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quarta-feira, 26 de junho de 2013

Jogos, pessoas e máquinas

       

As mãos são o símbolo da aventura de jogar "com" pessoas 
e não "com" máquinas.


As mãos concretizam decisões feitas por indivíduos…e os indivíduos têm como essência  a criação e a posse privada da sua decisão até ao momento em que é expressa.

Para os outros, cada um de nós é o  ETERNO DESCONHECIDO… sabem o que fizemos, não sabem o que faremos e muito menos o que fomos, somos ou seremos.

Esta é a base da motivação de jogar com pessoas.

Jogar com pessoas é entrar no mundo desconhecido das probabilidades e possibilidades. Jogar com outro é viver as incertezas das próprias decisões e qual o seu reflexo nas decisões do outro. 
É ter sempre activa na mente a pergunta: -"…e agora o que é que ELE fará ???"

Viver um jogo é como viver o casamento, o trabalho, a discoteca, a vida…é testar as suas decisões nos reflexos das decisões dos outros. Daí o fascínio, o vicio e as horas gastas a jogar. 
Um adito no jogo é o que procura sem descanso o  reflexo de si próprio. Quanto mais perde mais precisa de procurar reflexos positivos…portanto mais joga.

Um jogo motivante deve conter um desafio a ser resolvido. Esse desafio tem uma situação de partida e uma de chegada, unidas por uma serie de decisões baseadas em regras.
Como as decisões são alternadas a situação de partida está sempre a ser alterada em consequência das decisões do outro. A essência de jogar é provocar com a minha decisão uma decisão do outro que me seja favorável e me permita ganhar.. 

Tecnicamente a este "truque" tem um nome, chama-se estratégia. Em português vernáculo diz-se "enganar o outro", ou na gíria do poker "fazer bluff". 
Numa palavra, um bom bluff é a base de uma boa estratégia de jogo (1)

Jogar poker (xadrez,…) com pessoas é uma dança de bluff's sucessivos até à decisão final. A meio do caminho nunca se sabe se a decisão concretizada pela mão é, ou não, um engano.

Um bom jogador de poker (ou xadrez,...) tem dois dogmas:
1º- Joga com o adversário através de cartas. Portanto, tanto se ganha com cartas boas como com cartas más, não é um problema de sorte.
2º- Em metade do tempo o objectivo é conhecer o adversário, na outra metade o objectivo é, com esse conhecimento, ganhar o jogo.

Um mau jogador de poker (ou xadrez,...) tem dois dogmas:
1º- Joga com cartas através do adversário. Portanto, ganha com cartas boas e perde com cartas más, é um problema de sorte.
2º- Na totalidade do tempo o objectivo é ganhar o jogo. O adversário só lá está para perder.


Jogar com pessoas


O simples "jogo da apanhada" não é mais do que um jogo de estratégia com bluff's.
As crianças divertem-se a tomar decisões de "enganar o outro" para poder fugir ou para o agarrar.

Quando um deles tem êxito, por entre o rir alegre, saem as palavras: - "…enganei-te…!!!"

O prazer de jogar vem de tomar decisões sobre probabilidades e com alguém que é um mundo de incertezas, pois traz consigo a surpresa e o desconhecido do que fará.
Quando o outro por ser mais infantil faz sempre o mesmo, isto é, entra em rotina, o mais velho aborrece-se e desiste de jogar, dizendo: - "…assim, não tem graça…!!!"

O primeiro caso é semelhante à alegria do namoro, o segundo é a porta de entrada da tristeza no casamento.

Numa palavra, as decisões no desconhecido são o sal da vida, sem ter expectativas sobre o que decidimos estamos "mortos". 
Como diz o filósofo, ao acordar, o primeiro pensamento deverá ser: - "O que haverá de novo hoje ??
… e o último, antes de adormecer, deverá ser recordar o que houve.


Jogar com máquinas


Jogar com máquinas traz o desconhecido, mas não traz o jogo de "enganar", pois as decisões pessoais não afectam o que a máquina fará. É uma espécie de jogo em masturbação, é viver  de "enganos".

O interessante é que ao jogar com máquinas todos sabem que é um jogo de "mentirinha", ou seja, qualquer decisão de "jogador" é inócua, não existe, pois não tem consequências no jogo. A resposta da máquina é sempre SÓ função da sua própria programação e não se altera em função do que o jogador faz.

O único jogo possível é procurar a partir das respostas da máquina, descobrir a sua programação. Depois desta ser conhecida é possível obter APENAS as respostas que quer e portanto ganhar, mas quando isso acontece o jogo deixa de ter interesse.

Como exemplo, e como experiência, é jogar o REVERSI contra o computador.
Neste caso, em vez de se tentar ganhar, deve-se procurar descobrir a programação daquele software para a resposta às jogadas feitas. Nos níveis mais simples de jogo, é fácil descobrir os padrões e construir a sequência para ganhar.

Quando isso é obtido o jogo perde o interesse, pois o "estúpido" do computador faz sempre o mesmo se fizermos também o mesmo. Assim em 10 jogos repetitivos ganham-se 10 jogos.

Há duas possíveis soluções para manter o interesse. Uma é "fazer erros" e descobrir como os emendar, clarificando assim outras sequências existentes. Outra é começar a jogar com um software mais complexo.

Porém,  jogar o REVERSI com uma pessoa (mesmo on-line) não possibilita esta técnica, pois NUNCA existirá certeza da probabilidade construída. Neste caso, a estratégia desconhecida do adversário contém sempre "bug's" (bluff's) que "desarrumam" as certezas das probabilidades. Os "profiles" obtidos nunca são garantidos.

Um caso pessoal:

Dantes tinha a mania que jogava bem o reversi e costumava à noite, antes de desligar o computador, entrar on-line para um jogo. Dizia o nível em que queria jogar e apareciam candidatos. Eu escolhia o nível médio alto, não queria exagerar.

Um dia, pelas 2300, apareceu um adversário e começamos a jogar, ao mesmo tempo que se conversava pelo chat.
No primeiro e segundo jogo, a meio já tinha perdido e pedi para começar outro. No terceiro e quarto jogos aconteceu o mesmo, mas nesta altura o "adversário", no meio da conversa que íamos tendo, perguntou-me porque não jogava até ao fim. Respondi que ele não fazia asneiras e na situação a que o jogo tinha chegado eu não tinha hipótese de ganhar.

Continuámos mais uns jogos com o mesmo resultado, mas fiquei curioso e entretanto fui fazendo perguntas para perceber o seu "profile".
Ao fim de algum tempo soube que era mulher, vivia no Japão (Yokoama), estava a estudar, e tinha aprendido com a irmã que normalmente lhe ganhava…e tinha 11 anos.

Não quis saber a idade da irmã (podia ser mais nova), agradeci, despedi-me e daí em diante passei a definir o meu nível como "easy". 


1- No centro de boas estratégias militares encontra-se sempre um bom bluff, "quando o inimigo agiu julgando ser outro o cenário ".

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