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terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Rescaldo do Natal: as prendas

Dar uma prenda é uma arte difícil, pois existem muitos factores em jogo.
Entre eles, parece que um dos mais comuns é o factor surpresa.

Porém, há surpresas agradáveis e desagradáveis:


…não me parece que a fotografia mostre um acto de "prendar" alguém, mesmo que ele desejasse muito ter um camelo como animal de companhia e até ficasse contente de o ter.

Para além da surpresa, o choque inicial tem que ser agradável em 3 aspectos: 

1 - ter recepção com expectativa positiva;
2 - ser uma oferta inesperada;
3 - ter um conteúdo imprevisível.

No Natal há expectativa positiva, talvez  conteúdo imprevisível mas não há oferta inesperada. É um "cocktail" que deve ser fabricado com sensibilidade e saboreado com cuidado.

Criar expectativas negativas […este ano não há prenda!] para aumentar o prazer de receber uma oferta, parece-me a técnica de "primeiro dar um estalo para o beijo saber melhor". Pode servir para aliviar a culpa de não saber, poder ou querer beijar, mas isso não justifica que o outro além do beijo também receba uma cara inchada.

Não dar a prenda previsível e substitui-la por uma imprevisível a seu gosto para aumentar a surpresa, é uma técnica de "auto-prenda por tabela", por exemplo, [… ela queria o vestido encarnado mas dá-lhe o vestido amarelo que ele gostou muito]. Esta técnica é muito usada com os filhos (…para os educar, claro!).
Segundo alguns autores é uma confusão de meios e fins, pois confunde-se a pessoa com o manequim, pois "o vestido serve para a pessoa ficar bem, o manequim serve para o vestido ficar bem".

A oferta não pode ser uma repetição da rotina usual, ou seja, em que tudo é o esperado e cumpre as regras conhecidas, pois como diz o ditado popular […a fruta fora de época é a que sabe melhor].
A prenda tem que ser uma porta para um desconhecido quotidiano que fica disponível nesse momento, não é […uma espécie de beijo rotinado que se dá para aproveitar fazer outra coisa].

Na verdade uma troca de prendas com os três factores activos traduz-se num aumento da tensão positiva (e não amolecimento) e fomenta excitação (e não relaxação) que não desaparecem instantaneamente, não têm "switch off" (interruptor que se desliga).
Segundo alguns autores, o valor da prenda mede-se pelo tempo que se leva a desligar dela, quanto mais a pessoa fica "vidrada" nela mais se sentiu "prendada".

No caso do Natal, na distribuição das prendas tem que existir tempo para isto acontecer, doutro modo é como comer uma iguaria e beber um bom vinho como se estivesse num "fast food" para conseguir apanhar o comboio.


Em Africa, aprendi na cultura local que dos factores citados se considerava ser "mais prenda" quando a oferta era inesperada  (uma fruta, um peixe, uma pequena flauta) do que quando tinha um conteúdo imprevisível. Lá, o valor estava na "lembrança", […prendar é lembrar, tu estás aqui, eu estou aqui], o divertido era o inesperado.

Na época, desconhecendo teorias e perguntando porquê, a resposta obtida foi que […era melhor lembrar-se deles do que se esquecer para se preocupar com as coisas para levar…].

A neurocientista Susan Barry, Ph.D., diz que receber uma prenda é “voltar à infância“ na surpresa, curiosidade e expectativa do que será, na excitação e antecipação do que irá encontrar. E quanto mais sintónico consigo é o que encontra, maior é a alegria e maior o reconhecimento próprio e do outro.
Noutras palavras, nesse momento há uma intensificação e potenciação da relação e não um seu amolecimento. Ou seja, num dizer africano [… a alegria deve saltar por todos os lados e não desaparecer…]

O conceito chave aqui salientado e a reter, é que a prenda em sua existência e conteúdo deve ser sintónica com quem a recebe. Este aspecto é importante para a sua análise e diferenças de outras opções, por exemplo, prémios e recompensas.

Segundo Susan Berry, o sentir de antecipação e descoberta com a surpresa da prenda promove mudanças sinápticas no córtex e essas emoções activam neurônios e libertam neurotransmissores em áreas corticais necessárias para a aprendizagem e recuperação. Uma prenda é uma estimulação de vida. 

Em resumo
a prenda existe por si própria, baseia-se em sintonias relacionais e a elas se dirige, tem o seu centro na surpresa seguida de excitação e antecipação, e na experiência de encontrar algo inesperado. É um regresso à infância.

Analisando o conceito e partindo de duas definições de Dicionário:

A. Prenda é algo dado de bom agrado e gratuitamente a alguém, e
B. Prenda é algo oferecido de forma voluntária e sem remuneração.

conclui-se que existe um dador, um receptor e uma relação entre os dois… e ainda que...

Por um lado, o prendar deve ser voluntário de parte a parte e não uma obrigação em dar ou em aceitar, logo […aqui tens a prenda de Natal] significa que se não fosse Natal não tinha prenda? ou apenas simboliza a alegria de estarem juntos nessa época? Como diferenciar os dois aspectos, como fazer sair da obrigação social para o prazer da relação?

Por outro lado, o dador dá com agrado e não é remunerado, realmente se for remunerado não é prenda é tarefa. 
Se existir troca de prendas terá que se realçar que não é retribuição do tipo [...se digo que gosto de ti, tens que dizer que gostas de mim], pois neste caso é necessário "negociar" a equivalência económica, intensidade, valor, etc. das duas prendas o que normalmente é feito de forma discreta.
Se no Natal, a motivação para dar prenda é para não se sentir culpado, então será esse o pagamento pretendido? Se for assim, a prenda não é prenda é negócio de absolvição.

Por fim, para o receptor ser gratuito este não pode ter que retribuir, pois neste caso deixará de ser prenda para ser suborno, pois suborno é uma oferta que tem um retorno garantido no futuro […dou-te a prenda, mas tens que passar o ano]. 
Se pelo contrário, a prenda é consequência de um resultado realizado também não é prenda é recompensa, ou seja, não é símbolo da relação é símbolo do resultado obtido através da relação [aqui tens a prenda, pois  passaste o ano], ou seja, ele não é importante para ter prendas, o importante é ter feito o resultado.

Nenhuma destas situações são erradas, estão apenas disfuncionais e criam erros. O que está errado é não distinguir entre prenda, recompensa e prémio e misturar tudo em relações distorcidas. Quando é prenda é prenda, quando é recompensa é recompensa, quando é prémio é prémio.

Vários autores e culturas colocam a essência de uma prenda em “dar o que eles querem”. 
F. Gino e F. Flynn num estudo feito em 2011 concluíram que, para grande número de pessoas, esta é a essência de uma prenda.

Daqui o hábito de nos casamentos, Natal, aniversários, etc, se fazerem  listas das prendas pretendidas ou perguntar o que se quer receber. 
Na prática, quem oferece transforma-se numa espécie de empregado de supermercado gratuito por encomenda, isto significa que a linha de reconhecimento-confiança mútuos, coluna vertebral da prenda, é inexistente e neste caso, realmente, a entrega em dinheiro é bastante mais prática, pois evita a deslocação à loja. 

Todavia, outro grupo de pessoas põe a tónica no ser gratuito, isto é, para ser prenda tem que não existir pagamento, portanto “quanto mais valioso melhor”, pois provoca um reconhecimento mais intenso. Aqui novamente o importante não é a oferta mas o valor económico incorporado.


Prenda, Recompensa e Prémio

Uma história de leite com chocolate

Três mães, cada uma com um filho de 13 anos que à noite, pelas 23 horas, lhe leva um lanche de leite com chocolate e um bolo.


MÃE "A" percebeu que ele jantou pouco, ainda está acordado no quarto com trabalho da escola e leva-lhe o lanche: 

- "Aqui tens para comer antes de te deitares, vai-te saber bem".
Significa uma prenda.

MÃE "B" percebeu que ele jantou pouco, ainda está acordado no quarto com trabalho da escola como tinha prometido e leva-lhe o lanche.

- "Aqui tens para comer antes de te deitares, foi um bom esforço, mereces".
Significa uma recompensa.

MÃE "C" percebeu que ele jantou pouco, ainda está acordado no quarto com trabalho da escola como ambos tinham acordado e leva-lhe o lanche.

- "Aqui tens para comer antes de te deitares, cumpriste o horário pelo que aqui tens o prometido que esperavas".
Significa um prémio.

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