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quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Estilo mental japonês



Hoje, no pequeno café onde"acordo" todos os dias com um café duplo e uma torrada, as mesas tinham nova disposição. Estavam juntas para deixar espaço para uma exposição-venda de ofertas de Natal, desde vinhos, doces, chás, até pequenos brindes comestíveis.

O meu habitual silêncio "meditativo" de passar o pequeno almoço a ler, escrever e/ou apenas ver, saborear e pensar... não foi possível.

As mesas para usar estavam todas juntas formando uma espécie de mesa comunal de partilha colectiva ao estilo "Olá vizinho... vamos conversar".

Ao pé de mim sentaram-se duas amigas que, falando ininterruptamente da sua vida, filhos e netos, às vezes em sobreposição, tentavam que participasse na conversa.

Com vários sinais de recepção e fuga (mensagens ao estilo "Olá e Adeus") consegui fazer entender que queria ler. Deixaram-me sossegado e continuámos vizinhos, conhecidos e amigos. O meu problema agora era a conversa que continuava a me envolver com o seu estilo de partilha comunal auditiva.

Entre sair e ultrapassar a partilha oferecida, decidi ultrapassar.

Recordei as casas japonesas de paredes de papel sem qualquer isolamento sonoro. Resolvi imitar a experiência japonesa de deixar de ouvir, ou seja, o som existe, ouve-se com os ouvidos mas não se ouve com o cérebro, torna-se uma espécie de música de fundo que apesar de existir não impede o silêncio, ou seja, no estilo português, é "fala prá iii que não te oiço". 

Primeiro, tentei não perceber os significados e identificar apenas se o som se era alto ou baixo, suas inflexões, ritmos e entoações. Gradualmente o falar transformou-se numa espécie de ruído musicado num idioma não conhecido. Acabei por deixar de ouvi-lo com o cérebro e este focalizou-se na leitura. Fiquei sozinho... recuperei o meu silêncio... Ufff.

De repente regressei ao café e com certo espanto tinha-se passado quase uma hora, continuava na mesa comunal mas sem vizinhos, tinham saído sem eu reparar.

Isto das culturas e das civilizações pode tornar-nos quase extraterrestres uns para os outros, uns só precisam de paredes de papel, outros precisam de paredes com isolamento acústico e algodão nos ouvidos. Nos humanos, o exterior pode ser semelhante mas o interior pode ser complectamente diferente. A espécie humana é realmente um conjunto de diferentes... felizmente.

PS- É preciso nunca esquecer que, há milhares de anos, que é "la petite difference..." (et vive la petit difference) o garante da reprodução da espécie.

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

DECORAR ou a armadilha do estudar

Tema
Toda a gente estuda para saber, mas saber é "pensar sobre algo" e concluir. Quer isto dizer que não é uma actividade mecânica de armazenar ideias mas uma actividade criativa de estabelecer relações entre ideias e encontrar a lógica.

Estudar não é decorar... é construir lógicas. Ensinar a estudar não é ensinar truques mnemónicos é ensinar a pesquisar e construir relações.

Lendo um antigo filósofo taoista, ele dizia que [aprender não é repetir é transformar-se] e que [...o mestre deve ter a humildade de deixar o aprendente fazê-lo como pode e apenas ajudar].

Hoje, esta ideia pode não ser novidade mas a sua aceitação implica uma revolução na pedagogia (e professores), na educação (e pais), na política (e lideres), na amizade (e parceiros).

Na neurociência fala-se muito em redes neurais como a base do pensar:


ou seja, pensar é fluir nas conexões inter-neurónios, aproveitando ou criando novas ligações.

Assim, como exemplo, um pequeno problema para resolver:

O Zé vive num pequeno apartamento no 20º andar de um prédio, com uma vida difícil e dolorosa.
Ontem levantou-se e, ainda de pijama, subiu para a janela, olhou, pensou e saltou.
Caiu no chão, levantou-se e foi-se embora.
Como explicar???

Quer tentar perceber e encontrar a explicação?

Compreender o que aconteceu não é aplicar (carimbar??) ideias armazenadas no córtex ao estilo de remédios na farmácia que se podem encontrar com um braço mecânico, neste caso chamado memória. Neste funcionar, a ideia utilizada é encontrada por regras de funcionamento do braço (memória) e não por influência da questão em análise. Depois, a ideia encontrada dá ideia aplicada: 


Mas... o córtex não funciona assim. O decorar não é instrumento de compreensão é recurso para pensar, utilizar e obter compreensão.  

Estudar e aprender são processos de criar novas relações entre as ideias, transformar redes neurais existentes e fazer renascer novas conexões entre saberes. Como diz o mestre taoista, só quem aprende pode criar na própria mente essas novas conexões. Por isso, quem ensina só pode ajudar que o próprio-se-ensine-a-si-próprio.

Assim, estudar é acrescentar (mudar) a teia de relações existente entre as ideias. Quando estas novas conexões fazem sentido, nasce a alegria do "Ahhhh! Ahhhh! Experience" da Pedagogia Experiencial, ou seja, o conhecimento nasceu e instalou-se.

Esta metodologia baseia-se em perguntas de pesquisa sobre ideias existentes ou a descobrir ou a criar, seus possíveis significados e relações... e, inesperadamente, a solução torna-se óbvia.

O segredo (o "truque") é a riqueza e flexibilidade das relações que se instalam, mas decorar é a pobreza e rigidez do "carimbar". Decorar com a sua repetição mata a flexibilidade e a disponibilidade para o processo de transformação e no limite surge a rigidez, o fanatismo.


Aplicando com jovens (10/13 anos), em grupo e individual, eles vão dizendo ideias acerca do problema, ideias essas registadas aleatoriamente em mapa, nunca em listas. Nas pausas maiores, pede-se que relacionem duas (ou mais) das ideias registadas e digam qual a nova ideia surgida e a acrescentar. 

Depois, analisando todo o registo pede-se que seleccionem as mais interessantes e tirem conclusões. Normalmente, em 5 minutos, a solução acaba por surgir, muitas vezes sem consciência e sem seu reconhecimento como solução. Porém, forçando a atenção sobre ela, a solução acaba por ser reconhecida quase sempre com espanto (Ahhh!! Ahhh!!) e alegria. 

Segundo alguns autores, esta falta de reconhecimento como solução da ideia exposta é consequência de "esquizofrenia cultural" que opõe raciocínio e intuição, recusando que muitas vezes [...o raciocínio tem razões que o raciocínio desconhece...] porque [... quando se tem dúvidas sobre a escolha, não há dúvida que não é escolha...].

No já descrito problema anterior do "saltar pela janela", um possível esquema para encontrar a explicação poderia ser:


Porém, obter uma explicação é o resultado não é o objectivo da actividade. O seu objectivo operacional é criar alegria e energia para agir e o seu objectivo pedagógico é compreender como se pensou e obter técnicas para o fazer.

In brevis, o objectivo não é ter bons resultados à custa de processos (tipo competição) é ter bons processos à custa de resultados (tipo treino).
Não convém confundir aula com exame, nem treino com competição, como fazem aprendizes de formadores quer profissionais ou familiares, quer gratuitos ou pagáveis.

Não se trata de Pedagogia Experimental de base em experiências, mas Pedagogia Experiencial de base em vivências das experiências realizadas. O foco não são resultados e/ou acções realizadas mas actores e actos efectuados.
Na trilogia clássica briefing-acção-debriefing a essência não é o briefing-acção com ou sem aplausos mas é o debriefing com suas conclusões operacionais para o próprio.

A Pedagogia Experiencial não é baseada no ACTO (agir) é baseada no PÓS-acto (pensar e concluir).

Como conclusão

Estudar não é armazenar informação nos neurónios, tipo conta bancária de bits. Estudar é criar relações lógicas entre os bits, tipo teia de aranha com vários núcleos de aranhiços.

Na verdade a pesquisa lógica é uma actividade interessante. É uma espécie de ARQUEOLOGIA DE INFORMAÇÃO porque é um esforço de cavar e esgravatar "areias mentais" até descobrir onde se esconde a informação relevante. Depois é guardá-la e relacioná-la:


Por analogia, estudar é ser um "Sherlock Holmes a caçar detalhes relevantes e pensar-descobrir relações", não é ser um Tio Patinhas a amealhar, decorando e guardando o máximo de ideias na memória.

Recordando o passado, tenho consciência da sorte que tive de, pelos 12 anos de idade no Liceu D.João de Castro, ter vários anos seguidos aulas de Matemática com o Dr. Mora que me "viciou" no  seu estudo.
Não era um professor fácil, era distante, atento e exigente mas, com seus métodos "firmes", lá nos ia "embrulhando" na Matemática... e eu fiquei fan da disciplina que, na altura, me divertia mais que Palavras Cruzadas com seu misto de desafio e lógica, "...Eu contra os problemas... Grrr Grrr".

O Dr. Mora obrigava-nos a ter uma espécie de diário tipo Livro das cábulas (???), na época chamado Vademecum para profissionais anotarem conclusões. De construção artesanal, com o formato de rol de merceeiro era feito de papel Almaço dobrado verticalmente e com lombada de fio cosido à mão. 
Nele se ia escrevendo tudo o que tínhamos que decorar, desde fórmulas a teoremas, passando por truques de cálculo rápido, axiomas, etc. Riscar livros era impensável.

Este "caderno de merceeiro" era um rol de "inventário de saberes" e tinha que estar limpinho e bem feito, não se podia substituir, ou seja, obrigava a escrever pouco e bem e só o importante, umas vezes imposto pelo professor, outras por ele sugerido, outras por nós escolhido. Quem soubesse aquilo... passava o ano de certeza.

O interessante era que, paradoxalmente apesar de obrigar a decorar muita coisa, dizia sempre que [...a cabeça não era para decorar era para pensar, o decorado só servia para ajudar...]. 

Assim, quem respondia "papagueando" o livro tinha os seus 10/11/12 valores (a média vulgar), mas quem respondia pensando, recriando e aplicando, então... a sua nota ia por aí acima (max 15).

Na aula, ir ao quadro fazer um problema era a grande angústia de todos nós apesar de não existir avaliação, nem zanga, nem prémio. O importante era pensar e encontrar o caminho mais "limpinho" para a solução. Se o fizéssemos tínhamos o direito de terminar escrevendo Q.E.D. (quod erat demonstrandum) no fim do quadro... e isso era uma honra.

Desde há mais de meio século que este hábito vive em mim. Ainda hoje quando resolvo "limpinho" um problema de lógica, penso para mim próprio... Q.E.D.

Na época descobri que, sabendo pouco e pensando muito, tinha boas notas sem muito trabalho... por isso mudei de vida escolar. Comecei a aplicar o método "Dr. Mora" a todas as disciplinas, isto é, fazer cábulas, decorá-las e pensar.

Lia muito e estudava pouco. Entre ler banda desenhada, livros de Sandokan e matinés nos cinemas de bairro, lá ia jogando andebol, bilhar e muito ping pong. 

Tendo os "livros de cábulas" como método de estudo rápido e sólido para exames, tornei-me habitual no Quadro de Honra e isento de propinas. Com eles, nos intervalos, 5 minutos antes dos testes, "refrescava" toda a matéria.

O meu pai comprava-me os Vademecums algures em Lisboa e eu andava sempre com um na algibeira, eram o meu computador portátil. 

Outro dia, numas arrumações familiares, encontrei um desse tempo,


Com capa de cabedal e papel quadriculado, era do tamanho de uma caixa de fósforos. Eram os meus "Diários Operacionais". 

Com páginas tão pequeninas, tinha que escrever pouco... não podia fazer resumos ou transcrições. Foi a minha sorte. Fazia reconstituições das matérias com uma lógica minha e criava esquemas, "chavetas" encadeadas e mnemónicas sobre essa matéria:



Uma cábula não era uma cópia-resumo, era um conjunto de ligações (um "caroço") que, para mim fazia sentido e me permitia reconstituir ideias associadas. Utilizado por outra pessoa não servia para nada, era um conjunto de associações pessoais, uma espécie de "gatilhadas" (triggers) sobre os meus neurónios. O resultado era uma grande eficácia a manipular ideias e não desaparecia. Ainda hoje, em cálculos matemáticos, me lembro e uso alguns "truques".

Para mim, usar "vademecuns" sobreviveu até aos dias de hoje, quer em áreas profissionais quer em hobbies. Nos baús das recordações tenho milhares de fichas guardadas desde "bisbilhotices" úteis sobre regras e regulamentos militares até notas e truques de bridge e poker, passando por ideias a que chamava "lixo bom".

Tudo evolui e tudo se mantém. Dos livros passei às fichas e destas ao software. O método continua a ser a herança do Dr. Mora: 1- caçar o importante 2- estabelecer lógicas relacionais 3 - pensar e aplicar.

Em África, nas noites de poker, xadrez ou bridge também levava os meus vademecuns com informações relevantes, desde técnicas de jogo até características e hábitos dos jogadores habituais, tudo eram informações relevantes... e no fim havia sempre algo a acrescentar, era o prazer do Q.E.D.. 

O meu divertimento não era ganhar, até porque perdia muitas vezes, o meu divertimento era saborear as jogadas. Um apreciador de vinhos ou comidas não se embriaga nem empanturra, o objectivo é outro, não é acumular resultados é saborear o caminho.

Durante algum tempo joguei Reversi no computador (uma espécie de jogo do GO para crianças😆). 
O meu objectivo não era ganhar, era descobrir a lógica programada no software para jogar o jogo. 

Passei muitas horas agarrado ao vademecum a tirar informações e consegui em cada 10 jogos ganhar 8, tinha descoberto a lógica (Q.E.D.). 
Daí em diante o meu divertimento era, a meio do jogo, fazer asneiras propositadas, recuperar e ganhar.

Este hobby teve um final frustrante. Já adulto e licenciado, antes de desligar o computador costumava entrar numa rede de Reversi para jogar um bocado. Na identificação do jogador classificava-me como expert para ter um certo desafio com o oponente. 

Um dia, logo no primeiro jogo a meio dele já tinha perdido. Pelo chat disse isso e propus novo jogo. Ao fim de cinco jogos tudo se repetia e, perante a minha proposta para se começar de novo, o outro jogador propôs que se continuasse. Respondi que não merecia a pena porque, se ele não fizesse asneiras (e não fazia), eu já tinha perdido. Continuámos a jogar, eu a perder e a começar de novo... mas conversando pelo chat.

Descobri que ele estava no Japão, afinal o ele era uma ela, estudante, dizia-se um jogador regular-médio, pertencia a um clube de "GO e Reversi" da escola e tinha 12 anos. 
Fiquei de boca-aberta e nunca mais me considerei um expert em Reversi.

Pois é, jogar com adversários de programação fixa (o software do computador) é uma coisa mas jogar com adversários de programação flexível (uma jovem de 12 anos) é outra coisa.

Considerei-me "estúpido" pois já há muito tempo em África a jogar poker tinha aprendido isso. 
Lá, ganhava dinheiro a jogadores de "programação fixa" (memória), mas perdia dinheiro com jogadores de "programação flexível" (pensar) apesar de serem os meus preferidos.

Na prática, o Dr. Mora do meu passado tinha razão. O método não era decorar soluções mas, 1º- caçar o importante; 2º- estabelecer lógicas relacionais; 3º- pensar e aplicar.

Segredo do estudar, fazer A+B

A == Caçar informações relevantes 
B == Estabelecer relações e extrair significados

Como problemas para treino deixo três questões, uma para cada uma das três áreas clássicas:

1ª - Relações funcionais (funciograma) entre as informações do problema, isto é, pesquisar a lógica;
2ª - Inter-acções dos elementos activos expressos no problema, isto é, pesquisar a "Lei da situação";
3ª - Inter-acções com o contexto e a fita do tempo do problema, isto é, pesquisar os processos.

Estes três problemas têm soluções simples e não exigem cálculos complicados. Não são testes nem concursos, são apenas "detonadores de pensares" (thinking triggers) para depois serem meditados e concluídos pelo próprio (debriefing).

Relembrando T. Edison, aqui vão os meus desejos que se divirtam:

"não há resultados falhados, só há resultados de sucesso a descobrir como não se faz ou como se faz" e, para isso, apenas temos que pensar sobre o que fizemos e escrever no nosso "Livro de Cábulas".

Inté (Adeus e Até Depois à maneira africana)
_____________________

1- Dinheiro (pensar a lógica)

Em duas carteiras existe:

- 1 nota  de  20 euros;
- 2 notas de 10 euros;
- 2 notas de   5 euros;

Dizer como as notas estão distribuídas para que uma carteira tenha o dobro do dinheiro da outra.

Ponto chave: valor e seu valor dobrado, considerando as notas não são divisíveis em 3 partes iguais.
Solução (clickar)

2 - Laboratório (pensar a situação)

Num laboratório há dois tubos de ensaio a aquecer até 80º C e dois frascos fechados, um com duas pastilhas A e outro com duas pastilhas B, visualmente iguais.

Aos 80º graus, o técnico tem dois minutos para abrir os frascos e deitar uma pastilha A e uma pastilha B em cada tubo de ensaio. 

À hora certa, ele põe uma pastilha A na palma da mão, mas ao pôr uma pastilha B caem-lhe, ao mesmo tempo, as duas pastilhas B na palma da mão.

Não as distinguindo como fazer para, num minuto, pôr uma pastilha A e uma pastilha B em cada tubo de ensaio.

 Ponto chave: identificar o identificável.
Solução (clickar)


3 - Ovo e galinha (pensar o processo)

Em termos lógicos decidir qual apareceu primeiro:

- foi o ovo que originou a galinha;
- foi a galinha que originou o ovo;

e a sua justificação lógica.

Ponto chave: como ambos nascem.

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

"o melhor possível…", esta frase irrita-me

Grrrr…. Grrrr…. irrita-me

O doente entrou no hospital e o responsável disse à família: "Foi tratado o melhor possível!!"

O que é que isto quer dizer, "trataram?", apenas "estabilizaram?", ou "fazem cuidados paliativos até morrer?"

O normal é os familiares, perante esta resposta habitual, ficarem "normais" e conformados com a situação.

No caso do incêndio de Pedrogão, em que morreram 65 pessoas, o comentário de várias entidades (incluindo massmédia) foi "Fez-se o melhor possível!!!".  O que é que isto quer dizer? 

Se tivessem morrido 564 pessoas também seria o melhor possível? …e se tivessem morrido só 10? …e se ninguém tivesse morrido? E o bombeiro ferido que levou 10 horas para chegar ao hospital… era também o melhor possível? …E se demorasse uma semana… porque o melhor possível era ir de carroça?

A verdade é que a frase "Fiz o melhor possível" não significa nada, é um bluff lógico, é uma muleta de uso para qualquer política amaciadora. É um truque de propaganda clandestina para inserir a afirmação de "está tudo bem".
Mas isto não é o pior.

O pior acontece quando, além de aceitar, também se começa a usar a "burla lógica" com a melhor das intenções (vide o video da SIC, a seguir). A "mentirinha" torna-se normal nas relações sociais, pois a mentira, não expressa mas induzida, é sinal de habilidade e honestidade política, de ser um Q'rido Lider e ganhar votos.

A frase "Fiz o melhor possível" com sua aparência de lógica clara e óbvia é, na verdade, uma frase errática e "vagabunda" de sentido indeterminado que activa em cada um a expectativa desejada. 

Na teoria da propaganda, chama-se a este mecanismo "manipulação clandestina", ou seja, é fazer "normal" o que não o era e depois vulgarizar.

Porém, viver em sociedade significa sofrer este processo de padronização, i.é., sofrer uma educação por osmose, o que sucede desde aceitações de moda até alimentação e remédios, passando pelo guiar à esquerda ou à direita, etc. Este mecanismo não é o problema, é apenas uma solução para a flexibilidade e evolução humana que se chama culturização.

O problema está na perda de lucidez, na aceitação ou recusa de certas normalidades. O "deixar andar", a "falta de atenção aos sinais", o abúlico "sim senhor" é que são o problema, normalmente completado pela velha e esfarrapada confissão de mea culpa à procura de absolvição, quando já é tarde para evitar. 

Esta falta de lucidez e o "deixar andar" são as "epidemias" disseminadas pelos movimentos populistas e pelas claques partidárias para diluir oposições.

Como disse Edmund Burke (séc XVIII) […para o mal triunfar, só é preciso que os bons não façam nada…] e o não-pensável torna-se -à, não só pensável como, real.

Há aqui uma pergunta importante a fazer: "Quando?", quando é que "os bons" actuam, quando é que eles acham que "já chega".

Como é lógico, os movimentos populistas e as claques políticas procuram atrasar esse momento até obterem um número suficiente de "claquistas". As manifestações e os slogans não procuram introduzir lucidez, mas sim criar vagas de "claquistas" (vide o clássico "Le viole des foules").

As Democracias "activas" possuem o mecanismo de "enough is enough" com o sentido de "pouco é suficiente", pois há consciência de que o "já chega" muitas vezes vem tarde de demais. Exemplo:

USA, um dia depois da marcha de ódio em Charletesville (11 Ago), há manifestações (12 Ago) demissões (13 Ago) (14, Ago) mostrando claras posições de cidadãos (smart mobs?), soltas de enquadramentos partidários:


Porém, as Democracias "adormecidas" têm "injecções culturais" de apaziguamento com o "barbitúrico" "fez-se o melhor possível", um misto de lógica confusa (não informa nada) com crendice afectiva de  segurança (não garante nada).


Este pastel de nata do "melhor possível" tem muitos irmãos gémeos de "lógica manipulativa":

- "Prometo que, logo que possível, se fará".  Quando é o possível?.
- "Já está tudo esclarecido… ", portantotudo fica por eslarecer.
- "Não é secreto, é segredo de justiça… ", portanto, tudo continua escondido.
- "Não sou responsável ninguém me avisou... ", portanto, responsável só com aviso prévio.
- "Já está resolvido, vai-se legislar… ", portantooficialmente, não ter solução é problema resolvido.
- "Agora ajudamos quem chora, depois procura-se responsáveis… ", portanto, procurar responsáveis é adiado. Exemplo, Ago17, queda de árvore no Funchal:


Mas, não se pode fazer as duas? Não poderia ser "Prioridade é apurar responsabilidades e apoiar familias e feridos"?
Na verdade, todas estas frases são frases não-democráticas.

Desde a antiguidade grega que Democracia não é a votação, é LUCIDEZ para a votação, ou seja, Democracia é o diálogo que, na praça pública, antecedia essa votação. Segundo estes filósofos "…na votação a democracia já acabou… pois ela existiu no diálogo prévio que a antecede…" (P. Senge, The Fifth discipline, UK, 1992, pg 10 e 240).

In brevis, a essência da Democracia é lucidez individual da decisão tomada. Votos drogados, submissos, comprados, enganados, confusos, falsificados,… não são votos democráticos é burla democrática.

Tudo o que escamoteia a lucidez e procura criar "crendices" (afirmações sem garantia) é anti-democracia. Tecnicamente, a essência do populismo é, exactamente, o crescimento de crendice e a redução da lucidez, mesmo que tenha legalidade democratica… mas perdeu a legitimidade democrática.

O direito à palavra nunca é retirado na ditadura, nela todos podem falar… desde que seja concordância, aumente a crendice ou reduza a lucidez. A marcha de Charlottesville foi um "discurso" nazi bem claro e que explicou muito bem o que é um nazi… ninguém pode dizer que não percebeu.

Na Democracia, o direito à palavra não é um direito de quem fala é um direito de quem ouve para obter informação e lucidez suficiente para poder decidir se vota nele, ou não.

Isto é muito claro neste pequeno video quando o discurso de captação cria lucidez de recusa:



A seguir, está um exemplo de como as frases de lógica manipulativa tiram lucidez ao discurso, mesmo quando usadas honestamente por quem apenas assimilou a cultura de "democracia travesti". Vide entrevista na SIC sobre falta de recursos na PSP e GNR (9Ago17)

O entrevistado foi claro nas suas afirmações e, sem as negar, acaba por lhe reduzir a lucidez ao utilizar o  conceito "o melhor possível" na resposta a uma pergunta da entrevistadora.


Diálogo:

Entrevistadora:
- Podemos dizer que a operacionalidade da GNR está posta em causa?

Entrevistado:
- Não,... nessa parte não quero acreditar nunca e nunca irei referir que isso possa acontecer. Há uma parte muito importante que são os profissionais […]
- […o profissional...] tentará sempre fazer o melhor, independente dos meios que tenha
.

Isto pode ser verdade e a ideia do entrevistado pode estar correcta, mas introduziu falta de lucidez ao estilo da cultura da "democracia travesti" disseminada nas redes institucionais.

Assim, é credível que um profissional GNR que corra o melhor possível atrás do carro do ladrão o apanhe?

A operacionalidade da GNR é uma integração de "profissionais e recursos" e, por muito que um profissional GNR se esforce, se não tem recursos, a operacionalidade GNR é baixa.

Aos cidadãos que apoiam o esforço dos profissionais (GNR, PSP, médicos, enfermeiros, professores, militares, etc) é preciso dar lucidez sobre o problema, e não misturar esforço e competência destes com o esforço e competência das organizações em que trabalham. Fazê-lo não é proteger a sua imagem, é deixá-los a aguentar culpas que não têm.

Penso que a resposta correcta, de acordo com as ideias expostas pelo entrevistado, seria do género:

- SIM,… porque apesar dos profissionais GNR fazerem o melhor possível, não havendo recursos, a operacionalidade GNR está posta em causa.


segunda-feira, 14 de agosto de 2017

SEMPRE ESTAREI VIVO…!!!

Há dois dias que ando mergulhado na Teoria Quântica e na problemática do tempo. Hoje acordei de madrugada com uma certeza que me relaxou:

NUNCA POSSO ESTAR MORTO!!!

…é tudo um problema de lógica da mais simples.

Para se estar morto é preciso estar-se vivo para saber isso.

Se estou morto e não sei que estou morto, então NÃO ESTOU MORTO, simplesmente NÃO ESTOU... nem morto, nem vivo, nem nada.

Se estou morto e sei que estou morto (noutra dimensãono inferno, no céu, com ou sem virgens, depende da crença) é porque estou vivo, logo NÃO ESTOU MORTO.

Conclusão, 

Sempre estarei vivo !!!!!

Voltei adormecer com um sorriso nos lábios, SEMPRE ESTAREI VIVO (eu e minha lucidez)… ATÉ À ETERNIDADE e quando esta acabar … nunca saberei que acabou pois para mim ela é eterna.

Quod erat demonstrandum

PS - Viver perseguido por paradoxos lógicos é uma chatice


sábado, 12 de agosto de 2017

Comam só o que está cozido...

A propósito dos temas e discussões do tipo funciona bem-funciona mal sobre incêndios, Tancos, SIREP, escolas, hospitais, etc" recordei uma história que me foi contada por um trabalhador cabo-verdiano nos meus tempos da Lisnave.

O que ele me contou foi:

Quando era pequeno (7/8 anos) brincava cá fora e a mãe chamou-o para ir buscar uns "gravetos" para o lume, para ela fazer o almoço.
Mais interessado na brincadeira do que no pedido, agarrou tudo o que encontrou à frente e levou à mãe. Ela olhou e só lhe disse "Não tens vergonha?". Envergonhado mas interessado na brincadeira foi-se embora.

À hora de almoço, ele e os irmãos queixaram-se que a "cachupa" estava mal cozida. A mãe olhou para ele e, muito séria, disse: "Comam só o que está cozido".

Ele parou e envergonhado, não almoçou, foi apanhar gravetos. Desde essa altura, nunca, nunca mais, deixou de se preocupar em ser competente em tudo o que faz. 

Acrescentou que o aviso "Come só o que está cozido..." era algo que, de brincadeira. sempre foi dito na família quando alguma ajuda era pedida. Sorrindo disse que, ainda hoje, ele, irmãos e filhos também o fazem. 
A história fazia parte da cultura viva daquela familia.

Recordando o clima de queixas, lamentos, justificações, versões paralelas, argumentações, desculpas e acusações, esta história parece-me actual.

Ou se aprende a ser competente em tudo que se faz ou nos habituamos a "Comer só o que está cozido…" e deixamos a "sem vergonha" andar por aí à solta.

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

"Politicamente correcto", correcto ou incorrecto?

Li hoje dois artigos, Nunca lutes com um porco, Fernanda Câncio (DN, 7Ago17) e O "politicamente correcto", um embuste direitista, de A. Russo Dias (Medium, 7Ago17) e fiquei com o problema de:

Politicamente correcto, é correcto ou incorrecto?

A primeira ideia foi pensar se este conceito apareceria no século XVIII ou XIX fora dos círculos "intelectuais". Concluí que não, pois a política ainda vivia nos ghettos culturais das classes (muito ou pouco) dominantes e à procura de domínios. 
Os "populares" só se preocupavam com o comer e o dormir, e até o "escrever. ler e contar" não fazia parte das suas reocupações.

PS- Sobre este tema, um livro lido que sempre recordo: O mundo que  perdemos, Peter Laslett, Ed. Cosmo, Lisboa, 1975

Pensando no significado do "politicamente correcto", recordei outra frase da minha adolescência com um significado parecido e uma pequena diferença: "Maria vai com as outras…".

A igualdade é que ambas significam alguém que acompanha a corrente de opinião do grupo a que  pertence. Na verdade, a exclusão social sempre foi um estigma para fugir.

A pequena (e grande) diferença é que, na versão antiga, a tónica eram as preocupações sociais mas, na versão actual, a incidência é a posição política. 

A conclusão a tirar é que, desde o séc. XVIII ao séc XXI, a política saiu do "proibido social" e passou para o quotidiano normal de todos os cidadãos.

Assim, agrada-me esta nova versão e fico contente com a sua existência. Ela não é um reforço, nem uma "munição verbal", é um ponto de partida para obter conclusões políticas.

Isto significa que a sociedade a que pertenço é uma sociedade de cidadãos preocupados com política, querem saber se a ideia exposta é válida sob a sua perspectiva política e afirmá-lo depois de comparar e validar. 
Fazer a afirmação "politicamente correcto" como um "papagaio de feira" sem perceber o que diz, não invalida a frase, invalida o papagaio.

Se sabe o que diz, ao afirmar:

- "Hoje, defender a escravidão é politicamente correcto"
- "Hoje, combater a escravidão é politicamente correcto"

o conceito "politicamente correcto" torna-se um auxiliar ÚTIL para diagnóstico do seu autor.

"Politicamente correcto", elogio ou insulto

A conclusão do "politicamente correcto" ser um elogio ou um insulto depende de dois factores: como se concorda e o que se concorda.

1 - Como se concorda

- "Zézinho, come com talheres!!!", diz a mãe.

Se o Zé decide cumprir o "politicamente correcto" naquela família e o "Zé vai com os outros irmãos…" e come com talheres, então o Zé torna-se uma criança educada, quer acredite ou não que deve comer com talheres.

Se, depois, os pais dizem que ele [...come com talheres porque é o "politicamente correcto"], isso é um elogio e ninguém se preocupa em saber se o faz por acreditar ou por ser obrigado.

Todavia, para quem come com pauzinhos (chineses) isso é um insulto pois significa que é incapaz de  comer como deve ser e apenas segue o "politicamente correcto".

Nos partidos políticos, da esquerda à direita, acontece exactamente o mesmo. 
A mesma acção e a mesma classificação de "politicamente correcto" dita pela direita é um elogio (i.é., pessoa digna) mas dita pela esquerda é um insulto (i.é., papagaio de feira)… e vice versa.

2 - O que se concorda

- "Zézinho é esperto como um burro !!!", diz a mãe.

Isto é elogio ou insulto ?

- "Zézinho é esperto como uma raposa !!!", diz a mãe.

E agora, isto é elogio ou insulto ?

A única diferença existente é entre burro e raposa. Para quem pensa que o burro é uma animal inteligente e leal será um elogio e que pensa que a raposa é um animal matreiro e falso será um insulto.

No conceito "politicamente correcto" acontece o mesmo, a diferença não está nele mas naquilo a que se refere. A questão central é saber "politicamente correcto DE QUÊ e EM QUÊ" ??? 

- "Hoje, defender ...bla, bla,bla,... é politicamente correcto"
- "Hoje, combater ...bla, bla,bla,... é politicamente correcto"

Se este "bla, bla,bla"  não é claro não é elogio nem insulto… é só parvoice instalada.

Mesmo o simples facto do "politicamente correcto" só facilitar ou dificultar acções políticas em curso, a questão tem sempre que se colocar, "QUAIS ACÇÕES POLÍTICAS??", acções de prisões indiscriminadas e linchamentos ou de julgamentos legítimos?

NÃO "Politicamente correcto"


- "O meu primo está em Paris". A informação, quer seja pouca ou muita, é clara e útil, sabe-se onde o primo está e sabe-se onde não está.

- "O meu primo não está em Paris". A informação tem 0,0001 de utilidade, pois não se sabe onde está e, excepto em Paris, pode estar em milhares de sítios possíveis. É apenas uma "informação de complemento".

Do mesmo modo, dizer "é politicamente correcto" fornece informação útil se for trabalhada correctamente. Mas, dizer "não é politicamente correcto" é um "cheque em branco" sem qualquer garantia.

Essa afirmação apenas nos diz o que se recusa mas nada diz sobre o que se quer… sabe-se do que se afasta mas não do que se aproxima. Todos os projectos políticos de base ANTI têm esta característica. Como exemplo na História recente, há várias lutas ANTI ditadura A que originaram PRÓ ditadura B.

PS- Concertações e consensos sociais de base ANTI são, normalmente, cheques em branco sem garantias, com alta probabilidade de se "fugir do crocodilo para cair no jacaré". 

No caso de uma campanha política baseada em movimentos anti-politicamente-correcto, dadas as habituais emotividades detonadas e a indefinição de objectivos pró é, de forma clara, o mundo do infantilismo de cidadania
Sabe-se o que-não-vai-acontecer mas não se tem a mínima ideia do que-vai-acontecer, e são milhares de probabilidades.

Em conclusão, 

concordo com o conceito "politicamente correcto" e o seu uso operacional mas o conceito "não politicamente correcto" é apenas um "placebo lógico" para encher vazios argumentativos.


domingo, 6 de agosto de 2017

Democracia e "proximidade"

No café, uma mãe e dois irmãos, ela (5/6 anos) traquinava na esplanada, ele (10/11 anos) traquinava no telemóvel.
A mãe preocupada, queria que ele acompanhasse a irmã, mas ele não estava interessado. Então, a mãe disse:
- É importante, vais ser o "anjo da guarda" dela…!
- O que é um "anjo da guarda"? - perguntou ele.
- É uma espécie de detective que espreita para ajudar!, ... e convenceu-o.

Tive um choque. De um lado para o outro, na minha cabeça saltitavam as ideias, ditadura, democracia e "anjo da guarda" tudo misturado com dois irmãos felizes, passeando.

Percebi e acalmei. Sociológicamente, tratava-se do uso da proximidade, quer seja psicológica (empatia, simpatia,..) quer seja física (companhia, relação,..), e que pode ter um uso positivo (apoio, liberdade,…) ou negativo (recusa, bloqueio,..).

Na prática, a diferença entre ditadura e democracia resume-se a diferenças na proximidade

ditadura baseia-se no uso da proximidade negativaPolicias secretas e informadores disseminados "à espreita" para controlar, prender, bloquear pessoas; militarizados espalhados nas ruas "à espreita" para enquadrar, obrigar, inactivar pessoas; instituições "à espreita" para impedir, anular, "bagunçar" alternativas diferentes que, então, se chamam Oposições; etc.

democracia baseia-se no uso da proximidade positivaTécnicos disseminados "à espreita" para apoiar, ajudar, tratar pessoas; profissionais em prevenção nas ruas "à espreita" para orientar, socorrer, encaminhar pessoas; instituições "à espreita" para fomentar, recolher, estruturar outras alternativas  e soluções diferentes que, então, se chamam Parcerias; etc.

É impensável numa Ditadura, uma pessoa ir "bater à porta" da instituição e dizer "Eu tenho outra ideia, façam o vosso trabalho… prendam-me". Na Ditadura, o que é real é ela ter clandestinos espalhados pela sociedade para ir a casa dessas pessoas e "apanhá-las". Numa palavra, é o uso, em pleno, da proximidade negativa.

Mas na actual Democracia sucede o contrário. São as pessoas que vão "bater à porta" da instituição e dizem "Eu tenho uma necessidade, façam o vosso trabalho… ajudem-me". 

Na verdade, isto é não-proximidade positiva, é apenas disponibilidade positiva. 
Como exemplo, se o conjuge não der afectividade aos filhos (e à mulher) mas apenas o fizer quando vão ter com ele e lha pedem, isto não se pode chamar proximidade afectiva mas apenas burocracia afectiva, muitas vezes com rotinas instaladas, entrada e saída de casa, etc.

Em conclusão

Esta Democracia é do tipo "faz-de-conta", pois é apenas uma "NÃO-Ditadura" sem chegar a ser Democracia. Na verdade, ela não contém a proximidade positiva que a define.

Actualmente, apenas as campanhas eleitorais e as crises fazem aparecer "fogachos" de proximidade positiva (abraços, beijos, choros, risos, ...) mas depois tudo regressa à burocracia de proximidade Kafequiana tipo "espera e vai-te embora!!" (vide filas de espera nos locais de apoio).

PS - Posso não saber o que se passa na Venezuela (Julho 2017), nem saber quem tem razão, mas posso procurar descobrir quem não tem proximidade positiva e quais as formas e intensidades da proximidade negativa.
ps1- As ditaduras têm votações e comícios "democráticos", portanto, essas evidências não provam nada. A lógica é procurar, principalmente, O QUE NÃO EXISTE e não listar o que existe. 



quarta-feira, 19 de julho de 2017

O segredo das zangas

Referência: Pinçamentos "Zanga de namorados"

Como ponto de partida, um vídeo (20s) de uma situação simples com, e sem, diálogo afectivo entre duas pessoas:


As diferenças apresentadas poderão ser esquematizadas por:

1- Sem diálogo afectivo:


Quando, estando ao pé um do outro, ficam isolados como dois estranhos, sem comunicação de emoções sentidas.  É a situação tipo que origina o sentir de […estou só, não falas comigo e pões-te a ver TV…].


2- Com diálogo afectivo:

Pelo contrário, quando atentos ao exterior, simultaneamente, comunicam emoções sentidas mantendo uma "conversa" de interacção afectiva. É a situação tipo que origina o sentir de […ver TV contigo, faz-me sentir bem e com companhia…].

Aparentemente as diferenças parecem desprezáveis e invisíveis, porém de forma não-consciente são perceptíveis e afectam. Qualquer conversa tem sempre dois planos, o conteúdo e a relação, e os seus diferentes equilibrios originam consequências distintas.

Por exemplo numa recruta militar, o instrutor a par das ordens dadas para cumprir, injecta também um estilo de relação "impositiva" para aceitar.
Do mesmo modo num namoro, os apaixonados com a relação afectiva enviam também conteúdos (actos) implícitos a aceitar.

Por outras palavras, o "diálogo" na recruta tem a tónica no conteúdo e a relação vai de boleia, no namoro o foco está na relação e leva actos "entrelaçados".

Todavia, apesar desta aparente simplicidade, o processo não é óbvio na sua distinção de fins e meios. Na recruta, através de ordens (conteúdo), o objectivo principal pode ser educar para a obediência e  submissão (relação). Por sua vez no namoro, a relação pode ter como objectivo não a troca afectiva mas a realização do acto de procriar (conteúdo).

A lógica é simples. Todos nós nos relacionamos emitindo-recebendo, simultaneamente e entrelaçados,  significados cognitivos e afectivos mediante sinais verbais e não-verbais. Estes sinais devem (e serão) interpretados por dicionários linguísticos e afectivos previamente instalados que criam emoções e impulsionam decisões.

Ad extra ------
Nesta perspectiva, a política é sempre um jogo de palavras com o objectivo de detonar emoções, daí as palavras de ordem serem impulsor afectivo e não cognitivo.
Entre o "discurso democrático clássico" e o "discurso populista" a diferença é a alta manipulação afectiva que este faz, ultrapassando ou perto da linha vermelha do irracional.

Há culturas partidárias com discursos habituais nesta linha vermelha, quer sejam políticos, religiosos, clubistas, sociais, etc.
O problema é a transferência de hábitos "populistas" de uma área para se aplicar noutra, por ex. entre desporto (claques), políticos (partidos), religiosos (seitas), sociais (e/imigrantes), etc.

Sociologicamente, devem ser tratados com estratégias de "epidemia cultural" com seus "vírus" e sua contaminação. A questão não é o "populismo" estar conspícuo numa sociedade, a questão é se ele "estupidifica" a sociedade ou, numa linguagem menos emotiva, se ele educa a sociedade nesse sentido e disto há exemplos Históricos recentes no século passado e neste.

fim Ad extra ------


É esta integração cognitiva-afectiva […se não lavas as mãos, não gosto de ti…] que á base das culturizações familiares, militares, religiosas, políticas, etc. O esquema base é:


Os dicionários linguagem e afectivos podem ser iguais ou diferentes. No esquema apresentado, por exemplo, os idiomas poderiam ser chinês e português e os afectos serem de afectividade contida ou expressa.

Em resumo, uma conversa é uma transmissão de sinais verbais e/ou não-verbais que actuam por estimulação de significados. Para esta estimulação acontecer é preciso existir uma inserção prévia de "dicionários" que faça a "tradução" no cognitivo de incompreensível para compreensível e no afectivo do neutro para emocional.

Se esses dicionários não existirem, ou forem errados, a recepção e sua resposta ficarão com "bugs", susceptíveis de criar zangas. Como exemplo, uma simples rotação de pulso basta para estimular  emoções diferentes entre a cultura americana e a inglesa/australiana.
Um pequeno lapso cultural USA-Austrália:


Em cada um de nós, estes dois níveis entrelaçados são uma parceria para a vida inteira, instalam-se, mudam, evoluem.
Na escala temporal, o nível afectivo é primeiro na sua criação e desenvolvimento pois o idioma verbal só começa a ser operacional pelos dois anos de idade com a etapa do "falar".

O idioma não-verbal é anterior, por exemplo e segundo Spitz, o sinal de "sim" e "não" com a cabeça é enxertado na afectividade pelo mamar no seio materno. Se perde o seio procura-o com movimentos laterais, originando o "não, quando o encontra chupa o leite com movimentos verticais, significando o "sim".

Mais interessante é a ideia de que a criação de significados emocionais parece começar antes do nascimento, pois durante a gravidez há uma ligação por cabo mãe-filho com possíveis "formatações" afectivas. Todavia a influência do pai é posterior pois só o faz com ligações wireless😎 depois do nascimento.

Estes dois níveis desenvolvem-se, interagem e adaptam-se ao longo da vida e estão sempre presentes e bem activos em todas as conversas. Eles são um produto do útero biológico (genes) e do útero social (aprendizagens) portanto a sua variabilidade é grande em seus conteúdos e equilíbrios e é nesta variabilidade que se encontra a génese da sintonia (amor?) e da divergência (zangas?) na vida de parcerias.

Quando um professor diz "- Esta criança não tem jeito para inglês", isso significa que ele tem fé na cegonha de nunca entregar na China

... crianças sem jeito para chinês, nem na Alemanha... crianças sem jeito para alemão, etc, portanto aqueles pais terão que, felizes, de agradecer à cegonha não ter levado o  filho para Inglaterra onde seria mudo.

Em apoio da "fé na cegonha" está o facto de que as crianças aprendem a sua língua nativa sem precisar de  professores diplomados, pois só o contacto social é suficiente… todos têm jeito. Esta facilidade é uma prova clara da "eficácia da cegonha".

Do mesmo modo, todos temos jeito para amor (sintonias) e zangas (aversões) e, à semelhança do idioma, também o formato afectivo nativo se adquire por contacto social. Desde a nascença que as culturas usam diferentes modos relacionais provocadores de sorrisos e/ou birras, com o reforço das "habituais" respostas recebidas.
Queiramos ou não, desde bebé a "educação por osmose" faz a sua função.

Uma questão interessante é saber […até onde na educação dos filhos se reproduz a educação recebida pelos pais dos seus pais…]… e isto não é uma imposição determinista é apenas uma opção possível.

Na verdade, a osmose cultural (família, escola, sociedade, etc) é a grande educadora do dialecto afectivo que mais tarde é usado (em forma directa ou anti) no amor e no casamento.

Cada um de nós "ama" com o dicionário afectivo culturalmente injectado e os diversos "Romeus e Julietas" nem sempre coincidem nas suas "traduções emocionais". Por sua vez, e eventualmente, a própria palavra com sua compreensão cognitiva arrasta diferentes compreensões afectivas. Exemplo:

1º exemplo cognitivo-afectivo

 I love my shoes… I love my dog… I love my bride, ou seja em português:
Eu amo os meus sapatos… Eu amo o meu cão … Eu amo a minha noiva.

Aparentemente numa tradução directa, ama-se igualmente os sapatos, o cão e a noiva. Todavia, a alternativa é que as conotações afectivas da palavra "love" em inglês não são as mesmas da palavra "amo" em português. A aprendizagem de um idioma implica apreender as conexões afectivas de suas palavras, devendo as alternativas ficarem em "standby" dependendo do uso.

Um caso, talvez claro e interessante, é o "making love" traduzido em português por "fazer amor" mas cuja tradução é a mesma para "doing love" que, numa tradução livre, se poderia dizer "ginástica sexual".
Culturalmente, o facto de se usar a mesma palavra com os dois significados afectivos diferentes pode originar "miscelâneas" afectivas :

- fazer amor com esposa adorada e fazer amor para ganhar dinheiro;
- fazer amor por apaixonado e fazer amor por dever conjugal;
- fazer amor por afecto e fazer amor para procriar, etc

ou em casos mais confusos:

 I love Mary… I love Lucy… (Eu amo Maria… Eu amo Lúcia…)

Hum…Hum, estamos a falar de um bígamo? ou de um incesto? ou de…etc.
A questão é saber qual dos "love" (amo) tem conotações sexuais. Tudo fica claro se se explicitar as diferenças afectivas da palavra "amo":

Eu amo minha mãe Maria… Eu amo minha noiva Lúcia, ou

Eu amo Maria… Estou apaixonado por  Lúcia… 

2º exemplo cognitivo-afectivo

Um pai tem uma filha adolescente e um amigo diz-lhe subitamente:

- O João foi com a tua filha prá mesa!!! Possivelmente, o pai encolhe os ombros e desinteressa-se.

O João foi com a tua filha pró sofá!!!  Possivelmente, o pai levanta as sobrancelhas e interessa-se.

O João foi com a tua filha prá cama!!! Possivelmente, o pai levanta as mãos e Grrrr!!!.

O dicionário afectivo das frases funcionou diferentemente ao ser dominado pelas traduções afectivas de mesa, sofá, cama. Porém, o filho Manel (10 anos), como não faz diferenças afectivas nessas palavras, tem reações emotivas iguais nos três casos.

Todavia, na segunda alternativa, o pai pode activar uma pergunta cognitiva "- A TV estava ligada ou desligada?" e em função da resposta criar diferentes emoções.

Na terceira alternativa, se o pai tiver o dicionário afectivo acrescentado com a recente informação: "Casaram a semana passada", a emoção também será outra.

3º exemplo cognitivo-afectivo

O objectivo de uma conversa é a troca de sinais com intenção de inserir determinado significado.
Quando se desconhece o chinês, a mensagem será de meros sons incompreensíveis e as emoções serão confusão e desamparo:


Possuindo conhecimentos do idioma chinês, a frase significa "É o meu tigre" e é conectada com o barulho na sala ao lado. 
Todavia, como desconhece que animal é o "tigre" e apenas se recorda de cães, gatos e burros, a emoção será curiosidade e expectativa do que irá aparecer com aquele som:


Todavia se, no jardim zoológico, as experiências infantis com tigres foram más, isso incorporou um tradutor afectivo negativo ainda hoje activo (trauma??) pelo que é invadido por puro terror:


Relações amorosas

As relações amorosas vivem da conversa afectiva, isto é, da sintonia entre sinais emitidos e significados percebidos.
Quando esta sintonia desaparece, o diálogo amoroso transforma-se em diálogo de surdos em que se fala mas não se ouve. No plano afectivo, esta "surdez afectiva" nunca é neutra pois só a perda da conexão afectiva é suficiente para a destruição da relação com interacções disfuncionais.
Exemplo:

O João na sua infância quando estava triste era envolvido em afecto através de palavras e actos, histórias divertidas e/ou instrutivas, mudanças de perspectiva e "esquecimento" com novas situações. 
A Maria, pelo contrário, era acolhida em quietude psicológica e física, proximidade, abraços e beijos.

Numa crise da Maria, se o apoio do João for baseado no seu próprio padrão afectivo, ele esforçar-se-á por verbalizar o seu amor e carinho, recordar memórias amorosas e futuros desejados, acrescentar um rodopio de jantares e passeios para "esquecimento" e catarsis. 



Porém, quanto mais apoia... mais piora e aumenta a emoção de solidão e afastamento da Maria e fá-la sentir que […não é importante para ele…]. Na verdade, aquele apoio estaria a "falar" um dialecto afectivo desconhecido e sem qualquer significado para ela, seria apenas ruído.

O mais grave é essa "cacofonia" agravar a solidão e a falta de companhia, transformando o João "salvador" em João "perseguidor" e a Maria, na sua posição de "vitima", precisar fugir, isto é, divórcio. 
[análise com uso de conceitos do modelo "triângulo dramático"]

 A solução seria falar o dialecto amoroso dela ou  "...para já… calar-se e abraçá-la".

Neste exemplo, a questão importante é saber porque só agora, ao fim de 4 anos de casados, este quid pro quo aparece.
O senso comum com sua sabedoria explicará "- É o cansaço normal do casamento!".
Talvez "sim", talvez "balelas"! Há mais factores em jogo.

Não é fácil Romeus e Julietas encontrarem-se e terem logo uma alta sintonia de padrões afectivos.
A "TAL pessoa única", marcada pelo destino como alma gémea, poder aparecer à porta, tocar a campanhia e casarem… é uma crença igual a acreditar no Pai Natal.

Na prática, há milhares de pessoas com percentagem significativa (média??) de sintonias afectivas, das quais algumas centenas encontrar-se-ão no espaço social de vida pessoal... escola, trabalho, transportes, turismo, etc.

Circunstâncias aleatórias originam encontros e contactos. O importante é o que acontece depois, ou seja, usa-se e abandona-se ou desenvolve-se e potencia-se?
Qualquer que seja a continuação, socialmente estão padronizadas fases de continuação: namorico, namoro, noivado, casamento, divorcio ...ou rotina conjugal ou até-que-a-morte-nos-separe ou amantes ou etc.

Resumindo,

Há uma circunstância aleatória de contacto com um mínimo de sintonia amorosa, depois a opção é simples: a par da vivência dessa sintonia inicial, deixar-se-á degradar com zangas ou procurar-se-á potenciar com acordos?

O senso comum responde e explica "- Nada a fazer, a degradação é o cansaço normal do casamento". 

Porém, há outro factor em jogo: É a lógica da espécie humana.

Por um lado, a lógica do "casa, descasa e recasa" tem vantagens pois aumenta a  diversidade genética da reprodução e, portanto, cria maior a riqueza genética na espécie.

O efeito Coolidge aprofunda este aspecto. Ele refere-se a uma espécie de "imã genético" que atrai um macho para uma fêmea. Simplesmente, depois do efeito "hormonal" ser usado, ele perde interesse sexual e descansa.
Porém se minutos depois aparece uma fêmea diferente, o "imã genético" activa-se, hormonas reactivam-se e o macho fica pronto para reprodução. O exemplo clássico é o do galo sempre a galar galinhas ...se diferentes.

Todavia, a lógica da espécie humana não facilita o efeito Coolidge pois nela a atracção reprodutiva (sexual) é função do "imã genético" e do "imã afectivo". 

Segundo G. Lapassade, a espécie humana tem um problema de sobrevivência diferente do das outras espécies.
O ser humano quando nasce está imaturo e incapaz de sobrevivência pelo que precisa de um útero social para acabar de maturar e obter independência.
É uma espécie de bolsa marsupial mas social, ou seja, não é um contentor biológico mas um contentor relacional de essência afectiva.  É uma empatia social que fornece e garante recursos de sobrevivência a partir da espécie.

Este factor também existe noutras espécies mas não não tem a complexidade, dependência, quantidade e aprofundamento da transformação que provoca nos humanos.
Por outro lado, este "apoio" da espécie aos seus membros tem efeitos contínuos, possibilitando recursos de manutenção e desenvolvimento não só aos mais jovens como aos mais velhos. Na linguagem vulgar  esse apoio chama-se "civilização".

Quando um individuo tem esse recurso "civilização" pouco disponível chama-se ser pobre e não tem condições de usufruir Educação, Saúde, comida aquecimento, etc; se tem esses recursos disponíveis chama-se ser rico.
Para colmatar esta diferença há várias soluções desde a caridade (esmolas, partilhas, apoios, etc) até violência (roubos, guerras, saques, etc), ou por aplicação de princípios políticos (planos sociais de socorro, expulsão de indivíduos, ghetos-muros de exclusão, etc) e de crenças culturais (racismo, meritocracias, etc).
Esta exclusão do recurso "civilização" também é usado como castigo e/ou "ensino pela negativa" mediante  prisões, isolamentos, expulsões, etc.

Na verdade, se comparado com outras espécies, o tempo de maturação de 15 a 20 anos no útero social numa vida de 50/60 anos, representa uma elevada percentagem e um factor de grande importância para sobreviência quer da espécie quer de grupos e individuos.

in brevis------
A espécie humana precisa do "útero social" para sobreviver, esse útero social precisa da energia da empatia social, a empatia social é uma rede de afectos que fomenta pertença, coesão e apoio.

Na lógica da espécie humana, a sua perenidade precisa do "imã genético" para nascimentos e do "imã afectivo" para sobrevivência dos recém-nascidos. Como nascimentos sem sobrevivência não "salvam" a espécie, geneticanente(??), o "imã afectivo" não deixa o "imã genético" à solta quer na procriação quer nas relações.

Mas esta interdependência traz outro problema.

fim in brevis------

Aprender e sintonizar afectos para procriar por "making love" (sexo e relação) exige tempo, portanto, sob o ponto de vista da sobrevivência da espécie, não é operacional.
Neste ponto de vista, outras espécies com a solução do cio, "doing love", (sexo comitatus solitudo, masturbação acompanhada)  têm um sistema mais rápido e prático.

O truque "genético" utilizado é inteligente e funciona bem para conseguir o equilíbrio necessário entre o urgente (procriação) e o fundamental (empatia social).

Resume-se a injectar na relação um tradutor universal de afectos que permite "encaixar" emotivamente a relação, passando de processo lento a rápido e obter também uma procriação de processo rápido (os célebres 7segundos da ejaculação).
Segundo alguns bioantropologos, na pré-História, os "7 segundos" era o que conciliava a procriação com uma fuga rápida em caso de perigo ou instabilidade.

Este "tradutor universal de afectos" chama-se hormonas sexuais, tipo "fast food", que prioriza sinais de consumo rápido para sintonia afectiva […é querido porque parece o Zé da telenovela…] e […é amorosa, igual à capa do PlayBoy…]. 

Um minuto depois está tudo resolvido:

3 seg. para "concordâncias", 40 seg. para "entretantos", 7 seg. para "consequentes" e 10 seg. para "comprometimentos" [...és o meu profundo amor conhecido mesmo agora].

Este "tradutor universal" limita-se a empolar sinais com afectividade positiva, bloqueando ou escondendo aspectos negativos […não gosto muito, mas…] e empurrando-os para debaixo do tapete.
A linguagem afectiva que fica dominante é a conversa de hormonas com o seu discurso protocolar clássico […vê-se depois, agora a conversa é outra…]:


Por estudos realizados este "tradutor universal" mediante linguagem sexual só parece funcionar bem durante três a cinco anos (lua de mel??), após os quais surge um período com a mais alta percentagem de divórcios.

Mas, EXISTE OUTRA HIPÓTESE

No período activo do tradutor universal com o domínio das hormonas sexuais (imã genético) o imã afectivo das sintonias emocionais não está inoperativo, ele mantém activa a percentagem inicial de sincronismo.

No período de lua de mel,  dominado pelas hormonas sexuaisa par das actividades inerentes a este período o que poderia (e deveria) acontecer era desenvolver e potenciar a sintonia dos afectos iniciais procurando continuamente aumentar a sua integração.
Assim, obter-se-ia uma elevada compreensão no diálogo entre os dois dialectos afectivos fora da "muleta" do curto-circuito sexual facilitador:

…até que a morte nos separe...
O normal habitual é tudo funcionar ao acaso.
Nuns casais é "acaso sim" em que o namoro se prolonga até à velhice, noutros é "acaso não" com divórcios variados ou com burocracias conjugais estáveis de vários tipos (rotinas, amantes, consumo, dinheiro, etc) excepto sintonia afectiva.

Basicamente é o mesmo processo de correr em que há uns que correm e outros que aprendem a correr bem, o acaso sim ou acaso não de pôr um pé à frente do outro ...não chega.
Namorar é o mesmo, não basta dizer palavras e a isso chamar "conversar", ou andar de mão dada e a isso chamar "passear".

Tudo se centra em empatia e sintonias. O segredo está nos detalhes. Até talvez não seja difícil porque, estatisticamente, parece que na cultura ocidental os padrões afectivos existentes resumem-se a cinco estilos base.

Um possível auto-teste para casados:

- Indicar três diferenças (entre parceiros) nas respostas afectivas que deseja/precisa quando em crise. Depois converse e confira.

… e já agora... o que acontece com cada filho?
 PS- Esta pode ser feita em conjunto "pai-mãe".

Uma zanga

O José e a Maria casaram. Entendem-se na linguagem (conteúdos) verbal e não-verbal mas a nível de dialectos afectivos têm des-compreensões.
O José vive bastante bem com contextos afectivos, de proximidade e contacto, mas distrai-se e aborrece-se nos "palavreados" e, segundo as suas próprias palavras, "precisa de gastar energia".
A Maria, pelo contrário, gosta de manter alguma distância, de trocar ideias e ficar "embrulhada" nos seus pensamentos como ela própria se define, brincando.

Durante o namoro e lua-de-mel tudo correu bem mas agora, passados 5 anos, e com dois filhos pequenos, a falta de tempo e disponibilidade provoca lamentos de solidão [… já não é como dantes…]:


Outro dia, o José regressou do emprego algo "amachucado". Assim, que abriu a porta a Maria notou que havia problemas. Triste, o José pensava em abraços e aconchego e a Maria preocupada pensava apoiá-lo com o sossego de uma conversa amiga.
Assim, ela acompanhou-o à sala, disse-lhe para ele descansar um pouco que ela já voltava para conversar:

Ele sentou-se, olhou à sua volta, estava sozinho, não sabia que fazer e mergulhou na sua tristeza sentindo-se abandonado:
Passado algum tempo, ouviu os filhos entrar em casa e acompanhados pela mãe foram ter com ele.
Rapidamente, a Maria percebeu que ele estava pior, pensou que aquela barafunda não o ajudava e  levou os filhos com ela para o pai poder descansar:

Agora, o José além de sozinho sentiu que era recusado como se tivesse "peste", estava isolado de tudo e todos pois nem os filhos podiam ficar junto dele. A irritação aumentou.

A Maria continuava preocupada pois sentia que ele não melhorava. Foi espreitar e não teve dúvidas de que não conseguia o sossego necessário. Assim, sem fazer barulho, fechou a porta devagarinho porque os filhos brincando na cozinha faziam muito barulho.


Sozinho, isolado e a família toda junta divertindo-se na cozinha uns ao pé dos outros, ele sentiu-se estar preso, e "enjaulado".
Não aguentou mais e vermelho de irritação, saiu da sala e entrou "rosnando" pela cozinha a dentro:


Não foi fácil sair deste "carrossel" e a Maria chorando dizia: "- Em casa dos meus pais, a minha mãe sempre fez assim e ao jantar tudo estava bem".

Pois é, por "osmose familiar" tinha aprendido um dialecto afectivo errado para actuar em crise no seu próprio casamento.

O ridículo da zanga é que, a brincar, os dois diziam as suas diferenças (proximidade versus verbalização) mas nada concluíam. A sua cultura de senso comum é que mandava "- O casamento é mesmo assim, depois há que aguentar".

A solução era simples. Se a crise era da Maria, o José tinha que a deixar acalmar e depois conversar com ela, gostasse ou não de conversar. Abraços e beijinhos estavam fora de "hipótese".

Se a crise era do José, a Maria tinha que o aconchegar, abraçar, fazer companhia sem "intelectualidades" por muito que lhe apetecesse fazer. Ficar sozinho para acalmar e fazer conversas de missionação estava fora de "hipótese".