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quinta-feira, 18 de setembro de 2014

- "Tens a mania que és esperto !!" [com anexo]

- "Tens a mania que és esperto!!!"...

ouvi dizer na mesa ao lado e fiquei sem perceber se isso seria um elogio ou uma ofensa.

Observando a relação do pai com o filho de 5/6 anos, imaginei que ele dizia:

- "Tens a mania que és parvo!!!"...

pensei se isso seria um elogio ou uma ofensa... e continuei com dúvidas.

Resolvi ficar atento à conversa e percebi que falavam de uma cena na TV em que um mágico põe uma mulher dentro de uma caixa e depois espeta várias espadas por buracos existentes, tira as espadas e a mulher sai de lá a dançar toda "vivinha"... e o pai admirado perguntava como é que isso era possível.

E a criança tinha respondido:

Oh pai ... é fácil,... todos sabem, ...o mágico engana-nos!!

Então o pai zangado respondeu que ele tinha a mania de ser esperto. 

Pensando na opinião emitida pelo pai, ela tem uma parte "Tens a mania que és..." significando que o filho fez auto-análise (introspecção) pensando sobre si próprio e concluindo algo, o que me parece muito válido para uma criança de 5/6 anos.
Portanto até aqui a resposta do pai parece-me um elogio.

Na verdade, desde o socrático "Conhece-te a ti mesmo" propondo introspecções que isso é considerado uma vantagem e um sinal de mérito pessoal, aliás muito aconselhado em diversas terapias de ajuda onde a etapa fundamental é obter esse auto-conhecimento.
Por exemplo, nos alcoólicos anónimos é fundamental afirmar-se com convicção "Sou alcoólico" para conseguir sair e ficar fora do aditismo.

Portanto à partida a frase começa com um elogio, logo a dúvida de ser elogio ou ofensa deverá procurar-se na continuação de..."ser esperto" ou na alternativa de "ser parvo".


deus Narciso

Por outro lado, "Ter a mania" e não "ter a certeza" de ser esperto ou ser parvo também não me parece negativo, pois significa apenas que não é hiper-assertivo acerca de si próprio e mantém uma espécie de dúvida saudável numa introspecção permanente, ou seja, não é um "Narcisopata", isto é, um constante auto-admirado cheio de certezas, um apaixonado por si próprio [ver o mito do deus Narciso].

E assim, a dúvida de ser ofensa ou elogio continuava, pois não percebia o que aquele pai pretendia comunicar, mas...


... em qualquer dos dois casos, de ser esperto ou de ser parvo, só há duas hipóteses ou a auto-análise é verdadeira ou é falsa e também em qualquer destes casos a situação é muito positiva, pois a etapa seguinte é pesquisar a verdade de ser parvo ou de ser esperto.
Salienta-se que em qualquer terapia de auto-conhecimento este é um momento ideal para a sua continuação e aprofundamento, portanto continuava a parecer elogio.

Porém não me sentia convencido e a minha "cegueira a compreender" (blindness understanding) mantinha-me num beco sem saída, afinal o pai elogiava ou ofendia???

Nesse momento,  faiscou-me (plop up) na memória a parábola de matar o mensageiro.

A parábola é simples, é só imaginar um indivíduo que vai ao Hospital e, ao receber o resultado do diagnóstico dizendo que tem uma doença terminal, dá um par de estalos a quem lho entregou.

Pode parecer uma anedota mas é uma reacção vulgar e comum a que se assiste normalmente nos debates políticos, conversas familiares, comentários e contra-comentários nas redes sociais, etc, todavia  numa variante mais "camuflada" pode ser, por exemplo,

...imaginar um pai e uma mãe que vão com a filha ao médico e este diz-lhes que a filha está doente ou drogada ou grávida.

A reacção vulgar é os pais contestarem a mensagem dizendo que não é verdade porque ela está normal, anda bem, come bem; ou não anda na droga porque é uma boa filha, temente a Deus, cumpridora, com valores familiares; ou que não está grávida porque não tem namorado pois ela conta-lhes tudo, é boa aluna e anda na catequese, etc.

PS- Este tipo de diálogo é habitual nas telenovelas, séries, filmes, etc, é sentido como realista e objectivo e não como uma "fuga-recusa à realidade", sendo portanto aceite como resposta válida e correcta.

Se se reparar, a essência destas duas histórias é a mesma, pois seguem o modelo de "Matar o Mensageiro", ou seja, é apenas uma "fuga-recusa à realidade".

A estrutura deste modelo é simples. Existem três elementos, Mensagem, sua Consequência e sua Causa, e a essência de "Matar o Mensageiro" é recusar a mensagem porque não aceita admitir as suas consequências.

Esta opção pode ser executada de uma forma primária matando quem a apresenta [é esta a origem do nome do modelo] ou, de uma forma menos primária, recusar o seu conteúdo e atacar com contra-argumentos ou destruir, desvalorar, amesquinhar, denegrir a fonte emissora.

Se se analisar comentários nas redes sociais e/ou debates TV politico-partidários esta dupla estratégia é óbvia e vulgar.

Na prática, perante uma mensagem recebida há 5 estratégias vulgares:

1 - contra-argumentar nas consequências;
2 - pró-argumentar nas consequências;
3 - aproveitar a boleia para colaterizar e "vender" a sua ideia [...a propósito... bla,bla,bla...];
4 - matar o mensageiro, denegrir e atacar a fonte;
5 - centrar-se no problema e suas causas,  aprofundar a sua validade ( ser verdade ou mentira) e esquissar o "que fazer".

Como experiência, escolham SÓ uma das cinco hipóteses anteriores, a que pensam ser mais "adulta" e que gostariam de usar para comentar e depois leiam a noticia de 09:26 de 16 de Setembro de 2014, em Por Notícias Ao Minuto,

 [http://www.noticiasaominuto.com/politica/276198/a-democracia-portuguesa-esta-podre]

se link não funcionar clickar em 16-Set-2014


Notas do autor para aprofundar a mensagem

Se se analisar os 24 comentários surgidos até às 17:00 de 17 de Setembro de 2014 (cerca de 24 horas) e perguntar quantos foram os que escolheram também a vossa estratégia de resposta, podem identificar a que grupo pertencem.

Se mais de 90% das respostas não comentam o aprofundamento da degeneração democrática é porque esse não foi o problema que os afectou a ponto de procurarem criar uma rede social sobre ele.

Assim, sociologicamente falando, será utópico (representativo ou não??) dizer que, mantendo a percentagem, em cada 9 milhões de cidadãos portugueses, 8 milhões debatem "ao lado" desse problema, quer concordem ou não com o Henrique Neto???
E este padrão de "debater ao lado" dos problemas será hábito político nas assembleias e debates???

Podem também verificar qual foi a estratégia mais e menos escolhida, isto é, qual é a cultura dominante actualmente existente, ou seja, centrada no problema (degeneração e sugestões de colmatar) e/ou nos efeitos colaterais ou no desvalorar o mensageiro, ou aproveitar para fazer marketing (venda) das suas ideias.

Aplicando o modelo ao exemplo anterior do pai, mãe, filha onde é usada a estratégia dos contra-argumentos sobre a mensagem do médico se, fosse utilizada a estratégia de destruir a fonte da mensagem, poderiam "atacar" com o seu passado, suas dívidas, suas amantes, seus falhanços, coscuvilhices, etc...

Mesmo que essas informações sejam verdadeiras, não têm conexão com o problema da doença, droga ou gravidez da filha, pois servem apenas como instrumentos de "fugas-recusas ao problema" trazido pela mensagem. Não são sinais de força, são sinais de padrões psicológicos incorporados como técnica de vida,

[...são hábitos culturais diz a sociologia, 
que se instalam como hábitos relacionais diz a psicologia, 
que sobrevivem como vírus educativos diz a pedagogia...]

Regressando ao inicial "Tens a mania que és esperto!!!" e pensando na zanga e nos laivos agressivos da voz do pai [...por mim esquecidos e não considerados até agora...], parece-me que afinal a frase não é de elogio nem de ofensa é apenas de ataque de um adulto a uma criança por ela ter sido a fonte emissora da mensagem recusada:

- "... é fácil,... todos sabem, ...o mágico engana-nos!!"

Realmente esta destruição da fonte é uma das estratégias possíveis no modelo de "matar o mensageiro" quando se fica "zangado" com a mensagem.

Resolvi confirmar e, olhando para a criança, ela parecia que tinha perdido toda a energia, mirrada na cadeira de olhos vidrados no leite e no bolo. A agitação, a alegria e a conversa tinham desaparecido em segundos... e o meu café da manhã tinha perdido a graça.

Continuei preocupado com a minha "cegueira a compreender" (blindness understanding) pois ainda me  perguntava porque é que o pai tinha atacado. Porque largou o problema e amesquinhou a fonte de uma informação?? Que caixa de Pandora tinha sido aberta ???

E apareceu-me outro "plop up" na memória, o modelo de pesquisa da polícia com o seu "MMO - Motivo, Meios, Oportunidade" que é apenas um versão simplificada do modelo de construir e/ou diagnosticar estratégias com a trilogia "Objectivo, Recursos, Situação".

O cerne da questão está na integração destes três elementos, o que deve ser feito perseguindo o "caroço" do problema [...the home, the heart or the core of the problem...], em que errar ou acertar esta identificação significa a diferença entre parvoíce ou esperteza no pensar a solução. 

Podemos não saber pesquisar-encontrar, mas quando um "caroço" do problema nos é mostrado podemos sentir positividade, agradecer e aproveitar a hipótese para pensar sobre ela e aceitá-la ou não. 

Em alternativa, podemos ser invadidos por negatividade, adquirir consciência de como somos parvos e recusar a mensagem com as técnicas de "matar o mensageiro".  Os modelos de liderança negativa têm vários truques para o fazer desde o autoritarismo a acusações de falta de respeito, passando por protocolos burocráticos e verbalismos balofos.

No caso deste pai e da mulher furada pelas espadas, olhar para o problema pelas espadas espetadas é estar a "pensar fora do problema", porque é óbvio que o problema não está aí pois a mulher estava viva depois da espetadela de espadas. Assim só pode estar naquilo que o mágico diz e faz, isto é,

- "... é fácil,... todos sabem, ...o mágico engana-nos!!"

ou seja, uma criança de 5 anos pensou bem "dentro do problema" enquanto que o pai com os seus 40 anos andou a pensar "fora do problema" nos [... entretantos colaterais...]. 

Como há a mania que qualquer adulto é sempre mais esperto que qualquer criança, ter uma prova concreta que foi parvo e a criança foi esperta não é fácil de aceitar... pois a verdade dói, sendo mais fácil e agradável matar o mensageiro.

PS - Quantos pais, professores e adultos já viram com este hábito???... apesar de embrulhado em desculpas educativas justificantes.

Por outro lado, é bom não esquecer que [...os chefes têm sempre razão...] e que [...a autoridade existe para garantir isso...] e que [...eu sou o educador cá do sítio...].


Uma proposta de uma pequena experiência para fazer,

Após verem o video...

- "Têm 5 segundos para dizer se o que acontece é verdade ou mentira e porquê!!!


Craig Knudsen

Acreditam ??? É verdade ou é mentira???

Qualquer que seja a resposta...porquê??

Apresentei este video a uma jovem de 11 anos e, sem limitar o tempo, fiz-lhe as mesmas perguntas.

Quando o video acabou, ficou quieta e calada e fiquei à espera contando os segundos em silêncio, quando cheguei a catorze ela disse num misto de afirmação e pergunta:

- É mentira...

-... porque não pode ter o mesmo tamanho com menos um bocado!!!

Uhau... aqueles neurónios estiveram activos.

Depois apresentei o esquema seguinte e pedi-lhe que "descascasse" o problema.
Perguntou como se fazia e eu disse-lhe que era tirando as "cascas" onde não podia estar a mentira até a poder agarrar. Riu-se e sentou-se melhor e mais atenta.

Não lhe disse a solução mas íamos conversando e eu apenas fornecia dados conectados com a pesquisa que fazia e com o "caroço" do problema. Ela tinha que transformar esses dados em informação e tirar conclusões.
Foi divertido e descobriu o "caroço".

Querem experimentar a "descascar o problema e encontrar o caroço"???

[...the core of the problem
is always the secret of the strategy...]


(Solução no fim)

Para terminar,

caíu-me nas mãos uma ed. Brasil (bilíngue), 2012, do "Encheirídion" de Epitecto (sec. I) que foi uma viagem interessante:


Epitecto, séc. I,

(apesar de posteriormente ter encontrado várias paráfrases das ideias):

[... se desejas melhorar, fica contente em passar por tolo ou insensato...]

[...não te esqueças que é impossível aprender o que achas que já sabes...]

e também encontrei uma "meditação" boa para adormecer:

...ou seja, não quero ser igual a mais um político de TV com a mania que é esperto,
...só peço que os deuses nunca me tirem a mania de que sou parvo e de continuar com a mania de ouvir os outros e  com a mania de pensar se terão ou não razão...  

não quero ser um Narcisopata de serviço prá família, prá amizade e prá sociedade.





Solução da pesquisa do caroço

1 - A jovem chegou à conclusão que o objecto maior e o menor tinham as mesmas medidas, o que achava estranho;

2 - Resolvi introduzir dados:
a- dei-lhe uma corda e um pau para servir de régua para medir a corda;
b- mediu e deu o resultado 10;
c- dei-lhe outra corda ligeiramente mais pequena e outro pau para servir de régua;
d- mediu e deu o resultado 12;
e- perguntei qual era a maior e respondeu que era a primeira;
f- resolvi chatear e disse-lhe que essa só media 10;
g- zangada respondeu que o pau com que media era maior;

3 - sorri e pedi-lhe para voltar ao problema do chocolate;
4 - ficou calada algum tempo a ver a apresentação e no fim disse que mediam 24 pedaços mas que os pedaços não eram iguais;
5 - resolvi chatear e disse que não tinham sido trocados;
6 - outra vez zangada disse que alguns foram cortados e ficaram mais pequenos;

Bati palmas, dei-lhe os parabéns porque tinha encontrado o "caroço" do problema.
Dei-lhe como prémio um "prende dedos" chinês, feito em papel, para "chatear" as amigas:


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