Nos anos 60, a TV teve o seu "boom" e criou a "onda do visual"com a regra dos 30s de mensagem.
Entretanto, o texto também se modificou.
O século XIX vivia com parágrafos de meia página, uma página ou até página e meia (até nos falta o ar para os conseguir ler) que hoje assustam qualquer leitor.
Agora, bastará espreitar o livro "Em busca do tempo perdido" (1913) de Marcel Proust para se ficar em pânico ao deparar com muitos parágrafos de 700, 800, 900, 1.000... caracteres e a sufocar com a evidente "tortura" necessária para chegar ao fim.
Comparar esta escrita com as regras da época actual vivida pelos nossos filhos, por exemplo, com o Twitter e outros, com o seu máximo permitido de 140 caracteres para dizer o que se quer, percebe-se o que está acontecendo aos nossos jovens com a obrigatoriedade de leituras do outro estilo.
Diagnosticar esta recusa como degeneração da leitura parece-me fácil demais para diagnóstico, talvez se tenha que ir mais longe e falar também de "potenciação diferente", ou seja, "…para quem está treinado a andar depressa não o obriguem a caminhar ao pé coxinho".
Analisando:
Dizer o que se quer em 140 caracteres obriga a hábitos de pensar o "escrever" e o "ler" com padrões diferentes de quem está habituado a escrever e ler ideias em 900, 1000 ou mais caracteres.
Como analogia é como comparar a concentração, as decisões e acções necessárias para guiar um carro de competição com as necessárias para um cocheiro guiar um burro e carroça.
Tenho a certeza que o motorista adormece na carroça e o cocheiro se enfia numa árvore com o carro.
O texto mudou de estilo e os leitores mudaram de mente em três factores, entre outros:
1 - no hábito de "get to the point", isto é, de não haver tempo para "enrolar". A solução não é aumentar o tamanho da escrita e o tempo de leitura, mas sim de aumentar a sua precisão.
2 - na rapidez em construir e decifrar conteúdos, isto é, o hábito hoje é "se demora, muda-se". A solução não é habituar à lentidão, é aumentar a agudeza (sharp mind) de escrever e ler.
3 - na "open structure", isto é, nos conteúdos com "liberdade de conexões". A solução não é "enquadrar a mensagem" é enriquecer a rede de significados.
Os três factores estão interligados, os dois primeiros são relativamente claros mas o terceiro está pouco esclarecedor e merece aprofundamento não só porque é o "líder" da alteração, como também porque está a ser intensificado cada vez mais com a evolução cultural e tecnológica.
Assim, … a "open structure"
O telemóvel como mudança
Segundo a "Pew Research Center's Internet & American Life Project", hoje, dos Americanos com telemóveis de acesso à Internet, 31% deles usam-nos para a pesquisar e a tendência é para aumentar essa percentagem.
Isto significa que o conceito tele-fone como instrumento de transmissão de mensagens faladas, do tempo dos nossos avós, se alterou para tele-mensagem, ou seja, um instrumento de transmissão de conteúdos falados, escritos, fílmicos, fotográficos e até de pacote de dados.
Parece que os telemóveis estão a caminho de se tornarem o primeiro dispositivo para criar e consumir conteúdos digitais.
Considerando que a circulação destes conteúdos digitais atravessa várias linguagens, diversas regiões (portanto distâncias) e consomem tempo, torna-se necessário ter uma "língua franca" (legível por todos), rápida na escrita e na leitura, e dizendo muito com poucos recursos.
A solução é óbvia, a fotografia vai ser o conteúdo dominante, pois tem uma linguagem universal, faz-se em segundos é pequena, perceptível em poucos kb, e facilmente adaptável.
Só a Apple tem mais de 10.00 programas iPhone na área de fotografia.
O vídeo está a ser destronado como mensagem imediata, rápida e pessoal, e sendo substituído pela fotografia pois esta é adaptável por permitir filtros, mudanças de tamanho, cortes, justaposições, legendas, etc, numa palavra, é facilmente personalizada.
Surgiram vários sites que apoiam esta construção de mensagens com base fotográfica, como o Instagram, Pinterest, Tumblr,... e ainda facilitadores de trocas como o Dribbble, Visual.ly,…, cuja adesão foi de milhões de seguidores em 3 anos.
Como exemplo, (autor: Lisa Mahapatra, New York, USA)
(PS- talvez seja uma ideia interessante para as próximas eleições para se conhecer os candidatos ???)
Conhecer um político através dos seus estados de espírito, desde chorar, zangar-se, entristecer, divertir-se…pesquisando uma matriz de 49 fotografias encadeadas, é uma ideia interessante com a fotografia a substituir o texto.
Matriz com quatro pontos de referencia "tristeza, zanga, excitação, felicidade", em que a passagem de um para outro é feita através de 7 fotografias.
Deste modo, procura-se "conhecer" rapidamente oscilações de emoções, pesquisando à nossa vontade por onde queremos andar sem ser lendo folhas de texto do CV, mas apenas clicando em quadrados da área pretendida.
ver em clickar, no 2º ecran fazer scroll |
Porém a questão fundamental por detrás desta evolução é o processo que está subentendido. Assim duas questões:
Qual a diferença entre a mensagem texto e a mensagem fotografia?
Qual é a consequência da substituição do texto por foto?
Um texto é uma sucessão programada de ideias:
Desde o início, as ideias encaixam-se uma nas outras e acabam por terminar na conclusão pretendida, construindo assim o caminho a seguir e pretendido pelo autor.
Perceber um texto é obedecer obedientemente às orientações de sequência de quem escreve, uma espécie de "passeio entre muros". Escrever mal é oferecer um percurso "baralhado" ou com "vazios de relação" que não permitem "perceber onde quer chegar".
Desde o início, as ideias encaixam-se uma nas outras e acabam por terminar na conclusão pretendida, construindo assim o caminho a seguir e pretendido pelo autor.
Perceber um texto é obedecer obedientemente às orientações de sequência de quem escreve, uma espécie de "passeio entre muros". Escrever mal é oferecer um percurso "baralhado" ou com "vazios de relação" que não permitem "perceber onde quer chegar".
Exemplo de um texto:
Ao ar livre, o frio faz-nos procurar calor e a forma mais primitiva é encostarmo-nos uns aos outros.
A civilização deu-nos equipamentos para nos aquecer a nós e aos animais de quem gostamos.
Alterando algumas palavras cria-se um caminho com outros significados pois são "muros diferentes":
Ao ar livre, o frio faz-nos desejar calor e a forma mais primitiva é obter contacto com outros.
A civilização vende equipamentos para nos aquecer a nós e aos animais de quem cuidamos.
Ou seja,
outras palavras outros significados:
1 - deixa de ser procurar (i.é., ser activo) e passa a ser desejar (i.é., ser passivo);
2 - deixa de ser encostarmo-nos uns aos outros (i.é., haver uma acção partilhada) e passa a ser obter contacto (i.é., acção individual de usufruir, podendo ser bi-individual mas isso não é partilhar);
3 - a civilização deixa de dar e passa a vender (i.é., exige recursos para comprar);
4 - e por fim, deixa o gostar dos animais (i.é., que implica cuidar) para ser apenas cuidar (i.é., não necessariamente gostar, pois basta não estragar e evitar prejuízos).
Como se nota, alterar significados num texto é complicado, moroso e consumidor de tempo e outros recursos.
Como reforço, o texto pode complementado com imagens (tipo publicidade) para melhor controlo do caminho a ser seguido, detonando processos afectivos. Deste modo, o leitor vai "mais alegre e contente" para onde se quer:
o frio faz-nos procurar calor
e a forma mais primitiva é
encostarmo-nos uns aos outros.
A civilização deu-nos
equipamentos para nos aquecer
a nós e aos animais de quem gostamos.
Ou em esquema:
Porém,
se se tirar os textos e se se ficar apenas com as fotos, tudo se transforma:
agora as mensagens possíveis são dezenas, pois cada foto é uma "open structure", com múltiplas conexões possíveis em função de quem a vê.
A imaginação e as conexões possíveis de cada leitor são fundamentais para criar os significados, as mensagens deixam de ter um ponto de chegada pois são apenas um ponto de partida, o leitor deixa de ter um "caminho entre muros" para encontrar a mensagem.
A mensagem tem que ser construída a partir do que cada leitor escolhe seleccionar, qual a sequência das escolhas, a sua primazia, prioridade e significados atribuídos. A mensagem tem que ser construída por cada um.
A mensagem tem que ser construída a partir do que cada leitor escolhe seleccionar, qual a sequência das escolhas, a sua primazia, prioridade e significados atribuídos. A mensagem tem que ser construída por cada um.
Exemplos de significados possíveis (entre outros) a partir da mensagem fotográfica anterior em função do leitor e dos temas-pormenores por ele seleccionados.
A - Com base nas duas imagens globais (setas verdes):
2 - Solidão - as aves sozinhas na natureza e o homem e seu cão dentro de um "útero social";
3 - Higiene - as aves catando piolhos e o homem e seu cão sossegados;
4 - Civilização - as aves deslocam-se por si próprias e o homem e seu cão servem-se de máquinas;
5 - Amizade - as aves ajudam-se no frio e o homem protege e ajuda o companheiro;
6 - Ambiente - A cor fria da natureza contrasta com a cor quente do metro;
B - Com base em pormenores das imagens (setas azuis):
1 - Esquecido de tudo o homem fica solitário com o seu telemóvel;
2 - Vendo o ar descansado do cão percebe-se a confiança que o envolve;
3 - Vendo o encaixe dos pescoços das aves sente-se a companhia que constroem;
4 - A neve que se vê e o tufado das penas das aves dá ideia do frio que as "ataca".
A fotografia como mensagem, quer se queira ou não, obriga o córtex a achar o seu caminho, nem que seja a obedecer ao óbvio a que está habituado.
Hoje os jovens pensam também muito com a imaginação e isso significa liberdade no uso do raciocínio, ou seja, acabou o enquadramento do pensar monopolizado pelo texto.
OBSERVAÇÃO:
Como treino e divertimento descubra o caminho que lhe propõem num texto e procure pensar fora do "carril".
Nunca faz mal falar com idiotas (os que vivem dentro de "carris"), o mal está em nos deixarmos idiotizar… e o pior é aceitar que têm razão…e muito pior é fazermos o que eles querem.
Procurar sabedoria é o objectivo da vida…
…. Obrigado Eva pela dentadita na maçã.
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