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quinta-feira, 14 de novembro de 2013

- Não confias em mim?, perguntou a raposa...


No café, dois indivíduos conversam sobre seguros de saúde,

- "Não confia em mim ?", pergunta um.
- "Sim, sim…", responde o outro apaticamente.

A conversa fez-me lembrar a história da raposa e da galinha


quando ela amigavelmente diz à galinha "…confia em mim…" para a poder agarrar.

No diálogo do café, a pergunta foi simples mas a resposta pode ser complexa.
Uma possível resposta amigável poderia ser:

- "Se for para me operar não confio, já tenho médico marcado".

Pois é, a confiança não é algo etéreo, por um lado exige saber "em quê" e "para quê" e por outro lado não surge instantaneamente exige "maturação", ou seja, exige alcançar o que na cultura tradicional portuguesa se chama ser um "amigo de peito" aquele que, por muito que afirmem algo, nós acreditamos ou não acreditamos "isso nele". 
Se não nos bloquearmos à empatia todos somos psicólogos afectivos uns dos outros, capazes do fenómeno "amigo de peito" centrado na confiança.

A confiança pode ser focalizada na "relação pessoal" e/ou na "competência operativa", em que cada uma não valida ou invalida a outra, são dois mundos diferentes, um reporta às intenções o outro aos resultados:

- "Eu tenho confiança no meu irmão, mas não confio nele para levar de automóvel o meu filho ao Porto".
- "Mas pensa bem…é o teu irmão", diz a mãe.
- "Pois é, mas é um azelha a conduzir", responde o filho.

Por si só as boas intenções e a lealdade relacional não garantem competência operativa e a competência operativa não é por si só garantia de confiança relacional.

Outro diálogo:

- "Desculpe, não confio em si nem no que me propõe", diz um.
- "Repare bem, olhe para mim…eu sou de confiança", diz o outro.

Isto é o que se chama um paradoxo argumentativo. Num diálogo existe sempre a "fonte da mensagem", a "mensagem" e o "mensageiro" (que neste caso é a própria fonte).

No exemplo, o primeiro indivíduo não tem confiança no outro como fonte da mensagem, portanto também não confia nas mensagens que ele origina.
O paradoxo é "uma fonte que não é de confiança mandar uma mensagem a dizer que é confiável". Tentar esta estratégia é estar a afirmar [tu não pensas e vou aproveitar…].  Se o outro acreditar, é porque realmente não pensa.

Na verdade quem recebe esta mensagem não pode conciliar dois aspectos, por um lado não acreditar no outro e por outro lado acreditar na mensagem dele. Ou acredita em si e nega a mensagem ou acredita na mensagem  e nega-se a si próprio.



A beleza do pôr-do-sol
não está no pôr-do-sol
está em quem o vê.
(Zen)

A confiança não está no confiável está em quem confia.
Não se luta por confiança, porque a confiança não se ganha, nem se conquista, não é uma questão de poder, nem de domínio. Ser confiável é uma oferta, se for aceite… nasce a confiança.

Perder a confiança é como perder uma moeda, não é resultado de uma luta, é resultado de um desaparecimento, de uma des-construção, de um des-fazer.

A confiança é um jogo no futuro, é acreditar nos actos futuros do outro, ou seja, implica sempre uma aceitação de risco "zero" nas decisões posteriores dele. Esta aceitação é prospectiva, é um cálculo de probabilidades das linhas tendênciais vindas do passado.
A confiança é o núcleo duro dos "amigos de peito" que o constroem ao longo do tempo, é um processo temporalizado, nunca é instantâneo. As culturas do "profundo amigo conhecido ontem", são culturas de teias expandidas e débeis, de confianças "marketing", de relações em "solidão acompanhada".

A conclusão interessante é que a confiança é como a sombra, constrói-se num lado mas a origem está noutro. 
A confiança de "A" em "B" constrói-se em "A" mas é feita de material originado em "B".

Indivíduo "B"                       Indivíduo "A"

A confiança não se ganha e, principalmente, não se conquista, pois não é uma questão de luta, nem de poder de domínio, quer de um quer de outro.
A confiança é uma questão de entrega, de oferta por parte do confiável e de compreensão e aceitação por parte de quem confia. Para ser mútua ambos têm que ser confiantes-confiáveis.

O início da confiança é o início da não-solidão.
(Zen)

- "Não confia em mim?, pergunta um.
- "Não confio, nem desconfio, tenho esperança", responde o outro.


Para terminar uma história (zen)

Se atravessas a vida com o teu par, então:
 - Se ele é de confiança, deixa que te segure a mão, pois se caíres ele segura-te, se ele cair ele larga-se;
-  Se ele não é de confiança, segura tu a mão dele, pois se ele cair tu seguras, se tu caíres tu largas-te.

Se a confiança é mútua agarrem-se um ao outro. (PS - Isto chama-se cumplicidade)



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