ar espantado...] mostra bem a importância daqueles cmde pele à mostra para o funcionamento da sociedade e da sua moral.

PS- Aquele pai quando chega a casa explica ao filho que a sua profissão é importante porque é andar a medir os cm2 de pele à mostra nas pernas das mulheres... ou seja, ele é um importante fiscalizador de moralidades.

Como conclusão, cada um vê o mundo em função das características do cockpit que lhe encastraram ao "educá-lo" e em função dele define e escolhe o papel social que irá desempenhar.

Na Idade Média ninguém quereria ser corredor de automóveis porque esse modelo não estava disponível na sociedade. A vida de cada um de nós terá mais ou menos cores e pormenores ou será mais ou menos evoluída e boçal consoante os modelos disponíveis na sociedade em que se vive.

...ainda não sabe...
o que lhe vão encastrar....
Se colocaram na criança um cockpit que tem um factor (uma crença) de que há um Deus do Sol então rezará ao Sol e a chuva será apenas água, mas se lhe colocaram que há um Deus da Chuva então rezará à chuva e quererá molhar-se porque será receber uma benção de deus.

Mais tarde, obedecendo ao seu cockpit matará os "outros" porque são heréticos e hereges pois adoram deuses falsos quando só o seu é "O" verdadeiro.

Porém há outras conclusões possíveis.

Cockpit todos temos que ter... a questão é saber se "viver é ficar com o que nos calhou ou se viver é alterar-lhe os formatos" procurando outros mundos, outros olhares, outras pilotagens.

Talvez viver seja apenas a aventura de mudar o próprio cockpit vendo o mundo com outros olhos, pois [...viajar não é ver outros mundos é ver com outros olhos...] e assim "a maçã da Eva será apenas um símbolo do bilhete para a aventura de alterar cockpit's":


Uma última observação, 

para aqueles a quem não somos indiferentes e se preocupam connosco, eles costumam dar-nos um precioso conselho tradicional, nascido da "psicologia natural" da amizade, que é:

"...tens que reagir..."


mas que na prática significa apenas [...altera, por pouco que seja, o cockpit com que andas a pilotar a tua vida...].

Aparentemente, é um conselho difícil de explicar e que enfurece quem o recebe.
Na verdade os cockpits bloqueados são masoquistas, sofrem, adoram ser vítimas e têm raiva a quem os agita no narcótico... e aplaudem e agradecem a quem os embala nele.

Porém a vida "escreve direito por linhas tortas" e segue a teoria do caos em que "no Japão, um bater de asas de borboleta pode originar um tornado no Texas", ou seja, o truque é fazer alterações desprezáveis e esperar que a vida se enfureça, zangue e arranque em força. 

O truque é atacar rotinas, desde mudar o penteado até passar por outras ruas ou alterar as cores com que se veste... e se de repente reparar em algo novo, então nesse momento o cockpit já foi alterado,... JÁ REAGIU.

Talvez a conclusão seja que o segredo é fomentar "pequeninas diferenças" na solidez do cockpit pessoal, pois é na existência delas que tudo se baseia... é bom não esquecer que desde há milhões de anos que a sobrevivência da espécie humana se baseia "na pequeníssima diferença" (...Vive la petite difference!!) por causa da qual todos nascemos.