Translate

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Portugal, a crise dentro da crise


Outro dia assisti a uma conversa-discussão sobre futebol englobando 3 gerações, dos 16 aos 60 anos.
Fiquei interessado e espantado com o elevado número de conhecimentos que todos possuíam. A conversa foi animada e os detalhes eram muitos e variados, desde tácticas, jogos, êxitos, falhanços nacionais e internacionais, até negócios, contractos e despedimentos, políticas de associações, campeonatos, etc.

O centro do meu interesse era o "plopar" (emitir) contínuo de opiniões não coincidentes, fundamentadas em dados concretos que ninguém contestava.

A minha conclusão foi simples: nós portugueses somos um povo cheio de opiniões…o que é muito BOM, daqui nasce a nossa conhecida criatividade chamada desenrascanço, que espero não seja destruída.

Agora o reverso da medalha.

Quanto mais opiniões existirem, maior é a probabilidade de surgirem facções diferentes e se criar fragmentação social.
Se se analisar gravações de debates políticos actuais, quer oficiais (Assembleias) quer particulares (TV e campanhas), claramente o que é fomentado, ensinado e divulgado é a luta de opiniões. Em complemento, procura-se construir claques e obter palmas como no circo e se possível destruir as oposições.

Na perspectiva actual, até em criticas TV: -" O debate foi morno…", considera-se que um debate é BOM quando as fragmentações ficam claras e a luta é sangrenta.
Na verdade, a avaliação normal é que se um líder concordar é sinal de fraqueza e estupidez, mas se combater com golpes que obtenham aplausos então é sinal de força e inteligência.

Esta perspectiva apesar de interessante é estranha porque por definição, numa Democracia, os participantes de uma Assembleia não são inimigos, são parceiros, co-responsáveis e comprometidos com o resultado comum.

PS - Porém, com estas regras de jogo, alguém anda enganado… ou os cidadãos que elegem ou os eleitos elegidos, ou talvez os dois!!!

De qualquer modo, se olharmos à nossa volta o diagnóstico é óbvio:

Portugal, tem uma crise dentro da crise. Essa crise interior chama-se fragmentação política-social da sociedade portuguesa e é fomentada a partir de centros políticos, culturais e económicos para a periferia, se bem que a sociedade periférica (a chamada sociedade não-política) ainda sobreviva com coesões tradicionais.

PS - Este conceito de sociedade não-política (agora na moda) é um conceito interessante para analisar o porquê da fragmentação. 
É que numa Democracia não há cidadãos não-políticos (na antiga Grécia seriam os escravos), logo na Democracia não há sociedade não-política.
No conceito actual, os cidadãos só são políticos no momento em que elegem os eleitos, depois estes são os políticos e os outros passam a não-políticos. Talvez esteja enganado, mas isto parece-me sintomas de ditadura disfarçada.

Aliás, este diagnóstico de fragmentação política não é novo, Salazar já o fez no seu tempo, aquando da criação da ditadura do Estado Novo. Na verdade a UNIÃO NACIONAL criada na altura, como o próprio nome indica, responde a essa necessidade. Nesse tempo, realmente, só os "políticos" eram políticos e é por isso, exactamente, que era uma ditadura.

Salazar definiu bem o problema da fragmentação, mas definiu mal a sua solução.

Enquadrado na cultura da Europa de então, a solução para uma sociedade fragmentada seria uma sociedade com "todos unidos e de passo certo", obedientes a políticos com a função de gestão, o que ainda se encontra no estilo dos partidos actuais.
Era o que então acontecia noutros países, Alemanha, Itália, Espanha, etc. Esta cultura  disseminou-se como um vírus (que ainda existe por aí) e assim o Estado Novo nasceu apoiado e apoiando a União Nacional, cimentada em  massificação colectiva amalgamada num "apolitismo obrigatório".

Considera-se que a crise portuguesa da fragmentação política é provocadora da crise económica, tornando necessária uma Tutoria Internacional de Menores (troika sobre os portugueses) feita com o beneplácito e complacência de pais incultos (os eleitos).
Todavia, talvez seja exactamente o contrário:

não é a fragmentação que provoca a crise,
é a crise que precisa da fragmentação.

Se olharmos a História mundial antiga e recente, uma das principais medidas de qualquer colonizador é fragmentar a sociedade colonizada e depois amalgamá-la numa massa amorfa.

Noutras palavras, para o colonizador (interno e/ou externo) a fragmentação social é fundamental para instalar e manter a extracção das vantagens desejadas e continuarem os tutores a serem tutores e os pais incultos a serem intermediários.

Todavia, em Portugal talvez haja também um problema complementar.

Existem contaminações culturais inter-gerações, quer por reprodução, quer por contra-reprodução. Isto quer dizer que sendo uma geração "educada" para ser "apolítica submissa" (caso Estado Novo) quando a tampa opressiva termina, o modelo disponível para usar é o equilíbrio "político dominador versus apolítico submisso".

Em consequência o modelo a usar na Democracia vai ser de uma Ditadura disfarçada.
Uns transformam-se em "políticos dominadores no poder", outros em "políticos dominadores na oposição"(contrapoder) cuja luta passa a ser entendida como "dinâmica democrática". Os restantes continuam a ser "apolíticos submissos" e chamam-se então "sociedade não-política".

O problema parece ser uma cultura política a precisar de terapia, não no respeitante à sociedade portuguesa em particular, mas sim respeitante a uma contaminação cultural da herança ocidental.

No caso português, fugimos um pouco à normalidade destes casos, por um lado para melhor, por outro lado para pior.

Neste caso o padrão é "dividir é reinar", ou seja, o sinal de democracia é poder dar opinião, portanto, ficam mais fragmentados (dividir) mas também mais afirmantes da sua posição (reinar).

Esta perspectiva convém a quem quer ser tutor participante numa Ditadura disfarçada pois divide, ou a quem quer ser cidadão participante numa Democracia real pois expressa opinião. Como é evidente, isto é um paradoxo (ser e não-ser ao mesmo tempo uma Democracia), logo tem que existir um BUG em qualquer lado.

Pondo a questão de uma maneira simples:
Os portugueses que gostam e dão muitas opiniões,
vão favorecer Ditaduras disfarçadas ou Democracias reais ??

Na verdade todos os cidadãos, críticos, comentadores, participantes, etc, ao ajudar com a sua opinião estão a aumentar a fragmentação social, pois quando agem com o  -"Já agora digo o que penso" [... que é exactamente o que também estou fazendo…] vão contribuir para aumentar a gama de adesões possíveis, favorecendo a multiplicidade de facções.

Não me parece que seja possível fazê-lo doutra maneira. Portanto este não é o problema, ou seja, o problema não é de quem emite as opiniões, o problema é de quem recebe as opiniões.

A solução de Salazar ao fazer a União Nacional por "calar as vozes" ao estilo da Europa de então, acabou por resolver a fragmentação mas à custa de destruir a sociedade. É o que acontece com a disciplina partidária que instala a unidade partidária à custa do empobrecimento da sua potencialidade. Ambos resolvem o problema no sitio errado.

A solução não é massificar as opiniões reduzindo a sua origem, é enriquecer as redes de recepção potenciando a sua integração. Uma opinião é sempre uma fragmentação, a questão fundamental é o que acontece DEPOIS, isto é, o que se vai fazer com essa opinião. É aqui que "entra" a "inteligência colectiva" da Democracia.


Aprofundando:


(Referência "Gestão de conflitos" de Paula Silveira, in blogue 
"Gestão de conflitos, o BOM e o MAU", de 22 Set. 2013)

Uma opinião é uma conclusão pessoal construída a partir de factos aceites. Como ninguém é Deus, essa conclusão tem uma percentagem de BOM e uma percentagem de MAU. O que acontece é que cada um fica "vidrado" na sua parte boa (que leva por arrastamento a sua parte má) e entra em conflito com as partes más e/ou boas dos outros:


Fragmentação social com as opiniões em conflito
Todavia o problema não é vencer uma luta de opiniões para eleger a melhor. O problema não se foca na inteligência individual a ser reduzida mas na inteligência colectiva a ser aumentada.

A pergunta a fazer perante uma opinião não é:  

- "O que é que está errado e eu não concordo?", 

mas sim, 

- "O que é que está certo e eu concordo?",  e a seguir 

- "Como é que eu integro as partes BOAS das opiniões?". 

O esquema anterior no caso de recepção em inteligência colectiva fica só com as partes boas de cada opinião integradas entre si, as partes más são esquecidas, pelo que o resultado é o seguinte:


Agora o cuidado a ter é que, nas respostas a estas segundas perguntas, vão aparecer outra vez percentagens de BOM e percentagens de MAU, portanto, não se pode cair novamente numa luta de opiniões e fazer nascer outra vez o circulo vicioso da fragmentação social.


Em Portugal, se a crise da crise é a fragmentação política na sociedade portuguesa, então a solução não passará por uma nova massificação de um novo "partido", que aumentará a fragmentação, mas num enriquecimento das redes de recepção e uso das […FELIZMENTE…] muitas opiniões emitidas, potenciando a inteligência colectiva, cuja criatividade já foi demonstrada na nossa História, a par de alguns Bugs.

Em conclusão...

…ou este escrito de "O que eu penso" é mais um empurrão à portuguesa para a fragmentação, ou é um recurso para um pensar conjunto, porém isso já não depende de mim, depende de existir ou não uma pequenina percentagem a ser aproveitada por outrem.

Se não existir percentagem alguma para aproveitar, é sinal que nenhuma solução passará por aqui e portanto terá que se procurar noutro lado. Nenhuma fragmentação será criada.



Sem comentários:

Enviar um comentário