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quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Destruir o outro para o bem dele


Nem de propósito, ...pois enredado no tema sem saber como começar ... de súbito, no café, a vida veio ter comigo e empurrou-me.

Na mesa à minha frente, um pai e uma filha (4 anos?) tomavam o pequeno almoço. Acabaram e o pai deu-lhe uma nota de 5€ para ir ao balcão e pagar.
A criança "aterrorizada" não queria ir, "congelada", olhava o pai de olhos arregalados... mas o pai insistia e, com voz "caridosa", obrigou-a. A empregada "sentiu" o estado da criança, saiu do balcão, agachou-se e facilitou-lhe a vida. 

De olhos no chão, ela regressou à mesa, depois ambos se levantaram e saíram. O pai, com ar de toureiro cuja faena "dominou o bicho", procurava aplausos ...não lhos dei e acrescentei um discreto trejeito de reprovação.

O tema "destruir o outro para o bem dele" tinha vindo ao meu encontro.

PS - Mais tarde, junto da empregada (minha conhecida) disse-lhe que tinha gostado. Não percebeu a que me referia e eu expliquei.  Espantada, continuou a não perceber, não tinha notado nada.
Agora fiquei eu espantado, concluí que quer para destruir o outro quer para apoiá-lo, tudo acontece fora da consciência. Que ....raisopartiça... @%$;Grrr©!!!.... de automatismos são estes????

Segundo vários pedagogos se não há alegria no educar não é educar é torturar, se tortura sem reparar  não é ser-humano é ser-máquina. Ensinar com stress e angústia é o ingrediente essencial da domesticação.

Aprender significa adquirir o que não tem, domesticar significa perder o que tem, com stress não se inova, mutila-se [vide Sapolsky]. 

A questão fundamental é saber "o  que se faz?" para destruir, ou não, o outro.

A resposta é fácil,

é só perguntar porque é que a coruja sobe escadas em vez de voar?

A resposta é óbvia, sobe escadas e não voa .... porque ASSIM O DECIDIU!!!
Porém, talvez já não seja tão óbvio procurar saber porque tomou essa decisão.

Na verdade, a tomada de decisão é o sintoma central da vida... o morto não decide. O agricultor põe a semente na terra, junta adubo, deita água, etc, mas a árvore é que decide como vai ser.
O médico dá o remédio ao doente mas as células do corpo decidem como lhe respondem, se estiver morto o remédio não faz efeito... por isso a expressão "o remédio estava certo, o doente é que estava errado por isso morreu" não tem qualquer sentido.

Qual é a diferença entre um cavalo selvagem e um cavalo doméstico?


O cavalo selvagem toma as suas decisões, o cavalo doméstico não decide nada, só usa as decisões do dono, foi castrado da tomada de decisões. 

Ser domesticado é um eufemismo para ser obediente e este é outro eufemismo para tomada de decisão castrada, por sua vez, esta é uma camuflagem de  usa as minhas decisões.
A expressão hierárquica "não está cá para pensar está para fazer" tem todo o sentido e ilustra bem a "domesticação". A recruta em qualquer organização... tem este objectivo principal. A chamada integração é outro eufemismo para ensinar a obedecer às regras, aos chefes, aos protocolos, etc.

Na gíria, "ser bem educado" é usar decisões introjectadas porque "educado" é cumprir decisões aprendidas
Exemplo, diálogo mãe-filha:

- Não gosto disto!! - diz a Maria para a mãe;
- Gostas sim!!! - responde a mãe e continua:
-... não vês que isto é bom... 
- ... prova e verás que tenho razão... 
- ... é verdade, não é? 

ou seja, primeiro usa autoridade (imposição), depois dá certezas (limpeza), seguida de confirmação (pressão) e, por fim, "amarra" (submissão).
Mais tarde alguém pergunta à Maria:

- Gostas disto???
- A minha mãe diz que sim, ...GOSTO!!!- responde ela.

Acabou de passar de pessoa (person) para gentinha (people) destruída (decisão castrada) e depois a zombie construído (decisão inserida).
Este zombismo depois de nascido vive sob forma de crenças não-conscientes que gerem e tomam decisões em nosso nome. Como dizia o duque perante a filha, jovem adolescente, e grávida do rei: "A desonra da minha filha é uma honra".

Estes processos em [double bind] (coexistência dupla contraditória) podem ser expressos pela história da rã que, atirada para a panela com água quente, salta cá para fora. Todavia, se atirada atirada para uma panela com água fria e depois aquecida ...acaba por morrer "feliz" e cozida.
A decisão de fugir não se coloca, as diferenças "discretas" fazem a  habituação tornar tudo normal.

Ao longo da História, o Princípio de "impor a MINHA decisão aos outros para o bem DELES" é um hábito de tal modo divulgado e praticado que é naturalmente aceite por quem o faz e por quem o recebe. O resultado, para quem obedece, é ser gratificante não tomar decisões e, para quem assiste, é ser regozijante a submissão pois "é para o bem dele".

É a história da "rã e água quente" no seu melhor. Destruir a capacidade de decisão é uma das soluções mais usadas para conviver com os outros pois [...quando os outros tomam decisões, conviver é sempre difícil...].

Relembrando o conhecido e antigo (...actual??) costume de "os pais obrigarem a filha a casar com quem não quer", nele pode encontrar-se um exemplo concreto desta situação. 
Na verdade, o facto de escamotear que isso é obrigar a ter relações sexuais com quem não deseja não é discutido. Combate-se o estupro e as violações mas é aceite e apoiado que apareçam netos resultantes de dever conjugal, nome diplomático e religioso para violação legalizada.

O interessante é que, nesta posição parental, a análise da relação sexual nunca aparece, apesar dela ser a coluna vertebral da instituição casamento. Repare-se que, se a relação sexual não existir, legalmente, é condição de anulamento do casamento por "não consumado".

No concreto (sec XXI) já assisti a algumas conversas deste tipo (muito "soft") e os argumentos normais do pai são "gosto dele, é um bom homem, vai ser um bom marido, ganha bem, é trabalhador...". Em conclusão... pode violar à vontade.
PS- Estou a admitir que este pai não é homossexual e não se está projectar nas suas apreciações!!"

Porém, há outra área mais vasta e generalizada "de destruir o outro para o seu bem"que gostaria de aprofundar: a LIDERANÇA.
Um exemplo:

O João, com os seus 7 anos, decide ver o futebol. O pai chega a casa e diz:

- João vai estudar!!!

Duas alternativas podem acontecer:

1ª- O João substitui a sua decisão "Ver futebol" pela decisão do pai "Vai estudar" e abandona a TV.
      Neste caso o pai tem liderança sobre o João.

2ª- O João não substitui a sua decisão (futebol) pela do pai (estudar) e continua a ver a TV.
      Agora, o pai NÃO tem liderança sobre o João.

Num outro exemplo, o Manel decide sair do trabalho às 1700 horas para ir namorar. O chefe chega e diz-lhe para ficar a trabalhar até à meia noite. 

A questão é simples, é saber se o Manel substitui a sua decisão "namorar" pela decisão do chefe "trabalhar"? Se SIM, o chefe tem liderança, se NÃO, o chefe não tem liderança.

Em conclusão, liderar é alterar as decisões dos outros e substituí-las pelas suas

Segundo Deborah L. Rhode, Amanda K. Packel da Stanford Law School, em "Leadership Law, Policy and Manage", 2011 (600 pag), hoje existem 1.500 definições de líder e 40 teorias de liderança. 

Como se vê, ao longo da civilização, foram criadas muitas "receitas" de como destruir as decisões dos outros e inserir as suas. Diplomaticamente, chama-se a esta técnica de destruição-substituição da capacidade de tomar decisões as "técnicas de ensinar a liderar".

Porém, no liderar podem ser considerados dois "caminhos".

Um deles pode ser simbolizado na "lead" (trela) em que o dono da "lead" (
leader) conduz o "rebanho",  numa acção contínua de destruir-substituir as decisões do outro pelas suas, procurando destruí-lo como pessoa e torná-lo objecto.

Simbolizando o modelo, pode dizer-se que é uma permanente luta de domínio em "quem fala mais alto", utilizando recursos diversos desde "soft", tais como, autoridade, abafamento, bloqueios, medos, chantagem, etc, até "hard", tais como, força, torturas, prisões, drogas, etc.

Em complemento dos dois videos apresentados a seguir, quero salientar que o modelo visualizado não pertence a perfis partidários ou individuais, mas refere-se a um "vírus" cultural disseminado na sociedade e que é usado normalmente nos cafés, na família, no trabalho, entre amigos, etc. 

Uma eventual solução não parece estar em leis ou missionação moral, mas sim na responsabilidade do pequeno quotidiano, quer isto dizer que não é uma questão de implantação mas de implementação de novos comportamentos. (vide doc's pdf em anexo).

Repare-se como em cada vídeo os dois comportamentos em oposição são iguais, isto é, são o mesmo "vírus", ou seja, o hábito de "destruir as decisões do outro e inserir as suas".







Porém, há um outro caminho que parece ter uma origem diferente da do "leader" que no séc. XIX controlava as multidões operárias e/ou citadinas, mantendo "a trela apertada" (a tight lead).

Na verdade, no inglês antigo existe a palavra leadan (leden, loeden) com o significado de "to make go, show the way", inspirar, impulsionar, fomentar decisões,... ou seja, muito mais na perspectiva de um Ghandi do que de um Hitler. Neste caso, leader seria o leadan do grupo.

Neste século a pedagogia está mais perto do ponto de vista leadan do que estava no século XX, apesar de muitas das suas raízes se encontrarem lá.

Por exemplo, no sistema Montessori, as crianças têm grande liberdade de expressão (i.é., tomam de decisões de como agir) e aprendem agindo e em formas "organicas" (i.é., de implicação pessoal).
Ex-alunos, por exemplo, são Jeff Bezos (fundador da Amazon), Gabriel Garcia Marques (Prémio Nobel), Jimmy Wales (fundador Wikipedia), Sergey Brin e Larry Page (co-fundadores Google), etc.

Viver é tomar decisões, matar essa capacidade é matar a vida,



...ou como me disse uma amiga minha há dezenas de anos: [...ninguém pode ser castigado por querer viver...] e tomar decisões é querer viver.

Na verdade, um sistema militar que libertasse as decisões pessoais no sentido de aumentar a eficácia da acção necessária para realizar o objectivo, precisaria de diferentes métodos de treino.
A sua essência seria dar o objectivo e cada um decidisse como fazer:




PS- Na prática, hoje, esta é a essência das táticas (militares, policiais, empresariais, etc) em sistemas complexos pois, perante a incerteza e surpresas das situações, não há soluções pré-fabricadas. 
Vide "Creativity inc" de Ed Catmull (Pixar Animation)]. 

Documentos em Pdf
Escolas em Carcavelos
Prisões na Noruega



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