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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

O telemóvel e o pensar diferente

Nos anos 60, a TV teve o seu "boom" e criou a "onda do visual"com a regra dos 30s de mensagem.

Entretanto, o texto também se modificou. 
O século XIX vivia com parágrafos de meia página, uma página ou até página e meia (até nos falta o ar para os conseguir ler) que hoje assustam qualquer leitor.

Agora, bastará espreitar o livro "Em busca do tempo perdido" (1913) de Marcel Proust para se ficar em pânico ao deparar com muitos parágrafos de 700, 800, 900, 1.000... caracteres e a sufocar com a evidente "tortura" necessária para chegar ao fim.

Comparar esta escrita com as regras da época actual vivida pelos nossos filhos, por exemplo, com o Twitter e outros, com o seu máximo permitido de 140 caracteres para dizer o que se quer, percebe-se o que está acontecendo aos nossos jovens com a obrigatoriedade de leituras do outro estilo.

Diagnosticar esta recusa como degeneração da leitura parece-me fácil demais para diagnóstico, talvez se tenha que ir mais longe e falar também de "potenciação diferente", ou seja, "…para quem está treinado a andar depressa não o obriguem a caminhar ao pé coxinho".

Analisando:

Dizer o que se quer em 140 caracteres obriga a hábitos de pensar o "escrever" e o "ler" com padrões diferentes de quem está habituado a escrever e ler ideias em 900, 1000 ou mais caracteres. 
Como analogia é como comparar a concentração, as decisões e acções necessárias para guiar um carro de competição com as necessárias para um cocheiro guiar um burro e carroça. 
Tenho a certeza que o motorista adormece na carroça e o cocheiro se enfia numa árvore com o carro.

O texto mudou de estilo e os leitores mudaram de mente em três factores, entre outros:

1 - no hábito de "get to the point", isto é, de não haver tempo para "enrolar". A solução não é aumentar o tamanho da escrita e o tempo de leitura, mas sim de aumentar a sua precisão.

2 - na rapidez em construir e decifrar conteúdos, isto é, o hábito hoje é "se demora, muda-se". A solução não é habituar à lentidão, é aumentar a agudeza (sharp mind) de escrever e ler.

3 - na "open structure", isto é, nos conteúdos com "liberdade de conexões". A solução não é "enquadrar a mensagem" é enriquecer a rede de significados.

Os três factores estão interligados, os dois primeiros são relativamente claros mas o terceiro está pouco esclarecedor e merece aprofundamento não só porque é o "líder" da alteração, como também porque está a ser intensificado cada vez mais com a evolução cultural e tecnológica.



Assim, … a "open structure"

O telemóvel como mudança


Segundo a "Pew Research Center's Internet & American Life Project", hoje, dos Americanos com telemóveis de acesso à Internet,  31% deles usam-nos para a pesquisar e a tendência é para aumentar essa percentagem.

Isto significa que o conceito tele-fone como instrumento de transmissão de mensagens faladas, do tempo dos nossos avós, se alterou para tele-mensagem, ou seja, um instrumento de transmissão de conteúdos falados, escritos, fílmicos, fotográficos e até de pacote de dados.
Parece que os telemóveis estão a caminho de se tornarem o primeiro dispositivo para criar e consumir conteúdos digitais.

Considerando que a circulação destes conteúdos digitais atravessa várias linguagens, diversas regiões (portanto distâncias) e consomem tempo, torna-se necessário ter uma "língua franca" (legível por todos), rápida na escrita e na leitura, e dizendo muito com poucos recursos.

A solução é óbvia, a fotografia vai ser o conteúdo dominante, pois tem uma linguagem universal, faz-se em segundos é pequena, perceptível em poucos kb, e facilmente adaptável.
Só a Apple tem mais de 10.00 programas iPhone na área de fotografia.

O vídeo está a ser destronado como mensagem imediata, rápida e pessoal, e sendo substituído pela fotografia pois esta é adaptável por permitir filtros, mudanças de tamanho, cortes, justaposições, legendas, etc, numa palavra, é facilmente personalizada.

Surgiram vários sites que apoiam esta construção de mensagens com base fotográfica, como o Instagram, Pinterest, Tumblr,... e ainda facilitadores de trocas como o Dribbble, Visual.ly,…, cuja adesão foi de milhões de seguidores em 3 anos.

Como exemplo, (autor: Lisa Mahapatra, New York, USA)
(PS- talvez seja uma ideia interessante para as próximas eleições para se conhecer os candidatos ???)

Conhecer um político através dos seus estados de espírito, desde chorar, zangar-se, entristecer, divertir-se…pesquisando uma matriz de 49 fotografias encadeadas, é uma ideia interessante com a fotografia a substituir o texto.



Matriz com quatro pontos de referencia "tristeza, zanga, excitação, felicidade", em que a passagem de um para outro é feita através de 7 fotografias. 
Deste modo, procura-se "conhecer" rapidamente oscilações de emoções, pesquisando à nossa vontade por onde queremos andar  sem ser lendo folhas de texto do CV, mas apenas clicando em quadrados da área pretendida.




ver em
clickar, no 2º ecran fazer scroll

Porém a questão fundamental por detrás desta evolução é o processo que está subentendido. Assim duas questões:

Qual a diferença entre a mensagem texto e a mensagem fotografia?
Qual é a consequência da substituição do texto por foto?


Um texto é uma sucessão programada de ideias:


Desde o início, as ideias encaixam-se uma nas outras e acabam por terminar na conclusão pretendida, construindo assim o caminho a seguir e pretendido pelo autor.

Perceber um texto é obedecer obedientemente às orientações de sequência de quem escreve, uma espécie de "passeio entre muros". Escrever mal é oferecer um percurso "baralhado" ou com "vazios de relação" que não permitem "perceber onde quer chegar".

Exemplo de um texto:

Ao ar livre, o frio faz-nos procurar calor e a forma mais primitiva é encostarmo-nos uns aos outros.
A civilização deu-nos equipamentos para nos aquecer a nós e aos animais de quem gostamos.


Alterando algumas palavras cria-se um caminho com outros significados pois são "muros diferentes":


Ao ar livre, o frio faz-nos desejar calor e a forma mais primitiva é obter contacto com outros.
A civilização vende equipamentos para nos aquecer a nós e aos animais de quem cuidamos.


Ou seja, 
outras palavras outros significados:

1 - deixa de ser procurar (i.é., ser activo) e passa a ser desejar (i.é., ser passivo);
2 - deixa de ser encostarmo-nos uns aos outros (i.é., haver uma acção partilhada) e passa a ser obter contacto (i.é., acção individual de usufruir, podendo ser bi-individual mas isso não é partilhar);
3 - a civilização deixa de dar e passa a vender (i.é., exige recursos para comprar);
4 - e por fim, deixa o gostar dos animais (i.é., que implica cuidar) para ser apenas cuidar (i.é., não necessariamente gostar, pois basta não estragar e evitar prejuízos).

Como se nota, alterar significados num texto é complicado, moroso e consumidor de tempo e outros recursos.

Como reforço, o texto pode complementado com imagens (tipo publicidade) para melhor controlo do caminho a ser seguido, detonando processos afectivos. Deste modo, o leitor vai "mais alegre e contente" para onde se quer:




Ao ar livre 
o frio faz-nos procurar calor
e a forma mais primitiva é 
encostarmo-nos uns aos outros.






A civilização deu-nos 
equipamentos para nos aquecer 
a nós e aos animais de quem gostamos.




Ou em esquema:


Porém
se se tirar os textos e se se ficar apenas com as fotos, tudo se transforma:





agora as mensagens possíveis são dezenas, pois cada foto é uma "open structure", com múltiplas conexões possíveis em função de quem a vê.

A imaginação e as conexões possíveis de cada leitor são fundamentais para criar os significados, as mensagens deixam de ter um ponto de chegada pois são apenas um ponto de partida, o leitor deixa de ter um "caminho entre muros" para encontrar a mensagem.

A mensagem tem que ser construída a partir do que cada leitor escolhe seleccionar, qual a sequência das escolhas, a sua primazia, prioridade e significados atribuídos. A mensagem tem que ser construída por cada um.

Exemplos de significados possíveis (entre outros) a partir da mensagem fotográfica anterior em função do leitor e dos temas-pormenores por ele seleccionados.


A - Com base nas duas imagens globais (setas verdes):

1 - Frio e Calor - ver texto inicial;
2 - Solidão - as aves sozinhas na natureza e o homem e seu cão dentro de um "útero social";
3 - Higiene - as aves catando piolhos e o homem e seu cão sossegados;
4 - Civilização - as aves deslocam-se por si próprias e o homem e seu cão servem-se de máquinas;
5 - Amizade - as aves ajudam-se no frio e o homem protege e ajuda o companheiro;
6 - Ambiente - A cor fria da natureza contrasta com a cor quente do metro;

B - Com base em pormenores das imagens (setas azuis):

1 - Esquecido de tudo o homem fica solitário com o seu telemóvel;
2 - Vendo o ar descansado do cão percebe-se a confiança que o envolve;
3 - Vendo o encaixe dos pescoços das aves sente-se a companhia que constroem;
4 - A neve que se vê e o tufado das penas das aves dá ideia do frio que as "ataca".

A fotografia como mensagem, quer se queira ou não, obriga o córtex a achar o seu caminho, nem que seja a obedecer ao óbvio a que está habituado.

Hoje os jovens pensam também muito com a imaginação e isso significa liberdade no uso do raciocínio, ou seja, acabou o enquadramento do pensar monopolizado pelo texto.

OBSERVAÇÃO:

Como treino e divertimento descubra o caminho que lhe propõem num texto e procure pensar fora do "carril".

Nunca faz mal falar com idiotas (os que vivem dentro de "carris"), o mal está em nos deixarmos idiotizar… e o pior é aceitar que têm razão…e muito pior é fazermos o que eles querem.

Procurar sabedoria é o objectivo da vida…

…. Obrigado Eva pela dentadita na maçã.



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