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terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Estudar Matemática: Calcular ou Pensar?

Não é suficiente
Saber correr para ser um corredor
Saber ler para ser um leitor
Saber calcular para ser um matemático

Eu penso... tu calculas!
Saber "escrever, ler e contar" é hoje imprescindível para se viver na sociedade e a confirmação dessa aptidão pode ser feita com um simples teste. Quer responder?

A Maria tem 12 maçãs e 3 irmãos.
Resolve partilhar as maçãs com os irmãos. 
Quantas dá a cada um ?


A resposta é.......

Penso que o cidadão letrado sabendo ler, escrever e contar e confrmado pelo computador fará uma rápida divisão de 12 por 3 e a resposta será 4.

Mas, olhe que TALVEZ NÃO ... depende !!!!!
como dirá alguém que, para além de calcular, também pensa e fica com dúvidas:

A Maria também recebe maçãs?

Porque,
- se não recebe... divide-se 12 por 3 e a resposta será 4.
- se recebe... divide-se 12 por 4 e a resposta será 3.

Mas, olhe que TALVEZ NÃO ... depende !!!!!
como dirá alguém que, para além de calcular, também pensa o que será partilhar, pois...

Segundo o Dicionário: 
1- Partilhar é dividir em várias partes;
2 - Partilhar é partir ou separar em várias partes;

Ou seja, o conceito partilhar não implica partes iguais visto que o  “dividir matemático” em partes iguais não é o “dividir cultural”, pois este não implica partes iguais, por exemplo, dividir uma carga por um pai e um filho pequeno não é separá-la em duas partes iguais. 

Quando na linguagem comum se pretende “partes iguais”  acrescenta-se: “dividir em partes iguais”. Não é um pleonasmo, é dizer que o dividir cultural é o dividir matemático. 

Então, se o conceito de partilha não implica partes iguais, as alternativas são muitas pois a Maria pode tomar a decisão (isto é, um operador não matemático a influenciar o calculo matemático) de usar soluções diferentes em função de possíveis variáveis não matemáticas, por exemplo:

A - querer também ter, ou não, maçãs;
B - querer separar em partes iguais ou desiguais;
C - querer separar em partes iguais e outras desiguais;

ou seja, o calculo a fazer depende totalmente de um maximizante não matemático - o seu QUERER - que é de natureza pessoal, psicológica e cultural.
Como soluções possíveis:

dar 2 maçãs a cada irmão e ficar com 6; 
- dar 3 a dois irmãos, 5 ao mais velho e ficar com 1;
- dar 1 a cada irmão e guardar o resto para o dia seguinte;
- etc

portanto, o operador a usar não será uma divisão mas... uma subtracção.

Na verdade, a Matemática pode ser modelizada pelo esquema POC (Pensar-Operadores-Calcular)  (TOC- to Think, to use Operators, to Calculate) cuja base, sustentando todo o “edifício”, é o Pensar que utiliza instrumentos já aprendidos (Operadores) e os aplica (Cálculo) na concretização da solução:


A execução matemática exige sempre pensar-decidir, isto é, diagnóstico, raciocínio, solução, assim ela não é diferente de qualquer outra actividade desde correr até jogar num computador, onde esses três factores estão sempre presentes. 

Um burro preso à nora e a correr à sua volta é muito diferente de um burro a correr livre na campina. No primeiro caso não há pensar-decidir, há um zombie pachorrento, mas no segundo existe um vivente cheio de energia a escolher direcções com um pensar-decidir para onde corre. No primeiro caso faz actividades, no segundo faz acções.

A grande diferença entre as duas, é que nas actividades repetem-se actos do passado sem qualquer sentido actual (são a essência das rotinas), enquanto que nas acções são actos dirigidos ao futuro e com um motivo para existirem (são a essência dos projectos), isto é, são actos com motivo-acção: motivação.

Motivar alguém é só pô-lo a pensar-decidir actos em direcção ao futuro e não é obrigá-lo a fazer actos sem futuro. Tirar o pensar-decidir é tirar a motivação.
(ver blog "Ganhar-ou-perder-menos, Julho 2013, clickar aqui, no exemplo inicial de treinar ginástica decidindo, ou não, o seu próprio treino)

Ensinar matemática pela mecanização de cálculos é o mesmo que pôr burros à volta da nora, se não estão estupidificados vão ficar.
A motivação de um jogo de computador é obter um resultado através de regras que é preciso conhecer para se pensar com elas e sobre elas aplicadas nas situações.
A palavra chave neste processo é "Pensar sobre ..." pois se esta etapa não existe destrói-se a motivação. Por esta razão muitas vezes há motivação para estar no computador e não motivação para estar na escola. A Matemática contaminada pelo "bug" de não pensar não é atractiva. 

Uma simples experiência de "pensar ou apenas calcular": 

Dos 3 números -  8  -  16  -  77  -  quais são os que se podem dividir por 2?

Já pensou ....escolheu ? Não é dificil...!... Escolheu o 8 e 16 e recusou o 77?

Então está errado...!
Porque tem que escolher todos, pois

- 8 a dividir por 2 dá 4;
- 16 a dividir por 2 dá 8:
- 77 a dividir por 2 dá 38,5.

Ler uma pergunta e pensar errado sobre ela vai provocar um uso errado da Matemática. A pergunta não é quais são os números divisíveis por 2, mas sim quais são os que se podem dividir por 2.

Então o que quer dizer “Pensar matemática”?

Surge aqui um conceito importante a analisar que é o "Pensar necessário", ou seja, à semelhança do “need to know” fala-se do “need to think


Pensar necessário

A sua regra base é a “necessidade do pensar”, ou seja, ter uma intensidade tal que não é tão profundo que confunda, nem tão superficial que estupidifique.
Noutras palavras, é procurar o chamado “pensar operacional” (thought for acting), o qual em função da sua prática consciente leva naturalmente ao seu domínio e aprofundamento.

Para se usar um telemóvel tem que se pensar como funciona, mas não é necessário aprender como funcionam as ondas electromagnéticas.
Do mesmo modo para guiar um automóvel é preciso pensar como se usam as mudanças, mas para isso são dispensáveis explicações sobre a mecânica das engrenagens helicoidais.


Exemplo com uma jovem de 11 anos

Sendo uma aluna de "2 valores na Matemáticafoi-lhe proposto que pensasse e descobrisse o número que falta na série:  8   14   20   26   ?   38,  ou sejaprocurar a lógica que permite a partir de um número obter-se o seguinte.

No início não estava nada contente com a proposta pelo que, não interessada, se limitou a dizer aleatóriamente números entre 26 e 38, o que foi bastante bom pois tomou consciência da área das possibilidades.

Perguntei-lhe como é que se passava de 8 para 14. A sua resposta ainda desinteressada foi "somando 6" e abandonou o problema.

Então, fiz este esquema num papel e mostrei-lhe:


dizendo que estava aqui o truque para descobrir a solução. Era só pôr os que faltavam que podia calcular e depois descobrir os outros para encontrar a solução.
Dei uma desculpa e deixei-a sozinha com a recomendação de me perguntar o que quisesse excepto a solução e sugeri que fizesse tentativas para experimentar os que não sabia, não esquecendo que no fim tinha que dar 38.

Apareceu passados uns 5 minutos toda corada e com a solução.

Dei-lhe outra: 120   99    ?   57   36  e foi-se embora.

Levou mais tempo mas apareceu toda contente com a solução e disse que tinha usado o telemóvel como apoio. Dei-lhe outra:  1    6   12    19    27    ?   46  dizendo que esta tinha um segredo que precisava descobrir. Foi-se embora cheia de energia.

Passado algum tempo apareceu um pouco indecisa e mostrou-me. Quando lhe disse que tinha descoberto bateu palmas e quase dançou. Na verdade não percebeu que eram duas séries uma dentro da outra, para ela foi apenas um jogo que a divertia e interessava,

Daí em diante fazer séries era para ela uma actividade obrigatória apesar dos problemas aumentarem  "discretamente" de complexidade, mas isso era o que achava interessante porque quando a dificuldade era a mesma aborrecia-se... era só fazer contas. Tudo se resumia a um jogo que a desafiava.

Mais tarde foi introduzido o factor consciência. Antes de começar olhava para a série e calculava quanto tempo ia levar, auto-avaliando a sua destreza, o problema e o risco que ia assumir.
Olhando para as duas primeiras diferenças tinha uma ideia da complexidade (diferença variável ou não, adição, multiplicação  ou outra alternativa), podia levar o tempo que quisesse mas não podia usar papel e lápis. 

Indicava um tempo de execução, eu activava o cronómetro e ela ia "lutar" com o problema. É interessante que nunca exagerava no tempo marcado, antes pelo contrário era mais vulgar ficar muito perto ou faltar tempo.

Divertia-se e depois queria sempre mais e mais dificeis, nem sequer reparando que as séries seguintes exigiam um nível de “pensar” mais complexo, apesar de semelhantes no uso do operador e nos cálculos. 

Quando as séries, em vez de um nível de análise já tinham três e quatro níveis mais complicados, entre perguntas dela  e dicas minhas, o operador inicial foi-se complexificando, mas ela lá o ia dominando e comentava: - "Isto é muito giro e fácil". 
Não tinha noção de como o seu pensar era mais poderoso, mas sentia-se feliz, apenas acrescentando -"Isto não é como a matemática... é muito mais giro".

Neste caso, o “pensar necessário” foi APENAS o uso do operador necessário e como se aplicava. 
Não se explicou o que é uma série e seus factores, nem sequer se apresentou fotografias motivantes(??)  da sua existência na natureza como, por exemplo, com as séries de Fibonacci (matemático do séc XIII). 
Isso aconteceu muito mais tarde numa conversa "casual" pesquisando a internet. Nos seus 11 anos ficou espantada, encantada e curiosa com o Fibonacci e a natureza, dizendo que quando fosse à praia iria procurar conchas.

Em conclusão e utilizando a analogia anterior ácerca do uso das mudanças do automóvel sem aprofundar a Mecânica das Engrenagens, também aqui o “pensar necessário” foi apenas pensar o operador, usá-lo e complexificar depois a partir da sua manipulação, sempre orientado pelo critério do  pensar necessário.

O ensino da Matemática focalizado na memorização de operadores e na sua utilização (cálculo) provoca a morte da motivação, pois o factor crucial (pensar) fica ausente.

Segundo Heller e Greeno em "Semantic processing of arithmetic word problem solving" (ver Handbook of Research on Maths Teaching and Learning) no plano do raciocínio a adição matemática engloba 3 conceitos diferentes: uma mudança no real, uma combinação abstracta e uma comparação e, se bem que a nível dos operadores e cálculo seja sempre a+b=c, o pensar é que é diferente.
Exemplo:

1 - O João tem 4 maçãs. O António deu-lhe 2. Quantas maçãs tem o João?

O raciocínio que está por detrás é uma mudança no real da quantidade de maçãs que o João tem, pois tinha 4 e passa a ter 6.

2 - O João tem 4 maçãs, o António tem 2. Quantas maçãs têm ambos?

Neste caso nada muda, o raciocínio que está por detrás é uma combinação abstracta da quantidade global de maçãs a considerar entre ambos.

3 - O João tem 4 maçãs. O António tem mais 2 do que ele. Quantas maçãs tem o António?

Aquilo que está por detrás desta operação é uma comparação entre dois conjuntos em que nada muda, nem mesmo se combina abstractamente,  é uma pesquisa de diferenças entre ambos. 

Nos três casos, apenas num deles acontece realmente uma adição, pois só no primeiro exemplo se acrescenta algo a um deles, ficando maior. O mesmo acontece com a subtracção (só um é remover), multiplicação (só um é soma repetida) e divisão (só um é subtracção repetida). 

Assim, não é de admirar que, no inicio da aprendizagem destas "contas" e seus problemas, surjam confusões de como decidir o que fazer, pois têm que usar os diferentes conceitos e contextos para pensar com eles. 

Para criar aprendizagem o ensino tem que abandonar a pressão do calcular e focalizar-se em apoiar o pensar abstracto e o caçar diferenças, funções que todo o ser humano está programado para usar. Quando isso é feito e a aprendizagem é rápida, a compreensão fica óbvia e a expressão vulgar é -"É só isso?...mas é fácil!".

A compreensão é sempre fácil,
a explicação é que é dificil.
Zen

Se não consigo explicar a relatividade à empregada (maid)
não sei o que é a relatividade.
Einstein

Segundo R. Sapolsky (Professor de Biology, Neurosurgery, Neurology, Neurological Sciences, na Stanford University School of Medicine) que salienta em "Stress, the Aging Brain and the Mechanisms of Neuron Death" (1992) que o stress aumenta os glucocorticoides no córtex, afectando negativamente o hipocampus, pelo que a memória e a cognição perdem capacidades.
Parece que se pode concluir que certas formas de ensino devido ao método e relação usados, independentemente do conteúdo, dificultam e impedem a aprendizagem.

Em conversas com adultos ainda com dificuldades e recusas matemáticas é vulgar lembrarem-se das aulas e dos professores que tiveram, lamentando-se dos dois ao mesmo tempo. Por outro lado quem gosta de matemática diverte-se porque descobriu nela o prazer de pensar, sendo talvez esta a razão porque o jogo do Kakuro tem tantos adeptos.
Ver Blog:
Pinçamentos: "Kakuro, um desafio pessoal a "pinçar", Jun 2013, clickar aqui
Pinçamentos: "Pensar com "areias movediças", Ago 2014,clickar aqui

Segundo John Dewey, existe sempre aprendizagem colateral quando se aprende algo, ou seja, em conjunto com a actividade de aprender as restantes funções do individuo continuam activas colectando e integrando aprendizagens. 
Por outras palavras, todos nós somos seres holográficos sempre numa actividade global para além da actividade específica e aparentemente única. 

Quando a criança aprende Matemática mergulhada em stress por pressão “pedagógica” da escola ou da família então, por aprendizagem colateral, o hipocampus devido aos glucocorticoides provocados pelo stress reduz a memorização e a cognição, dificultando o “pensar”. 
Assim, por aprendizagem global quando a criança aprende na aprendizagem específica os operadores e o cálculo de forma stressante, o elemento “pensar” é bloqueado e ela aprende também a não “pensar” quando utiliza matemática. 
Em resumo, passou a ser Máquina de Calcular pois estas não descobrem significados na linguagem e não são susceptíveis a motivações... apenas executam. 


Como conclusão:
resolver problemas de matemática deve servir para potenciar 3 áreas: pensar, usar operadores e calcular.
Se  calcular é o factor urgente, pensar é o factor fundamental e os operadores são o factor importante que une os dois.
[Sobre Motivação ver Blog "Motivação 1.0, 2.0, 3.0 e técnicas de liderança"]

Para terminar 

Um problema para resolver num pensar "imagem-cálculos".
Considere o cubo cujo plano é:



calcule o comprimento do segmento de recta que une os pontos A e B 
no centro das faces. 

Os segmentos de recta encarnados representam as diagonais das faces.

Já tem um valor ?

Então para ver a solução clickar aqui.

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