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domingo, 14 de junho de 2015

Pensar em casa ou na esplanada, bom ou mau?


Hoje resolvi ir para uma esplanada reler apontamentos sobre a complexidade grupal.

Mas sucedeu algo estranho com a minha concentração pois sempre que, olhando para o "infinito"  ficava a "ruminar" mentalmente sobre um aspecto, ele era devolvido como ideias estranhas e aleatórias, aparentemente, sem qualquer conexão. Como divertimento era agradável, como tarefa era desesperante.

Lembrei-me de alguns jovens que se queixavam do mesmo, dizendo que não conseguiam estudar por se distrairem, pensando noutras coisas. Fiquei na dúvida se estaria a ficar mais jovem ou apenas a ficar "doente" da cabeça.

Intrigado, recordei que isto não acontecia de manhã, em casa, em frente ao computador. Quando aí estava, ao concentrar-me sobre uma ideia, as que apareciam sucediam-se-se em função de lógicas que eram "lógicas" e não, como agora, dispersas e "aleatórias". Na esplanada a concentração e a focalização dançava ao sabor do vento.

Algo estranho estava a acontecer, seria eu era o mesmo com a diferença de estar em casa ou na esplanada?

Pensei uma analogia. Era como se, em casa, eu atirasse a bola à parede e ela regresssasse de forma "obediente" e de acordo com expectativas lógicas. Porém, na esplanada, era como se a parede fosse de tal modo irregular que nunca sabia como é que a bola regressaria, ao obedecer a processos não-óbvios.

Sentia haver estimulações por todos os lados e as ideias pareciam bolas de ping-pong irrequietas sem respeito pelas regras da concentração.

Pensando na analogia deixei a complexidade grupal e fiquei a "matutar" no caos esplanada-casa.

Recordei que muitos dos meus escritos nasceram em cafés e esplanadas, escrevinhados em guardanapos de papel por gatafunhos sem "lógica", às vezes mesmo utilizando espaços em branco de livros que estava a ler, transfomados assim em sebentas de criatividade.
Mais tarde, em casa, eram relidos, estruturados, logicizados e nascia um texto. Novamente a dicotomia casa-esplanada.

Fiquei mais calmo e resolvi aprofundar pois talvez não fosse uma doença mas uma benção a aproveitar.

Ao mesmo tempo senti alguma tristeza pois, a ser verdade, isto é, a diferença ser realmente uma vantagem para aproveitar, recordei os jovens que dela se queixavam e a quem nunca dei "dicas" para a usarem como vantagem com consciência de que era vantagem. 

Decidi fazer experiências e "deixar andar" começando a escrevinhar em guardanapos.



Na verdade estava mergulhado em ruídos, conversas, futebol na TV, palavras soltas, discursos cruzados, pessoas sentadas, outras de pé, saindo e entrando etc.

Numa mesa, avó-mãe-filha "conflituavam" sobre o que lanchar sob olhos tristes da criança, ao lado um casal conversa em murmúrio, noutra mesa duas crianças brincam contentes com palhinhas, etc.
As "bolas" ressaltam por todos os lados.
São distracções ou são estimulações???? "That is the question".

Fixei-me nas crianças brincando e no casal conversando.
Diferenças apareceram. Ele debruçado para a frente fala agitado e implicado, ela ligeiramente recuada ouve atenta e distante. As crianças riem-se em sintonia, afastam-se e aproximam-se numa dança harmónica. Dois grupos integrados e diferentes, as crianças empáticas na sua sintonia e adultos empáticos na sua des-sintonia.

De repente percebi. As bolas, que em mim ressaltam "aleatórias", afinal continuam dentro da minha lógica da complexidade grupal, apenas me oferecendo perspectivas "out-of-box" sobre essa lógica.
A distracção da esplanada mantinha-me dentro da complexidade grupal num outro ponto de vista. Afinal não era distracção... era aprofundar fora do pensar-óbvio que me dominava quando cheguei.

Sem qualquer conexão, recordei as meditações da Idade Média fechadas no silêncio das celas, presas nas repetições das cantilenas, focadas em imagens e simbolos que impedem desvios e impõem concentração.
Na analogia anterior, era uma espécie de parede branca e lisa que prende e segura onde se está estimulado sempre com o mesmo. Em sintese, criava a riqueza do mundo fechado cheio de igualdades.

Noutra conexão com esta, surgiu-me a imagem de meditações Zen na natureza, rodeadas de cantos de aves, de sorrisos de flores e corridas de animais no meio de árvores todas diferentes.
Mantendo a analogia, era uma parede irregular que, cheia de estimulos diferentes, abria portas que existem e, normalmente, não se veêm. Em sintese, cria a riqueza de um mundo aberto cheio de diferenças.

Agora, num frenesim, guardanapos eram escritos com ideias que apareciam e desapareciam mais rápidas que a escrita... e que às vezes regressavam.
Reconheci o que me estava a acontecer, estava a viver a chamada "divagação lógica" de certas correntes da pedagogia, semelhantes a técnicas de meditações orientais mas considerada "doença" [...falta de atenção...] nas técnicas ocidentais.

Na perspectiva tântrica surgiu-me a diferença entre "excitação" e "estimulação" e empurrado por essa diferença escrevi também [...pensar "left mode thinking"...] e [...pensar "right mode thinking"...]. O caos começava a ter ordem, simplesmente era uma ordem diferente, mais rica e flexível do que aquela que trazia quando cheguei.

Afinal a "distração" da esplanada não era uma doença era uma benção dos deuses. Eram os meus neurónios a fazerem conexões novas. Como lembra o Budismo Zen seria talvez o [...necessário renascer em cada momento...].

Percebi que, tempos atrás, devia ter explicado e dado consciência aos jovens que "sofriam" com o [...não ser capaz de estudar...] que não era uma incapacidade mas apenas uma outra via para estudar, até porque hoje já há métodos e software para apoiar a complementaridade e muitos jovens o experimentaram com êxito:


até porque o processo é simples, é caçar sinais com o "right mode thinking" e estruturar com o "left mode thinking".

Culturalmente, este tipo de "divagação lógica" é considerada deficiência e falta de método, apesar de haver registos do seu uso desde Leonard da Vinci a Einstein.
Diagnostica-se como doença uma diferença que é potencialidade não utilizada e impedida.

Einstein - Archive 3-006  Repare-se que na segunda página
o texto de cima e o de baixo estão invertidos
Leonard da Vinci
Parede, 13 Junho 2015

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