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quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Portugal e os "amigos de peito"



Hoje fui mais cedo para o café, ainda estava meio vazio. Num canto dois amigos (30/40 anos) conversavam, um com ar amargurado, o outro ouvia. Sentei-me perto.

Percebi que um deles estava com problemas com uma filha pequena e o dinheiro fazia parte do problema. A conversa continuava numa mistura de soluções e apoio relacional. De repente, um deles colocou discretamente algumas notas junto do outro que recusou. 
Argumento daqui, argumento de acolá a recusa continuou até que um se levantou e, com um toque de amizade no ombro do outro, dirigiu-se para a porta. O outro disse em voz alta:

- "...e a miúda?"

Ele parou, olhou para trás e regressou à mesa. A conversa continuou em voz muito baixa. O dinheiro mudou de mãos, o primeiro voltou a sair e o outro ficou.


A cultura tribal tem 4 linhas de força importantes:

Resolução de um conflito no Uganda

A - Cultura de proximidade,
        não estilo "Fast Friend" (usar e deitar fora);

B - Decisão autónoma,
        não confundir com anarquia;

C - Relações em rede,
       não confundir com "colagem social";

D - Confiança,
      não confundir com "credulidade";

E - Pertença e Suporte,
      não confundir com "propriedade" e "empréstimo";




A cultura portuguesa com a instituição cultural "amigo de peito" incorpora "proximidade, autonomia, redes, confiança, pertença, não propriedade, suporte, não empréstimos" e penso que tudo isto faz parte da nossa história no mundo e está na raiz da conversa a que assisti hoje no café.

A cultura portuguesa está bastante contaminada pela vida no mar em pequenos navios, durante dias, semanas, meses seguidos. A vida num navio é bastante diferente da vida num quartel ou numa fabrica, não há idas para casa ou ao exterior. Vive-se com as mesmas pessoas 24 horas seguidas. Trabalha-se, descansa-se, dorme-se, acorda-se, come-se com os mesmas pessoas, numa proximidade de poucos metros uns dos outros, dias seguidos...muitas vezes em mar revolto. 

À semelhança da cultura tribal também aqui gerir conflitos não é aplicar regras, é manter as redes saudáveis. Quer injustiças quer justiças mal aplicadas são geradoras de doença social. O grito mais importante num navio, é um grito de índole tribal que activa todas as redes e relações existentes, é o grito "Homem ao mar" que une todos no mesmo esforço. 

Um navio vive de redes de amizade profissional, são redes de "amigos de peito" em que uma frase vulgar é depois dizer-se "conheço-o, estivemos embarcados juntos".

Se olharmos para a vida social portuguesa ela baseia-se mais no modelo navio, isto é, em redes de proximidade e pertença e não em ligações anónimas e negociais, tipo lobbies, característica de solidões acompanhadas e afectividades compradas. Confundir os dois é o mesmo que confundir "acompanhantes" com relações amorosas. 

Também na economia, a teia produtiva e comercial é tradicionalmente de pequenas e médias empresas, onde se estabelece "amizade comercial" e não apenas se faz vendas, e onde produzir é assumir uma responsabilidade de execução e não apenas originar "stocks para venda".

É bastante diferente da grande empresa anónima que "usa e deita fora" pessoas desconhecidas (o nome técnico-diplomata é downsizing) e que produz e vende objectos e/ou serviços compráveis mesmo que tenha  alguma percentagem de "gato por lebre" (o nome técnico-diplomata é persuation marketing).

Na política vive-se de "albardar o burro à vontade do dono" no dizer e no fazer, confundindo estratégia com aldrabice e bluff com batota (o nome técnico-diplomata é estratégia adaptativa). 

Uma cultura de tipo tribal baseada em redes de confiança pode ser um campo fértil para os "chicos espertos" sobreviverem, mas se se aprender a usar essas redes ela poderá ser uma areia movediça onde os "chicos espertos" estupidamente  se afundarão. 

Na actual crise, ainda são as "redes de amizade" que a par das "redes familiares" mantêm os barcos à superfície, porque os que andam de avião não se preocupam com eles.

De qualquer modo, continuo a gostar de ser português e da cultura portuguesa, que é do tipo:

- "Queria um café…", isto é,…se não se importar

e não é do tipo:

- "Quero um café !", isto é,…obedece já…

… e também ainda continuo com esperança de ver os "chicos espertos" substituídos por portugueses normais.

2 comentários:

  1. Gostei mto deste raciocínio e de nos recordar as características da nossa identidade. Relembrar o sentido de "Queria um café..." é um acréscimo para o irritante "Queria, já não quer?"

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    1. Gostei...penso que a nossa cultura desadaptada nos séculos passados estå preparada e adaptada a este século.

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