- "Tanto me faz";
...ou a escolha de "não escolher" pois a curiosidade adormeceu, todavia esta situação é bastante diferente da que tinha aos 4 anos.
Segundo um estudo noticiado pelo "The Telegraph" News (UK) em 28 Mar 2013, uma criança britânica de 4 anos faz mais de 390 perguntas por dia, cerca de 1 pergunta por cada 1m 56s no período acordado, com uma média horária de 23. Esta média é superior à do 1º Ministro David Cameron (22), à dum professor (19) ou de um médico e enfermeiro (18).
- Porque é que a água é molhada? (35%)
- Onde acaba o céu? (34%)
- As sombras são feitas de quê? (33%)
- Porque é que o céu é azul? (20%)
- Como é que o peixe respira debaixo de água? (18%)
http://www.telegraph.co.uk/news/uknews/9959026/Mothers-asked-nearly-300-questions-a-day-study-finds.html
Esta postura "perguntadora" é uma posição de vida bastante diferente da posição de "tanto me faz" de crianças mais velhas, adolescentes e adultos.
Na verdade, a curiosidade é um impulso vital inerente à vida, Nos humanos, no princípio, este impulso é poderoso mas, depois, é amortecido por bloqueios disfuncionais.
Segundo Prof. Hackett Fisher (Univ. Brandeis) [...as perguntas são mecanismos (tools) mentais para converter a curiosidade em pesquisa...], porém convém distinguir as "perguntas-intrigantes"(trouble) das "perguntas-google".
As "perguntas-intrigantes" são aquelas cujas respostas têm que ser construídas e vão fazer "estremecer" paradigmas instalados, eventualmente obrigando a reformular pontos de vista. São a porta de entrada da inovação, uma porta escancarada para a entrada do conhecimento atraído pela ânsia de aprender que é a essência da curiosidade.
Como exemplo, nestas empresas, tudo começou com uma pergunta:A - Polaroid: "Porque esperar pela fotografia?" e nasce a fotografia instantânea;
B - Pixar: "A animação pode ser "cuddly"? (abraçar, aconchegar, acariciar) e nasce animação afectiva;
C - Liquid Paper: "Os erros podem ser pintados?" e nasce o corrector para máquinas de escrever.
Nas "perguntas-google" não se exige construção da resposta mas sim "caçar a resposta". É a obtenção de um package informativo de aplicação imediata, uma espécie de conhecimento "fast food", do tipo "Que idade tinha o Napoleão na Revolução Francesa?" cuja resposta a rede Google e congéneres podem fornecer.
Este conhecimento pode ser utilizado tal como está, tipo "faits divers", ou inserido numa pergunta intrigante situada quer a montante quer a jusante, por exemplo:
Quando um médico utilizando um "Watson Software System" no Memorial Sloan-Kettering Cancer Center pergunta:
- "Num doente, qual é a indicação dada pelos sintomas "A", "B" e "C"?"
A resposta do sistema Watson é do tipo "pergunta-Google", porém a pergunta tem uma elaboração prévia na selecção dos sintomas "A", "B" e "C" que o médico escolheu, fazendo portanto parte de uma "pergunta intrigante" mais global.
Do mesmo modo, a pergunta sobre a idade do Napoleão pode também fazer parte de uma "pergunta-intrigante" mais vasta que procura construir conhecimentos sobre a dinâmica das revoluções na relação "individuo-contexto".
A pergunta como base do estudar tem que fazer parte de uma "pergunta intrigante" ou então faz parte de um simples enciclopedismo memorizante que não é aprendizagem, mas sim robotização mental.
Quer isto dizer que, por exemplo, as perguntas atrás citadas como as mais vulgares nas crianças de 4 anos, para essas crianças, não são perguntas-google mas sim perguntas-intrigantes, portanto as respostas a dar devem ter relações de respeito, carinho, apoio e importância, pois elas são expressões de vida a desabrochar no acto fundamental de aprender. Não ter esse cuidado é empurrar essas crianças para o padrão "tanto me faz".
Porém, na prática, à medida que se cresce essa média de perguntas reduz-se substancialmente e a escola por sua vez valoriza dar respostas e não valoriza fazer perguntas ou, numa alternativa pior, amesquinha e ridiculariza quem as faz.
Na verdade, os testes apresentam temas sobre os quais pedem respostas e nunca perguntas "intrigantes"a partir deles, ou seja, não se valoriza impulsos de pesquisa e desejo de saber o que se desconhece.
Na prática, o padrão de se solicitar e valorar perguntas sobre a matéria obrigaria a mudar um modo de ensinar com séculos de existência e enraizamento.
Em épocas estáticas e de rotina a memória de respostas aprendidas é fundamental. Porém em épocas de complexidade e mudança fazer boas perguntas é o cerne da eficácia.(ver também Stuart Firestein, Ignorance)
Como dizia Einstein [...o importante é não parar de fazer perguntas...] e também a perspectiva da inovação quando diz [...se se tem uma hora para resolver um problema vital então 55 minutos são para fazer perguntas...].
Na cultura generalizada fazer perguntas é um crime de "lesa-autoridade" pois as perguntas desafiam estruturas instituídas ao fomentar como pensar e fazer diferente o que pode alterar redes de poder.
Todavia se se quer mudar ou inovar soluções existentes, é necessário alterar os paradigmas que as sustentam, acção que perguntas-intrigantes fazem com eficácia e facilidade. Uma boa pergunta reconhece-se porque faz "estremecer" o ponto de vista vigente e destrói o "tanto faz" com que se vive.
Quando se desencoraja o perguntar motiva-se o não-estudar:
Na prática, perguntar implica duas decisões:
1 - Decidir o que não sabe!
2 - Decidir que quer saber!
A - lista dos erros constitui as "aprendizagens do que não é";
B - lista dos certos constitui as "aprendizagens do que é";
Quando essas duas decisões não existem significa, por um lado, que "tanto me faz" ser ou não consciente do que sei ou não sei e, por outro lado, "tanto me faz" saber como não saber.
Estas duas posições pessoais são exactamente o oposto da curiosidade porque nela o 1º impulsor é "não sei aquilo" e o 2º impulsor é "quero saber".
Para estes dois impulsores existirem é preciso que o perguntador esteja consciente e confortável na sua ignorância não sendo amesquinhado e/ou ridicularizado por ela existir, exista segurança na aquisição das respostas, isto é, o caminho seguido para o desconhecido seja balizado por conhecimentos existentes e ainda que haja permanentemente vitórias do esforço feito, em que:
A - lista dos erros constitui as "aprendizagens do que não é";
B - lista dos certos constitui as "aprendizagens do que é";
o seu somatório chama-se conhecimento adquirido flexível.
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A noção de "conhecimento adquirido flexívell"é o conhecimento que tem consciência da sua própria fragilidade, isto é, sabe que a sua validade depende das múltiplas variáveis do contexto onde ele é válido. Um exemplo, hoje bem nítido, é a evolução da Física desde Newton (válida em determinado contexto) até à Relatividade e Quântica onde novos contextos originam novos conhecimentos.
Parafraseando Joi Ito (MIT), antigamente eramos "early-life learners" e agora precisamos ser "lifelong learners". Dantes os bons experts, actualizados ou não, não faziam perguntas, só davam respostas, porque sabiam tudo. Hoje os bons experts mesmo actualizados fazem muitas perguntas porque sabem que a sua actualização é uma gota de água no oceano do já inovado e cuja quantidade e qualidade aumenta exponencialmente todos os dias.
PS - Como referência, só em 2009, USA, surgiram 288.355 livros novos e em 2005, UK, foram 206.000, ou seja, entre ambos existe meio milhão de novos livros disponíveis, não contabilizando as revistas técnicas e edições electrónicas universitárias e outras e ainda edições de outros países e/ou outras línguas.
(ver "Dilemas da formação ou talvez não", Nelson Trindade, 2012, www.Pluridoc.com, www.Sociosistemas.com)Clickar aqui
O aparecimento da posição de vida "tanto me faz" no estudo pode surgir por:
A - disfuncionamentos cognitivos, como por exemplo a informação fornecida ser desestruturante, isto é, em vez de apoiar com referenciais de entendimento e autonomia, provoca dependência e confusão.
B - disfuncionamentos técnicos, como por exemplo estar a usar metodologias erradas de estudo e/ou de baixa eficácia e eficiência, cuja falta de resultados provoca o "não sou capaz" ou o "não gosto".
C - disfuncionamentos afectivos, como por exemplo, contextos de aprendizagem desconfirmantes, agressivos e/ou stressantes que reduzem e/ou bloqueiam as duas decisões fundamentais atrás citadas:
quando a verdade é que o "tanto me faz" não faz parte da programação de nascença pois a atracção de aprender é natural:
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