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terça-feira, 11 de novembro de 2014

Buracos do queijo, crises e desastres


A vida está cheia de buracos, pontos negros de anomalias negativas que salpicam o nosso viver e que, na prática, são quase desprezáveis oscilando entre ligeiros incómodos e sentires doloridos, mas que a normalidade absorve rápida e facilmente.

Em cada indivíduo, casal, grupo, organização ou país, estes buracos existem às dezenas ao longo da vida, resolvem-se naturalmente, passam despercebidos e são esquecidos... são como os buracos do queijo suíço que sem eles não tem graça:


Em conversas de namorados e/ou casados, ou entre colegas de trabalho, são imensos os relatos de buracos existentes, ...um gosta daquilo o outro não; um quer aquilo o outro não; um concorda com isto o outro não..., mas lá vão vivendo felizes, muitas vezes dando origem a histórias e anedotas entre eles e até divulgadas nas redes sociais.

A crise portuguesa é um bom exemplo.
Todos os dias aparecem dezenas de buracos sobre dirigentes, economia, políticas, incompetências, fraudes, jogos "por baixo da mesa", ilegalidades e ilegitimidades, etc, mas a normalidade da vida tudo absorve e a crise continua "alegre e feliz" como era com as Marchas Populares de antigamente ou com o circo romano de mais antigamente.

A crise era um aborrecimento, uma "chatice", se não fossem as notícias desses buracos, os debates televisivos interessantes e populares como os Prós e Contra, Portugal em directo, Governo Sombra, Quadratura do Circulo, Política Mesmo, Eixo do mal, Expresso da Meia Noite, e muitos outros. 

Porém, como dizem os jovens "não dá crise" porque o agitar destes buracos produz efeitos de energização momentânea e local, tipo Endemia, sendo depois rapidamente absorvida e normalizada pela sociedade sem perigo de Epidemia e muito menos de Pandemia, podendo ser novamente activados sem perigo de contágios de contestações permanentes.

Este debate sobre os buracos existentes é uma espécie de catarsis, parecida com a existente na "violência doméstica" cujos buracos violentos, por um lado, mantêm unida a "vida doméstica" e, por outro, possibilitam ter olhos negros, equimoses e membros partidos para falar, estimulando os grupos sociais a sentirem-se vivos, participantes e activos... mas a violência doméstica continua, apesar das manifestações:


Na verdade, a dinâmica da sociedade portuguesa nesta crise é semelhante a sofrer sobre ela a dinâmica de uma "violência doméstica"... democrática pois [... acreditoucasou e agora é violentada nesse casamento, lamentando-se e sofrendo...], pois em ambas se...

[...a violência doméstica destrói a vida doméstica e domestica-a,
violência democrática destrói a vida democrática e domestica-a...]


Porém há um problema "undercover" [clandestino, infiltrado]

Na verdade no queijo suíço, os buracos não só embelezam como afastam a monotonia, aumentam o volume, não prejudicam a sua força e potência e além disso, mesmo com buracos, o queijo suíço aguenta sempre os pesos que lhe caem em cima, sem recusar nem criar crises:


e também as pessoas aguentam alegres e felizes os diversos e múltiplos buracos relacionais que lhe invadem a vida apoiando-se na parte sólida e forte da relação... o mesmo acontece nas organizações e na democracia.
(vide o caso da crise portuguesa em curso)

MAS,

uma história:

Dia 1 Nov, o meu neto, ainda adolescente, depois de jantar vai a casa de um amigo, na sua pequena mota. 

No regresso, pelas 22.00 horas, com um carro numa rotunda, tem um desastre: Policia, ambulância dos Bombeiros e depois do INEM e lá vai para o Hospital Santa Maria.

Pela meia-noite, estando eu já deitado, ele telefona-me dizendo que, tinha tido o desastre, estava no Hospital Santa Maria e precisava de falar com o pai mas desde as onze e meia que não conseguia pois os telefones de casa, o telemóvel do pai e o da mãe não atendiam. 
Pedia-me para eu tentar telefonar e dizer ao pai para lhe ligar porque precisava de umas "coisas".

Depois de várias tentativas frustadas para cada um dos 3 telefones, resolvi ir de carro a casa deles, a Oeiras (distante alguns Kms),  e bater à porta.

Perto da uma hora da manhã chego lá, estava tudo às escuras, portas e janelas fechadas e, sendo uma moradia com um portão de ferro, ao tocar à campainha exterior esta não funciona.
Não conseguindo entrar, não podia bater à porta da casa para os acordar.

Que fazer ?

Entre fazer barulho na rua com o carro de portas abertas e rádio muito alto, até chamar os Bombeiros para arrombar portas e acordar pessoas que dormem descansadas na sua cama, chamar a Policia para me ajudar a assaltar a casa, ou as Chaves do Areeiro para abrir portas de uma casa que não é minha e tem os donos lá dentro, ...tudo me passou pela cabeça, até apanhar pedras da calçada e atirá-las às janelas.

O interessante é "porque é que aconteceu este bloqueio comunicativo"!

A explicação é fácil, lógica e normal. 

O telefone de casa tinha avariado e as chamadas que chegavam não activavam o sinal, o pai tendo chegado de manhã do estrangeiro tinha desligado o telemóvel para poder dormir umas horas descansado, a mãe para não o incomodar tinha posto o seu em vibração.

O dia 1º de Nov. é o dia de "pedir o pão por Deus" portanto as crianças da vizinhança passavam o dia a tocar à porta e o cão em casa respondia ladrando. Assim, para conseguir sossego a campainha de casa foi desligada.

Ninguém mais se preocupou com estas alterações que eram desprezáveis, esqueceram-se, jantaram, o filho saiu e eles deitaram-se.

Este é um problema tipo "queijo suíço", em que os buracos comunicativos até têm graça e dão jeito:



mas o problema surge quando com a nova situação "desastre de mota" os buracos se juntam e a crise explode:


Se nada tem acontecido, se o filho tem chegado normalmente a casa, aquelas pequenas anomalias não-habituais de buracos comunicativos nem sequer tinham sido percebidas. A nova situação criada tinha conectado os buracos e nasceu um buracão comunicativo.

O problema "undercover" surge quando com buracos separados a estrutura normal aguenta os seus desprezáveis impactos, simplesmente quando os buracos se "juntam" (integram, sincronizam, reforçam-se, etc) a estrutura global deixa de os sustentar e o desastre surge:



Em muitas análises de desastres aéreos a conclusão é que não houve uma causa mas sim uma sucessão e simultaneidade de pequenas anomalias, erros activos ou latentes ou até variantes de excepção normal que por si só não originariam um desastre, mas acopladas com outras de igual não importância constroem uma causa provocadora do desastre.

Segundo o autor do "Swiss Cheese Model", James Reason, [...acidentes envolvendo sistemas complexos são muitas vezes o resultado de múltiplos factores contribuintes...] tendo cada um quase uma personalidade e circunstância diferentes, precisando ser analisados nas suas variáveis, para criar barreiras de defesa contra seus falhanços. É um processo muito semelhante ao raciocínio estratégico militar, político ou de jogo.

Aplicando o "Swiss Cheese Model" ao acidente aéreo poder-se-ia ter:


O trafego aéreo tem múltiplas e aperfeiçoadas barreiras conta erros, porém cada uma delas tem áreas sólidas e também "buracos" activos e latentes, uma espécie de fatia de queijo suíço. Quando essas barreiras têm um alinhamento de buracos, esse alinhamento abre um caminho livre para o desastre. Se isso não é detectado surge o acidente.

A - O mesmo acontece na casamento.

Um exemplo:


Para montar barreiras e/ou estratégia de defesa é necessário uma análise cuidada das variáveis em jogo, por exemplo, no caso destes atiradores não basta dizer que um acerta na mouche e o outro não:

O atirador A tem mais pontos pois acerta quase 100% na mouche e o atirador B acerta 0%, porém a dispersão do atirador A é muito superior à do atirador B, ou seja, o Atirador A não tem erros constantes mas sim erros variáveis, enquanto que o B tem erro constante e quase não tem erros variáveis. Portanto os erros de cada um têm caracteristicas diferentes.

A questão é saber se cada atirador só tiver uma bala qual é o melhor atirador para acertar num pequeno alvo? Prefere A ou B?

É preferível B porque se lhe der um alvo errado e corrigido, por exemplo em "X", ele acertará sempre no centro, enquanto que com A em 10 tentativas falhará 8 vezes.

Isto quer dizer que um erro constante pode acoplado com outro erro constante (um alvo errado) originar um resultado correcto e isto é normal acontecer nos namoros e casamentos bons, pois uma idiossincrasia negativa (um "buraco") de um é pelo outro alegre, feliz e dolorosamente compensada.

Nos casamentos maus este equilíbrio está desfeito, por evolução pessoal ou apenas porque uma situação nova entrou em jogo, desde uma doença nos filhos até a sogra ir viver lá para casa, o que fez "juntar" "buracos" desprezáveis até aí despercebidos tal como o desastre de mota na história atrás citada.
Como exemplo,


um dos equilíbrios felizes do casal era ele lavar a loiça do jantar (que ambos detestavam fazer) enquanto ela via a sua telenovela favorita. Quando a sogra passou a viver lá em casa, olhava para eles com ar maldizente, pelo que o acordo se desfez, os buracos juntaram-se arrastando outros buracos e um buracão apareceu... o queijo suíço perdeu a força.



Porém mais tarde, considerando o mau ambiente em que se vivia, o sogro apareceu e começou a ajudar lavar a loiça e assim os olhares maldizentes esconderam-se e o casamento ficou normal, isto é, com a normalidade de equilíbrio de erros compensados ou buracos separados...e o queijo suíço ficou saudável outra vez.


B - O mesmo acontece numa sociedade em crise.

As sociedades vivem sustentando os seus pequenos buracos com a solidez das suas estruturas:


Quando não só essas estruturas criam buracos, como também outros buracos são criados para solucionar de forma errada certos problemas surgidos:


não há queijo suíço que se aguente com tantos buracos:


e a crise deixa o "banho Maria" dos debates e explode.

A questão que se coloca é saber qual será a situação detonadora que ligará os buracos existentes e criará o buracão. Quando acontece é talvez imprevisível, mas segundo a teoria do caos bastará que [...um bater de asas de borboleta surja algures na vida social...].

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