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quarta-feira, 2 de abril de 2014

Novo Partido e o Porquê, Para-quê e Como

Referência: Blogues anteriores (clickar),
1 -  Há dois estilos de relação, qual é o seu?,  de 24 Mar 2014;
2  - (cont.) O Porquê e o Para-quê na vida,  de 27 Mar 2014.


Aderir a um partido é como começar um namoro:

Uma história:

A filha foi ter um primeiro encontro.
Quando chegou a casa, a mãe perguntou-lhe:
- "Então como correu?"

A filha respondeu:
- "Correu bem. Conversámos e ele disse que tinha um carro descapotável, uma casa no Algarve e outra no Minho, que ganha bem, tem muitas festas VIP e passa sempre férias no estrangeiro.
Depois contou muitas histórias sobre isso. Foi agradável."
Depois perguntou à mãe:
- "O que achas?"
A mãe respondeu:

- "Como negócio parece-me muito bom, mas para criares laços para a vida inteira, parece-me fracalhote!"

Realmente, pôr em cima da mesa uma colecção de Para-quê's e Como's é uma boa técnica de negócios de curto-prazo ou participações "bate e foge", mas não funciona para compromissos de implicação a longo prazo e intensa participação. É um jogo de manipulação, não de inspiração.


Luther King, com o seu "I have a dream" […e não "we have a dream"] fez História, pois mobilizou milhares de pessoas com profunda implicação e intensa participação, que deram energia, vontade e dedicação sem desfalecer.

Isto não era o Para-Quê do movimento (ou seja, o não racismo) nem o Como (isto é, a unidade), era o Porquê da sua posição e das acções em que estava envolvido. Não era uma carta negocial nem uma proposta de vantagens, lucros ou benefícios era a causa que o fazia estar ali.

As adesões não aconteceram porque seguiram o sonho dele, mas sim porque foram inspiradas a viver isso como um sonho pessoal de mudança do status quo pessoal. Não foram seguidores do sonho de um lider, foram cúmplices nessa crença. Não foi um negócio lucrativo, foi uma pertença a um estilo de vida com os riscos e responsabilidades inerentes.
Porquê ?
Porque reconheceram que aquele sonho também era deles, porque partilhavam a mesma crença, porque viveram a mesma pertença, porque a emoção desse desejo também viveu neles. 

Uma participação política não é um negócio tipo supermercado (por muito válido que seja), do mesmo modo que um namoro também não o é.

Ao longo da História, desde o Viriato até ao 25 Abril, a cultura portuguesa sempre foi uma cultura de pertença e não de manipulados, sempre "pensou" de dentro-para-fora  e não de fora-para-dentro, nunca fomos alunos-cumpridores de Romanos, Leão & Castela, Espanhóis, Franceses e do próprio Nazismo, que não tiveram aqui vida fácil.

Uma opção e participação política é um compromisso com um porquê, com a causa que fundamenta a acção, com a energia e vontade de alterar um status quo. É daqui que saem inovações dos Para-quê's e dos Como's e não vice versa.


Aquando do 25 Abril, o Para-quê e o Como estavam nebulosos, mas o Porquê era claro.

Não existiam políticos com o trabalho de "ensinar" Para-quê's e Como's, nem eram precisos, pois passeando nas ruas conversava-se com desconhecidos à janela e a emoção de pertença à mesma causa criava partilha, semelhante ao estado de espírito vivido na multidão que acompanhava Luther King.

Depois todo esse "abraço colectivo" se PARTIU em Partidos e começaram as lutas dos Para-quê's e dos Como's, substituindo a união de solucionar problemas e os Porquê's foram desaparecendo. A luta política criou o negócio político.

PS - Durante algum tempo ainda havia Porquê's negativos sob a forma de ANTI-qualquer-coisa, afim de manipular alguma emoção pela negativa (a chamada filosofia da desgraça), mas repare-se que Luther King não diz que tem um pesadelo para lutar contra, diz que tem um sonho para construir… pois com os anti-pesadelos não se vai longe.

Entretanto, nos dias de hoje, bisbilhotando textos de vários partidos, PSD, PS, PC, CDS, BE, etc, encontro, como causas para as adesões, muitos Para-quê's e Como's mas Porquê's é difícil encontrar… [na analogia do namoro… é como querer que alguém se apaixone porque mostra (ou deseja) muito dinheiro e um automóvel caro].


Os Partidos

Tudo mudou bastante desde esta época:


e os problemas e soluções também mudaram. Qualitativamente, a cultura-base do cidadão alterou-se bastante e quantitativamente a acção política passou de alguns milhares para milhões de pessoas…mas o modelo de participação política partidária continuou o mesmo.

Um novo factor social entrou no jogo político pois, para além das tecnologias de informação social, por exemplo, a Televisão, surgiram também as tecnologias de comunicação instantânea, por exemplo, as redes sociais que invadiram as sociedades:


Se se analisar o modelo tradicional dos Partidos com a lupa do "Porquê, Para-quê, Como", poder-se-á encontrar aspectos para pensar.

Para-quê

No plano operacional é para ser governo, isto é, para colectar dinheiro e gastar dinheiro.
Porém, como plataforma justificativa e orientadora para os gastos a fazer, tem sempre um para quê ideológico, a funcionar como critério das decisões de gastar o dinheiro e atractivo para as adesões ao partido, justificando-as. 
Em resumo, o para quê ideológico do partido diz que ele existe para construir a:

- social democracia; ou
- democracia social; ou
- democracia popular; ou
- popular democracia; ou
- marxismo democrático; ou
- marxismo social; ou
- democracia cristã; ou
- cristã democracia; ou
- liberal democracia; ou
- democracia conservadora; ou
- esquerda socialista; ou
- direita do centro; ou
- centro da direita;
- etc…que, como exercício de marketing é criativo, mas na prática é um "falar ao vento".

As alternativas são imensas e variadas, nunca se sabe bem o que é e como depois lá dentro existem as chamadas sensibilidades consentidas, isto é, variedades que se discutem e não alteram nada, mas permitem que os sonhos ideológicos vendidos sejam centenas.

Como

O "Como" é o aspecto prático fundamental pois é ele que, há perto de dois séculos (XIX e XX), tem sustentado a existência e a permanência dos partidos.

Tudo se centra em torno das decisões práticas do "Como fazer" e as ideologias seguidas não dão critérios operacionais para o definir. Por outro lado, qualquer que seja a decisão, a concordância de todos é necessária ou pelo menos a sua não-discordância.

A solução é óbvia, elege-se quem decide (poucos) e todos os outros aceitam (muitos), depois a disciplina da obediência partidária anula discordâncias.

É interessante que numa organização de essência igualitária o primeiro acto da sua constituição é criar desigualdade igualitária. É uma espécie de humor perverso [...para se ser igual tem que se ter desigualdade], ou [...todos somos iguais, mas eu sou diferente, sou o superior dos iguais]. Depois chamar-se Presidente, Secretário-Geral ou Geral-Secretário é como acreditar no Pai Natal porque se chama e mascara de Pai Natal.

Porquê

A resposta a esta pergunta é a chave da adesão, à semelhança de iniciar um namoro. Extremando posições, a adesão pode ser por despertar uma Inspiração que altera o status quo sentindo renovação, ou por sofrer uma "cirurgia" por Manipulação que não altera o status quo e traz consentimento. Na prática, este segundo caso não responde ao Porquê mas embrulha-o em Para quê´s que o mascaram.

 O Porquê é sempre uma emoção relacionada com a acção, porque é ele que vai detonar energia emocional para a executar e obter os Para quê´s.


Scenius em substituição de génios

Encontrei um conceito, Scenius, muito interessante e que é uma espécie de "Genius" colectivo.
Criado por um músico inglês Brian Eno (ver Kevin Kelly, Steven Johnson), pode ser definido como o Génio comunal, ou seja, uma rede a pensar em colectivo:

Diz Brian Eno:
Scenius
representa a inteligência e a intuição de uma cena cultural.
É a forma comunal do conceito de génio.
Diz Kevin Kelly:

Scenius é como o génio, apenas está incorporado numa cena e não em genes. 
Para Brian Eno a palavra transmite a criatividade extrema que grupos ou "cenas" podem gerar. 
Indivíduos imersos em scenius produtivo irão florescer e produzir um melhor trabalho. 
Impulsionado por scenius age-se como génio ao ser inspirado pelos seus pares e por todo o ambiente.

Numa palavra, scenius são homens/mulheres comuns que funcionam como génios se partilham, pertencem e vivem uma cena cultural. Parece-me uma boa e fácil definição de partido se extrairmos do actual modelo o negócio da manipulação "engajadora" e a repressão do autoritarismo com a disciplina democrática partidária… que matam qualquer semente de scenius e/ou genius.

Por outro lado, no mundo da participação política, parece-me ser o tipo possível de software cultural a usar no actual hardware das tecnologias de comunicação instantânea, vulgarizado como redes sociais.

Na prática, o Scenius não é uma novidade, mas talvez tenha que ser uma inovação. As suas regras base são:



bem diferente dos actuais modelos em uso na cultura partidária e política.

Os Cafés são a “a internet da era iluminista”, diz "The Economist".

O que isto quer dizer é que os Cafés sempre funcionaram como situações de Scenius, um local onde a conversa fluía, onde nasciam encontros para trocas de ideias e na prática funcionavam como Redes Sociais ao vivo.




Desde o Café Foy em Paris onde, no século VXIII, nasceram e se corporizaram os ideais democráticos...






… até ao Café Brasileira, em Lisboa, onde se reuniam os membros da clandestina Carbonária Portuguesa e em que o facto de sofrer uma rusga da polícia a 30 de Setembro não impediu que, 5 dias depois a 5 Outubro de 1910, se dê a Revolução Republicana...



… na verdade o centro da participação política sempre foi e sempre se dinamizou com base nas redes sociais. Os partidos, no seu interior e apoiados no seu actual modelo, não devem e não podem estrangular essa dinâmica  mas, pelo contrário, devem-nas potenciar e desenvolver até porque no exterior as redes sociais estão cada vez mais activas.

O Porquê para aderir a um partido terá que ser: "Participação activa e livre em redes sociais que REALMENTE funcionem" e, quanto mais dinâmicas forem, mais intensa será a adesão e a participação e, como reverso da medalha, menos autoritarismos, estrangulamentos e políticas como negócio lucrativo poderão existir.

Para este Porquê ser claro, os Como's têm que ser concordantes e concretos, por exemplo, "não haver primeiros entre iguais" e "não haver disciplina (repressão) democrática sobre o que se pensa e opta". 

Com base nestas crenças, a primeira tarefa é clarificar os Para-quê's e os Como's operacionais a utilizar e divulgar. Para o fazer já existem diversas técnicas e metodologias, actualmente "personas non gratas" nos actuais modelos em uso nos partidos.

Porém, sob o ponto de vista teórico e prático, já existem diversas experiências com êxito, como por exemplo, em Austin (USA) e noutros locais, onde começaram a aparecer bastantes "meetup's", mas sob a forma de uniões de URL e IRL, como na gíria são definidas, diferentes do modelo de feiras de wokshops surgidas em várias cidades com o mesmo nome de meetups. Mutuamente não se invalidam, mas são processos diferentes.

Por exemplo, um pequeno grupo de 5 online-friends combina um encontro num Café Central próximo apenas para complementar a rede virtual existente com uma rede física de face-friends. Na continuação, as duas redes vão-se desenvolvendo e potenciando, criando condições para um Scenius, isto é, um contexto social de criatividade, inovação e génio colectivo.

A URL, em inglês Uniform Resource Locator, em português Localizador-Padrão de Recursos, é o endereço de um recurso disponível numa rede, ou seja, é o endereço virtual do caminho que vai para onde está o que se pretende.
Por outras palavras, URL neste caso significará o conjunto dos membros virtuais de uma rede, identificados pelos seus endereços virtuais.

A IRL (In Real Life) significa o conjunto dos membros dessa rede, numa identificação face-a-face.

Na prática, uma meetup é um conjunto dos membros virtuais de uma rede que se juntam fisicamente  para conversarem face-a-face agregando à conversa eventuais presentes que o desejem e, possivelmente mais tarde, integrarão essas redes vituais-físicas se a conversa os inspirou.

IRL dos Cafés do século VXIII se integradas com URL


É como se os Cafés do século XVIII integrassem nos seus grupos face-a-face certos grupos virtuais já existentes, potenciando ambos. 

Talvez seja esta a futura dinâmica dos partidos e uma parte da resposta ao Porquê de um partido actual adaptado à época actual.


A decisão política tem sempre duas componentes: a social e a técnica, intimamente interligadas. A componente social refere-se aos resultados e efeitos na sociedade, isto é, o Para-quê e os efeitos colaterais do Como. A componente técnica diz respeito à componente operacional do Como.

Quando a tecnocracia ou a burocracia da componente técnica quer dominar ou "pornograficamente" se misturar na componente social, a decisão política está contaminada. Teoricamente, a Missão Partidária é evitar e impedir esta contaminação, quando pelo contrário é neles que está a origem da contaminação, o sistema torna-se ilegítimo.

É esta a principal razão de, nas Democracias "reais" e não fictícias, existirem diversas medidas de controlo, como por exemplo, de análise e fiscalização dos financiamentos particulares das campanhas eleitorais.

As técnicas de Scenius nas organizações partidárias pretende também (entre outros) responder a este primordial problema do controlo social da decisão política. O curioso deste processo é que o seu impulsor é o amadorismo e não o profissionalismo.

Como a própria palavra indica, um Amador é o que ama a actividade que faz, que gasta tempo, recursos e esforços naquilo em que é adito. Não está lá por lucro, dinheiro ou fama … está porque gosta, porque não vive sem isso, porque é um amador…aquele que ama o que faz.

A diferença de amador para profissional é que este, além de ter isso como profissão e não como hobby, é um expert em padrões adquiridos e certezas qualificadas e o Amador é flexível e aberto a experiências. Por outro lado, o Amador é atraído e disponível para aventuras das possibilidades, o profissional é condicionado por modelos adquiridos e treinados.

Numa analogia, o Amador precisa não se esquecer de ver a garrafa meio vazia e o Profissional precisa não esquecer de ver a garrafa meio cheia. Na actividade do Scenius a regra é que devem existir 2 fases, a primeira com controlo tipo Amador e a segunda tipo Profissional.

O perigo é quando existe um controlo tipo Mercenário a querer controlar as duas ou quando o Profissional já perdeu a sua percentagem hobby e a substituiu por percentagem mercenário.

Numa definição, Amadores são pessoas vulgares obcecadas com uma actividade, hobby.ólicos, aditos no seu aprofundamento, viciados em ouvir e partilhar, em descobrir e inovar, em encontrar o desconhecido nas possibilidades do seu hobby.

Um encontro de Amadores é sempre um fluir de ideias, uma explosão de dar e receber, mas um encontro de profissionais é uma luta livre de estatutos de certezas e garantias, e um encontro de Mercenários é um leilão de recursos de quem obtém mais pagando menos.

O Scenius tem o espirito de um Encontro de Amadores, porém...

quem conseguir ser convidado para uma primeira reunião em qualquer partido, normalmente a emoção vivida é de assistir a [...lutas livres de estatuto] e/ou [...leilões de recursos procurando pagar pouco (não se comprometendo) e ganhar muito (tendo compromissos dos outros)].
A questão pessoal que se coloca a quem pensa aderir é:

- "É isto que eu quero?"   - "É este o namoro sonhado?"

O mundo actual inova com tal velocidade que, todos os dias, qualquer profissional passa a ex-profissional com reduzidas certezas e muitas dúvidas, sentindo que o seu treino formal está desactualizado e, se não tem um espirito de Amador, rapidamente se transforma num incompetente treinado
Um país tem o direito de
não ter incompetentes treinados
e muito menos ter néscios treinados
a gerir os seus recursos…

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