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quinta-feira, 4 de julho de 2013

Ganhar ou perder menos ???



Foto pessoal da época
Quando era jovem adolescente treinava ginástica olímpica no Ginásio Clube Português, três vezes por semana, 3 horas.

Este desporto é de competição individual e nele lutamos connosco próprios para alterar pormenores defeituosos e conseguir fazer, nos diversos aparelhos (argolas, paralelas, barra, etc), os exercícios (mortais, piruetas, etc,), quer obrigatórios, quer de escolha pessoal.

O treino decorria em grupos aleatórios que, por motivações próprias, escolhiam os aparelhos de começo e depois iam circulando por todos os outros até acabar. Em cada local, cada um decidia o que treinar entre os obrigatórios e os facultativos. 

Éramos os donos do nosso treino. Na verdade, treinar um mortal na barra fixa, não é um problema de "esforço cego", é um problema de controlos por "decisões lúcidas", não se pode estar "empurrado", tem que se estar "apetente".

Em cada grupo todos nos ajudávamos, quer com "dicas" técnicas, quer na segurança física de evitar quedas. O professor era um "outro" de nós com mais experiência e conhecimento que nos ajudava e propunha, por sua iniciativa ou a pedido.
A própria intensidade, a duração e até o tipo de treino (exercícios, fortalecimento físico ou ficar só a ajudar os outros), era opção nossa em função de como nos sentíamos nesse dia. Era o que hoje se chama uma cultura de "person", e não "people", em treino. As decisões apesar de partilhadas e comentadas eram nossas.

Para os campeonatos, os treinos eram feitos com a ajuda de todos e todos tentávamos que cada um conseguisse a melhor nota possível. Nas próprias competições isso acontecia. Ficar em segundo com nota elevada dava mais alegria do que em primeiro com nota baixa. O nosso problema não era  ganhar aos outros, era ganhar a nós próprios.

Hoje percebo que na prática, na minha adolescência, fui mergulhado numa cultura desportiva particular. Posso não ter sido um óptimo ginasta, mas agradeço a formação cultural que tive, pois penso ter influenciado o resto da minha vida.

Porém, no Clube acontecia às vezes um evento que se contrapunha fortemente a esta cultura. Não entendíamos a discrepância, para adolescentes apenas surgia como uma curiosidade que nos espantava.

Uma vez por mês, de repente, aparecia entre nós um aviso - "Estão cá os malucos", o treino parava e íamos ver.
Tudo se resumia a dois senhores, 40/50 anos, muito bem vestidos e formais que, bem equipados, iam para a sala da esgrima mas de tronco nu e com espadas de metal.
Durante uma hora, jogavam esgrima e, consoante o resultado de ataques e defesas, o tronco de cada um ia ficando com vergões e cortes.
Quando acabavam, tomavam banho e a seguir, com uma vareta com algodão e mercúrio-cromo, tratavam as feridas e vergões um do outro. Eram contadas religiosamente e o que tivesse menos marcas ganhava, iam jantar e quem perdia pagava.

Para nós isto parecia uma história de malucos que não perdíamos. Até o nosso professor, na época um ginasta finlandês contratado, assistia um bocado admirado.

Hoje percebo que o que estava em causa eram duas culturas em choque, ou seja, desporto com competições WIN-WIN versus desporto com competições LOOSE_LOOSE. Era uma cultura espantada a olhar para outra. 


Devia ser o mesmo choque cultural que os índios Algonquim tiveram quando contactaram com os europeus que lhes "venderam" a ilha de Manhattan por 60 florins (24 dolares). 
Para os europeus o "SIM" deles significava - "…Sim, troco a ilha pelo dinheiro". 
Para os índios Algonquim cuja cultura não continha a posse de terras, talvez significasse apenas - "SIM, aceito essas prendas bonitas e redondas"… pelo que depois não percebiam porque não podiam voltar à ilha. Os SIM's não eram os mesmos.

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