Li hoje dois artigos, Nunca lutes com um porco, Fernanda Câncio (DN, 7Ago17) e O "politicamente correcto", um embuste direitista, de A. Russo Dias (Medium, 7Ago17) e fiquei com o problema de:
Politicamente correcto, é correcto ou incorrecto?
A primeira ideia foi pensar se este conceito apareceria no século XVIII ou XIX fora dos círculos "intelectuais". Concluí que não, pois a política ainda vivia nos ghettos culturais das classes (muito ou pouco) dominantes e à procura de domínios.
Os "populares" só se preocupavam com o comer e o dormir, e até o "escrever. ler e contar" não fazia parte das suas reocupações.
PS- Sobre este tema, um livro lido que sempre recordo: O mundo que perdemos, Peter Laslett, Ed. Cosmo, Lisboa, 1975
Pensando no significado do "politicamente correcto", recordei outra frase da minha adolescência com um significado parecido e uma pequena diferença: "Maria vai com as outras…".
A igualdade é que ambas significam alguém que acompanha a corrente de opinião do grupo a que pertence. Na verdade, a exclusão social sempre foi um estigma para fugir.
A pequena (e grande) diferença é que, na versão antiga, a tónica eram as preocupações sociais mas, na versão actual, a incidência é a posição política.
A conclusão a tirar é que, desde o séc. XVIII ao séc XXI, a política saiu do "proibido social" e passou para o quotidiano normal de todos os cidadãos.
Assim, agrada-me esta nova versão e fico contente com a sua existência. Ela não é um reforço, nem uma "munição verbal", é um ponto de partida para obter conclusões políticas.
Isto significa que a sociedade a que pertenço é uma sociedade de cidadãos preocupados com política, querem saber se a ideia exposta é válida sob a sua perspectiva política e afirmá-lo depois de comparar e validar.
Fazer a afirmação "politicamente correcto" como um "papagaio de feira" sem perceber o que diz, não invalida a frase, invalida o papagaio.
Se sabe o que diz, ao afirmar:
- "Hoje, defender a escravidão é politicamente correcto"
- "Hoje, combater a escravidão é politicamente correcto"
o conceito "politicamente correcto" torna-se um auxiliar ÚTIL para diagnóstico do seu autor.
"Politicamente correcto", elogio ou insulto
A conclusão do "politicamente correcto" ser um elogio ou um insulto depende de dois factores: como se concorda e o que se concorda.
1 - Como se concorda
- "Zézinho, come com talheres!!!", diz a mãe.
Se o Zé decide cumprir o "politicamente correcto" naquela família e o "Zé vai com os outros irmãos…" e come com talheres, então o Zé torna-se uma criança educada, quer acredite ou não que deve comer com talheres.
Se, depois, os pais dizem que ele [...come com talheres porque é o "politicamente correcto"], isso é um elogio e ninguém se preocupa em saber se o faz por acreditar ou por ser obrigado.
Todavia, para quem come com pauzinhos (chineses) isso é um insulto pois significa que é incapaz de comer como deve ser e apenas segue o "politicamente correcto".
Nos partidos políticos, da esquerda à direita, acontece exactamente o mesmo.
A mesma acção e a mesma classificação de "politicamente correcto" dita pela direita é um elogio (i.é., pessoa digna) mas dita pela esquerda é um insulto (i.é., papagaio de feira)… e vice versa.
2 - O que se concorda
- "Zézinho é esperto como um burro !!!", diz a mãe.
Isto é elogio ou insulto ?
- "Zézinho é esperto como uma raposa !!!", diz a mãe.
E agora, isto é elogio ou insulto ?
A única diferença existente é entre burro e raposa. Para quem pensa que o burro é uma animal inteligente e leal será um elogio e que pensa que a raposa é um animal matreiro e falso será um insulto.
No conceito "politicamente correcto" acontece o mesmo, a diferença não está nele mas naquilo a que se refere. A questão central é saber "politicamente correcto DE QUÊ e EM QUÊ" ???
- "Hoje, defender ...bla, bla,bla,... é politicamente correcto"
- "Hoje, combater ...bla, bla,bla,... é politicamente correcto"
Se este "bla, bla,bla" não é claro não é elogio nem insulto… é só parvoice instalada.
Mesmo o simples facto do "politicamente correcto" só facilitar ou dificultar acções políticas em curso, a questão tem sempre que se colocar, "QUAIS ACÇÕES POLÍTICAS??", acções de prisões indiscriminadas e linchamentos ou de julgamentos legítimos?
NÃO "Politicamente correcto"
- "O meu primo está em Paris". A informação, quer seja pouca ou muita, é clara e útil, sabe-se onde o primo está e sabe-se onde não está.
- "O meu primo não está em Paris". A informação tem 0,0001 de utilidade, pois não se sabe onde está e, excepto em Paris, pode estar em milhares de sítios possíveis. É apenas uma "informação de complemento".
Do mesmo modo, dizer "é politicamente correcto" fornece informação útil se for trabalhada correctamente. Mas, dizer "não é politicamente correcto" é um "cheque em branco" sem qualquer garantia.
Essa afirmação apenas nos diz o que se recusa mas nada diz sobre o que se quer… sabe-se do que se afasta mas não do que se aproxima. Todos os projectos políticos de base ANTI têm esta característica. Como exemplo na História recente, há várias lutas ANTI ditadura A que originaram PRÓ ditadura B.
PS- Concertações e consensos sociais de base ANTI são, normalmente, cheques em branco sem garantias, com alta probabilidade de se "fugir do crocodilo para cair no jacaré".
No caso de uma campanha política baseada em movimentos anti-politicamente-correcto, dadas as habituais emotividades detonadas e a indefinição de objectivos pró é, de forma clara, o mundo do infantilismo de cidadania.
Sabe-se o que-não-vai-acontecer mas não se tem a mínima ideia do que-vai-acontecer, e são milhares de probabilidades.
Em conclusão,
concordo com o conceito "politicamente correcto" e o seu uso operacional mas o conceito "não politicamente correcto" é apenas um "placebo lógico" para encher vazios argumentativos.
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