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segunda-feira, 23 de junho de 2014

Ver outras realidades…como ver (!?!?)


-…the mind is embodied, not just embrained"
António Damásio, neurologista

Se os resultados da mente dependerem do córtex a situação é complexa, mas se agora se considera que os resultados da mente dependem de todo o corpo, realmente, o raciocinar é um processo muito complexo.

Numa perspectiva sistémica, a mente ser incorporada no cérebro ou ser incorporada no corpo são situações muito diferentes.

cérebro como sistema tem as suas fronteiras e tem um contexto (o corpo) com o qual se relaciona e  cria inter-dependencias. Se a mente está incorporada no cérebro então necessariamente mente e corpo estão ligados, por interdependentes.


Mas se a mente está incorporada no corpo, então mente e natureza estão ligados porque c corpo como sistema tem outras fronteiras e outro contexto que é toda a rede de "seres" exteriores, por interdependentes.
PS - Retoma-se a teoria quântica e da Matrix?


Conclusão interessante porque é uma das bases comuns aos vários shamanismos dispersos pelo planeta e sem contactos entre si. Por exemplo, a Vision Quest shamanica baseia-se exactamente em intensificar esta união com a natureza e, de certo modo, a Vision Quest católica com suas meditações, rezas e isolamento também faz integração "mente-contexto" (vide regras de I. Loyolla e J.M. Escrivã).

Admitindo que a mente, quer incorporada no córtex quer incorporada no corpo, está em íntima inter-dependência com o corpo, então pensar e seu resultado estão fortemente dependente do corpo, ou seja, ideias e emoções estão entrelaçadas, intercondicionando-se.

Em consequência, existem duas possibilidades metodológicas para se pensar um tema: a religiosa partindo da emoção para a lógica e a ateia partindo da lógica para a emoção.

Na religiosa começa-se por ter fé (isto é, crença emotiva) com base em emoções (sistema límbico) e depois constróiem-se as provas racionais da existência de Deus/Deuses com base em raciocínios lógicos (neo-cortex), para validar a fé já existente …como analogia é uma espécie de "pescadinha de rabo na boca" […vai-se para onde já se está].

Na ateia começa-se por raciocinar encadeando lógicas (neo-cortex) e se as conclusões forem de existência de Deus/Deuses, então a fé instala-se por adesões emocionais (sistema límbico).
Não conheço relatos em que esta sequência […raciocínios a originar emoções] tenha alguma vez funcionado quer em emoções religiosas quer amorosas, políticas, artísticas, etc

Em relatos encontrados, desde a conversão de S. Paulo na Bíblia até às paixões loucas de namoros nos romances, passando por adesões políticas a "q'ridos lideres", há sempre no percurso um "trauma emotivo" positivo a abrir a porta límbica ou negativo a fechá-la, ficando depois a fé activa ou des-activa a controlar a validade dos raciocínios feitos depois e ...nunca o contrário.

Como exemplo duas situações vulgares: política e casamento.

--> na política

21 Jun 2014
os raciocínios são para entreter pois o fundamental são as emoções grupais provocadas por aplausos ou vaias.

Ao longo da História, em revoluções (francesa, comunista, …), em evoluções (Hitler, Luther King…) e em estimulações (gurus religiosos, lideres empresarias e vendedores de feira) os discursos, campanhas e manifestações são formatadas em vagas emocionais de medo ou alegria, energia ou apatia, ódio ou amor, raiva ou amizade, etc.

O motor escondido e actuante nestas diferentes formas de adesão é a energia da emoção e os raciocínios apenas actuam como "cola" e "embrulho", eventualmente necessários para consolidar o edificio.

--> no casamento

Sistema límbico ===> neocortex racional
ninguém se apaixona por raciocínios lógicos, há sempre um "trauma emotivo positivo" que é a sua semente original ou, segundo os poetas, […é quando se vêem estrelas].
Quando a dominante são raciocínios isso não é um casamento é um "negócio casamenteiro".

Mas se o "namoro" desaparece do casamento fazem-se tentativas de recuperação por análises racionais de "bugs, culpas, perdões e soluções".

Se estar apaixonado é um produto do sistema límbico não me parece que activando o neo-cortex com raciocínios lógicos se possa recuperar o namoro perdido, apesar de se poder obter algum prazer intelectual e compensações de imagem social, mas é um esforço inglório no campo emocional.

Quando a situação se recompõe, após várias sessões deste "tratamento" de limpeza de traumas, culpas e bugs através de "conversas de polícia bom", esquecendo os momentos difíceis em que se saltou para as "conversas de polícia mau", não nos deixemos enganar ...nada se modifica pois o casamento continua sem o "namoro" inicial.

No dia-a dia após o "tratamento", nos interstícios da interacção diplomática e polida que foi obtida, continuam a saltar faíscas tempestuosas que vão crescendo de poucas, pequenas e rápidas a muitas, grandes e prolongadas à medida que o efeito "tratamento" deixa de actuar.

A família (pais e filhos) e amigos sabem o que se passa, mas vivem a síndrome do "rei vai nu, mas está bem vestido" enquanto esperam o resultado final de […o tratamento ter sido um êxito, o corpo estar saudável mas o doente continuar morto…].
Quando o casamento perdeu o "namoro" não é o casamento que se deve "tratar", mas sim o "namoro".


Como 1ª conclusão,

para se ver outra realidade parece necessário começar-se pelo sistema límbico e provocar uma mudança de fé (crença emocional) no que se investiga porque, parafraseando o sociólogo P. Bourdieu, "só encontramos o que já encontrámos" (objectivism fails to objectify its objectifying relationship), ou noutras palavras […é a crença que valida a lógica e não a lógica que valida a crença].

Assim, nesta pesquisa "shamanismo versus não-shamanismo e ver diferente", resolvi apoiar-me na posição de António Damásio da mente estar incorporada no corpo e, na alternativa das duas metodologias possíveis, optar pelo seguro e jogar nos dois campos ao mesmo tempo, ou seja:

1º - por um lado, à partida, acreditar no shamanismo, tendo nele a crença emocional que é verdadeiro (sistema límbico), e
2º - por outro lado, analisá-lo e validá-lo apenas com raciocínios de crença oposta (neocortex), isto é, com informação não-shamanica ;

ou resumindo em estilo de humor, é uma estratégia do tipo "reforçar a fé em Deus, apenas com raciocínios ateus" e não do tipo vendedor ou missionário que quer convencer com raciocínios de quem já está convencido (vide o estilo usado pelas "Testemunhas de Jeová" e dos "Comícios políticos").


Como fazer???

Em vários relatos de shamanes de locais diferentes e sem contactos entre si, é vulgar falarem e descreverem o que vêem nas suas alucinações com os mesmos conteúdos. 
Apesar de não existirem fotos ou filmes dessas alucinações, existem pinturas rupestres ou registos pintados em superfícies diversas cujos conteúdos têm sido reconhecidos como conhecidos por shamanes estranhos e em lugares e tempos distantes.

Pintura rupestre em Santa Barbara, California,
de figuras geométricas reconhecidas de serem
das primeiras fases de um transe shamanico
Como fé de partida vou acreditar que os shamanes vêem realmente realidades diferentes.

Assim, há 2 problemas a pesquisar na ciência ocidental não-shamanica:

1 - Que realidades se podem ver.

2 - O que é ver.


Que realidades se podem ver

Na Ciência oficial não-shamanica a resposta é fácil: ou é a realidade ou são alucinações. Portanto se os shamanes vêem realidades diferentes estão a ver alucinações, tipo viagens dos drogados, q.e.d.
Analisando, surgem  duas questões: 

- O que são alucinações?, e a resposta "oficial" é que são visões fora da realidade normal.

O que sugere perguntar se a ciência ocidental não-shamanica considera que...

- As visões de Santos Religiosos (Lourdes, Fátima,…) fora da realidade normal são alucinações ?

A resposta "oficial" é que há uma grande diferença entre visões por intoxicação com alucinógenos e visões sem intoxicação de alucinógenos, o que é também uma explicação interessante considerando que o próprio organismo produz os seus próprios alucinógenos e os consome e não há análises clinicas aos visionários no momento das visões.

Considerando a produção natural de alucinógenos pelo organismo, as perguntas que surgem são:

Quando faz? Quanto produz? Que substâncias? Porquê e Para quê?

e ainda..

"Qual a relação com a vida e sobrevivência? Porque existe este mecanismo e função? Qual a intenção? Será para alterar o equilíbrio interno e/ou para alterar a relação com o exterior?"

Pesquisando relatos de uso de alucinógenos, há muita documentação sobre eles, principalmente quando o uso de LSD era legal, pois na altura houve pesquisas laboratoriais de seus efeitos e funcionamento, como por exemplo, John C. Lilly e sua equipa.

Uma conclusão é que nas visões do LSD, os "alucinados" continuavam a ter uma percepção do real mas com sobreposição de imagens surgidas na mente, sentindo-as como sinais originados no córtex, ou seja, tinham duas visões a real do exterior e a alucinada do interior.

Pelo contrário nos relatos dos shamanes "alucinados" com chás de plantas (e de pesquisadores que o beberam) a percepção relatada é da total substituição da imagem exterior pela visão, sentindo-a única e originada no contexto envolvente (à semelhança do relatado pelos místicos).

A diferença é que o LSD é um produto sintético laboratorial e os chás são produtos naturais, pelo que uma possível conclusão é que no LSD os inputs são "faíscas" produzidas nos neurónios e nos chás há uma substituição dos inputs que chegam aos neurónios.
Não conheço estudos sobre visões de místicos e  religiosos.

Esta diferença arrasta a questão do processo produtor de uma alucinação artificial ou natural que parece poder acontecer por três vias diferentes (isoladas ou complementadas):

A ==> plano químico
mediante a alteração química do organismo por ingestão de alucinógenos.

Por analogia é uma alteração do harwdare de produção, na medida em que os alucinógenos alteram equilíbrios internos criando um organismo diferente dependendo das substâncias serem naturais ou laboratoriais.

É interessante notar que os shamanes fazem dietas especiais antes da toma de alucinógenos, parecendo ser um método para criar condições propícias ao processo de produção. 

É de relembrar que segundos relatos existentes, místicos e santos religiosos costumam jejuar o que na prática é um controlo químico do organismo, eventualmente facilitador da actuação de possíveis alucinógenos naturais produzidos no próprio organismo. 
Relembra-se também que relatos médicos de prisioneiros em tortura da fome (alteração química do organismo) registam o aparecimentos de alucinações .

B ==> plano físico
quando se alteram os canais de recepção e os tipos de sinais, por exemplo:

uso de som, música, cores e estimulações tácteis, desde cânticos e ladainhas religiosas até ao tanque de suspensão laboratorial de John Lilly (alteração de estimulações tácteis e quinestésicas) passando por luzes nas discotecas, ambientes de recolhimento nos templos, eremitismo, rezas e mantras para indução de "comas psicológicos" com ou sem visões místicas, situações vulgares em cerimónias religiosas de seitas  e estimulações por "icons e imagens milagrosas".

Não esquecer as marchas militares rítmicas e repetitivas com sons de tambores e trombetas para alucinações de "coragem" nos combates e ataques (vide relatos de ataques vikings, época napoleónica e  guerra de independência dos USA).

Por analogia é uma alteração de inputs fornecidos para a produção, mudando a "alimentação"  fornecida ao organismo para este "digerir", originando novos sincronismos e ressonâncias, portanto, outros processamentos com outros sinais.

C ==> plano mental
mediante a alteração do modo de funcionar, procurando processar os inputs recebidos com um método diferente, por alteração de scripts mentais.

Por analogia é uma alteração do software de produção, na medida em que apenas a "mastigação mental" é diferente, com diferentes circuitos neurais, mas sendo os os mesmos sinais e o mesmo organismo.
Como exemplo é o que acontece quando se aprende a ler, a guiar um carro, etc, ou quando se criam e alteram padrões de comportamento.

Pode incluir-se aqui técnicas de meditação, visualização, auto-sugestão, hipnotismo, etc.


Dos três planos, não estou interessado no plano químico, pois incomoda-me a perda do controlo próprio, quer seja por acção de um chá de tília, barbitúrico ou alucinógeno.

O plano físico interessa-me, mas basta vivê-lo e experimentá-lo no quotidiano, mas lúcido e consciente, decidindo acolher ou recusar as estimulações possíveis de "portas de percepção".
Assim, o plano mental surge como o mais atractivo para entrar no campo das alucinações ou, por outras palavras, parece ser a ponte ideal para entrar e sair de "outras realidades", ou seja, manipular os scripts, o software com que se usam os neurónios

Scripts

Um dos aspectos mais falados no shamanismo é a forma de ver a realidade, ou seja, é como se o shaman visse de forma diferente com ou sem alucinógenos, como se para ele o mundo tivesse um "rosto" diferente.

No shamanismo fala-se do […olhar desfocado, … de não ver nada e ver tudo, … de ver o detalhe a as conexões ao mesmo tempo, …de ver e perceber relações e não pormenores] e tudo isso excluindo a problemática das alucinações.

Acreditando que é verdade, e excluindo as vias química e física, a questão resume-se ao mecanismo de ver e aos scripts com que é utilizado, o que se traduz numa simples pergunta:

- "É possível ver com outros scripts?"

Pesquisando informação não-shamanica, encontram-se muitas compreensões pormenorizadas do funcionamento dos alucinógenos mas apenas compreensões globais do mecanismo das alucinações.

De um modo geral parece que a composição da maior parte dos alucinógenos se aproxima bastante do serotonin, uma hormona produzida pelo córtex humano e que funciona como "mensageiro" entre neurónios. 

Assim, será que as alucinações (incluindo visões místicas) são apenas o resultado da intensificação de redes inter-neurónios? ...por intensificação de receptores como o serotonin orgânico, o psilocybin dos cogumelos, a dimetiltriptamina da ayahuasca, etc?

Será que ao diversificar a visão da realidade e aumentar a operacionalidade da outras relações com o contexto através de novos scripts neurais e novas redes de neuro-transmissores, se está a usar uma capacidade humana bloqueada culturalmente e que obriga a ver a realidade apenas por um "buraco de fechadura"??? 

GRRRRGGRRR… por onde é que andam a passear os místicos e os shamanes??  

- "Pode-se experimentar ???"


Uma experiência

Alguns anos atrás, no meu passado distante, interessei-me por "Imagens 3D in" (salitsky dot), imagens que se olhadas de modo diferente do normal são vistas com conteúdo diferente, isto é, vê-se o que não se via mas que estava lá.

Utilizando os conceitos anteriores, para quem tem a nova visão o seu hardware não é alterado (não se bebem alucinógeneos), os seus inputs não são modificados (não se acrescentam sinais), apenas o software com que vê é transformado noutro (os scripts alteram-se) e a visão a duas dimensões passa a três dimensões e a ter conteúdos diferentes.

Na época achei que eram experiências interessantes mas que não passavam de experimentações e assim apesar de ter adquirido 62 pranchas e 3 posters, apenas armazenei como recuerdos.
Exemplo:

Imagem vista em 2D
SE... olhada normalmente

Imagem vista em 3D e a cores 
SE… olhada com o novo script
De repente, ao ler as descrições de shamans acerca do seu olhar diferente para observar a realidade e verem diferentes realidades, estas experiências vieram-me à memória e… resolvi re-activar neurónios no novo script.

Sucintamente, [ver é … o que se pensa quando se olha], ou seja, é a imagem construída no córtex a partir dos sinais recebidos e não, "linearmente", COM os sinais recebidos.


quer isto dizer que se recebem milhares de sinais por unidade de tempo e desses sinais, uns são aproveitados e outros não, em função de "filtros" seleccionadores "facilitadores" do processamento o que traz vantagens e inconvenientes.

Pela retina entram fotões que lá se transformam em informação electroquímica que os nervos ópticos conduzem ao córtex visual onde são processados em categorias (forma, movimento, cor, etc), criando uma imagem tridimensional interna no cérebro.


Portanto a imagem vista, ou melhor, construída no córtex, é função de variabilidades nos sinais recebidos e nos filtros aplicados e também no processamento feito aos que foram "consentidos". 

O interessante é que o processamento origina imagens que após produzidas se podem transformar em referências filtrantes de sinais posteriores e do controlo do próprio processamento, as chamadas "crenças referenciais" que [...só permitem ver o que já foi visto], criando o conhecido "bug" de não acreditar no que vê, mas apenas ver aquilo em que acredita:


ou com uma imagem mais técnica:

não vendo o que é, mas vendo o que acredita que é
Regressando às "Imagens 3D in" o controlo é feito no controlo de fotões  que entram na retina, alterando assim o processamento.

Existem vários métodos de treino mas a sua base é: adoptar um olhar desfocado, utilizando a visão lateral para percepcionar o total, focando a atenção do ver no pormenor, em esquema:


procurando controlar o ponto de focagem situando-o no espaço antes (ou depois) da pintura de modo que esta fique dentro da visão periférica mas fora do ponto de focagem:


Com algum treino esta prática é cada vez mais fácil e rápida.

O interessante é que a imagem 3D é construída com sinais que o córtex sempre recebeu mas só processou quando a entrada foi efectuada na visão periférica.

Se se considerar esta visão como alucinação dado que a visão normal não a vê, é uma des-compreensão dos factos (misunderstanding) porque ela é uma visão real que não existia apenas porque os seus sinais não eram processados (desprezados??), ou seja, a sua origem está no exterior tal como dizem os shamanes com chás e não no interior como dizem os drogados com LSD.

Será possível que o que sucede com os místicos e shamanes seja um processo semelhante ?? Será que é esta a função dos alucinógenos naturais no funcionamento neural ???

Não tenho resposta, mas por experiência pessoal quando se olha com o olhar desfocado e se vê o Todo e se foca a atenção no Detalhe o que acontece é:

1 - fisicamente há uma nítida sensação de relaxe no estômago, barriga e rins, perde-se a noção do tempo e a consciência do contexto;

2 - visualmente vê-se tudo mas nada é visto, é como olhar um filme sem se reparar no que está vendo, ou como andar na rua sem ver as pessoas mas sentindo-as e desviando-se delas, ou como guiar um carro sem ver o trânsito mas não chocando;

3 - mentalmente veem-se particularidades em zoom mas mergulhadas em redes de relações que não param de aparecer, desaparecer e reaparecer, relacionando-se o que era irrelacionável e fazendo realçar pormenores.
É como ver um filme em que o realizador nos mostra os movimentos e também os pormenores, o interessante é poder ver a vida deste modo quando somos ensinados a ver ao contrário, isto é, a fixar pormenores e depois estabelecer relações entre eles.

Como exemplo:

Ontem, na manhã de Domingo no Café, entrou um casal (30 anos?) com uma criança (2/3 anos). Olhando o grupo tive a nítida sensação de "dança entre eles", um sincronismo natural que os levou da porta por entre mesas a um local onde se sentaram. Não houve ordens nem orientações simplesmente foram com uma vivacidade alegre.

Sentaram-se sem tensões relacionais, corporais ou vocais, tudo fluía sem precisar de acordos, indicações ou abdicações, parecia que cada um "sabia para onde ia e sabia para onde os outros iam", uma espécie de ballet natural.
Estava espantado, o grupo orientava-se em conjunto sem "ordens".
Em segundos saí do meu refúgio mental, abdiquei do meu iPad e fiquei a bisbilhotar com o ar desfocado de quem não incomoda ninguém.

Acontecimentos na teia de relações:

1 - Na mesa, a criança sentada entre os dois e falando com o pai aceita com na boca, e sem olhar, um pedaço de bolo que do outro lado a mãe lhe dava. O bolo não foi ter ao olho da criança, a conversa pai-filha não se interrompeu, e ao mesmo tempo a mãe participou e a filha respondeu.
Tudo se passou em segundos, fluiu sem engulhos, e a vida grupal não foi interrompida. Parecia um bailado bem treinado.

2 - Caiu um pacote de açúcar no chão. O pai baixou-se para apanhar e foi ocupar espaço corporal da filha que falava com a mãe. A criança sem olhar para ele deu um jeito e adaptou-se e a mãe por sua vez recuou dando-lhe espaço. Segundos depois o pai sentou-se normalmente e todos refizeram posições. 
O interessante é que nada foi interrompido e nenhum deles teve consciência da sua mútua inter-dependência e sincronismo e ficariam muito espantados se eu lhes dissesse.

Olhando para outras mesas vi os costumados encontrões, quid pro quo's e desculpas para se encaixarem no pouco espaço existente, pelo que me apeteceu deitar outro pacote de açúcar para o chão para poder ver o fluir daquela dança outra vez.

3 - Durante todo o pequeno almoço a criança relacionava-se com os dois, de forma fragmentada mas sempre em estilo "bailado", nunca fora do ritmo, do movimento e do fluir dos movimentos e conversa. 

Há muito tempo que não via um "bailado relacional" tão bom, foi uma manhã de domingo muito feliz.

Para terminar e regressando ao tema, a observação com o olhar desfocado dos shamans é centrado em relações e POR ESTA ORDEM:

1º Sentir o que se passa sem pôr o neocortex a dar dicas;
2º Deixar-se levar pelo fluir das relações, surfando nas suas ondas;
3º Observar pormenores que deixaram marcas nas fases anteriores.
4º Pensar sobre eles a partir do conjunto.

…E NUNCA AO CONTRÁRIO…

pois os pormenores só "nascem" na 3ª fase, por ex., o pacote de açúcar e os movimentos de encaixe sincrónico só surgem significativos por influência das fases anteriores, pois sem elas é apenas um pacote de açúcar que cai e se apanha com alguns truques de aproveitar o pouco espaço… e a vida continua uma chatice e a manhã de Domingo não fica diferente.



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