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terça-feira, 26 de novembro de 2013

Os híbridos na ditadura e na democracia


A verdadeira viagem de descoberta
não é procurar novas terras
mas sim ver com novos olhos.
                 Marcel Proust

Resolvi aprofundar a cultura e a vida tribal, para procurar olhar com outros olhos a cultura e vida "piramidal" das nossas sociedades. Ainda estou a meio da viagem, mas já começa a ser interessante.

Encontrei os híbridos como sustentáculo da sociedade "piramidal".



A filha do Duque, jovem, donzela e solteira, apareceu grávida do Rei.
Perante o escândalo da corte e os zum-zum's que andavam pelo ar, o Duque afirmava com voz sonora e troante:

- A Desonra da minha filha é uma Honra.




Híbrido na Biologia:
resultado de um cruzamento genético entre duas espécies distintas (ex. a mula),
que não podem ter descendência devido a características genéticas.

Biological science, W.T. Keaton

Os híbridos sociais são uma espécie que sobrevive com um paradoxo constante de duas personalidades opostas que coexistem no mesmo indivíduo, um dominador e um dependente.
Felizmente não produzem descendência e deste modo todos eles tem que ser criados in vitro, isto é, nascidos no laboratório chamado "formatação educativa" ou recruta.

Segundo Riane Eisler no modelo "dominador-dependência" a dupla personalidade é automaticamente activada com os estímulos correspondentes…ora manda…ora obedece, pelo que a pirâmide da liderança tem 2 regras fundamentais:

1ª - Qualquer chefe é sempre subordinado de alguém,
2ª - Para ser chefe é preciso ser (e continuar a ser) um bom subordinado.

Sobreviver é fácil, tem apenas que se preocupar em nunca se enganar:
A - PARA BAIXO: activa a personalidade dominadora;
B - PARA CIMA: activa a personalidade dependente.

Esta coexistência de personalidades opostas pode surgir na mesma pirâmide (por ex., na hierarquia profissional) ou em pirâmides diferentes (por ex., dependente no trabalho e autoritário na família ou vice versa). 

Yer Sir
O treino para esta dupla personalidade paradoxal é simples, é só aprender a ser dominador (muito assertivo) dizendo "SIM SENHOR" pois, ao mesmo tempo, deste modo afirma-se como bom dependente.
O paradoxo mantem-se activo através de uma personalidade dominadora  a instalar uma personalidade dependente.
Na vida militar este treino é muito intenso e constante, têm que aprender a aceitar com "alma e coração"ser um dominado, é o conhecido "Yes Sir" da educação militar.

Um outro aspecto mais subtil e talvez por isso mais importante, é o protocolo de liderança exigir que numa "discussão superior-inferior" seja SEMPRE o inferior a ter com firmeza a última palavra…dizer "Sim senhor".

Como síntese, desde as Monarquias às Repúblicas, passando pelas Religiões, a estrutura piramidal baseada no híbrido tem três características fundamentais:
ou seja, existe:

A - uma coluna vertebral de híbridos, isto é, uma sucessão hierárquica de indivíduos de dupla personalidade: para baixo "dominadores",  para cima "dependentes".
Vivem o paradoxo de serem uma personalidade dominadora com livre arbítrio com o qual tomam decisões para baixo e simultaneamente serem uma personalidade dependente sem livre arbítrio com a qual obedecem sem "estrebuchar" cumprindo as ordens recebidas.

Este grupo de híbridos desempenha 4 funções cruciais na estrutura piramidal:

1 - Garante a solidez dos acessos ao poder
2 - Garante a validade e protecção dos elementos do grupo de hibridos;
3 - Faz a selecção e doutrinação das novas adesões;
4 - Garante a difusão e o cumprimento dos dogmas, regras e deveres nos não-híbridos.

B - grupos de não híbridos, uns já meio-dependentes outros ainda a serem missionados, isto é, a serem doutrinados nos dogmas e depois seleccionados se tiverem adquirido as crenças. Quantitativamente é o grupo mais numeroso.

C - uma acção contínua de activadores pedagógicos, as chamadas técnicas de missionação físicas e psicológicas.

Um exemplo claro deste modelo está na sua aplicação à política nazi, com:
A) os seus híbridos, os militares  SA e SS,
B) a sua fragmentação social no racismo interno e
C) a sua missionação por propaganda e "domesticação" física e social. 

Outra aplicação do modelo é a colonização europeia que apresenta ligeiras diferenças consoante as instituições, padrões, hábitos e cultura dos países colonizadores (Portugal, Espanha, Inglaterra, França, Holanda, etc) e regiões colonizadas (África, India, Ásia, América, etc), mas de um modo geral o esquema é:


O sistema militar é o mais purista no modelo pois não tem o grupo "B", isto é, não há indivíduos soltos e espalhados pela instituição, estão todos integrados em "colunas de híbridos":


Um outro exemplo, na época actual, são as "revoluções democráticas", com suas 3 fases:
1ª - ditadura
2º - revolução;
3ª - democracia,

por exemplo,


Numa ditadura, o grupo dos hibridos "roxos" garantem o domínio no Poder instituído, depois durante a Revolução dá-se o assalto aos acessos do poder pelos azuis e um novo grupo de híbridos (azuis) vai controlar todo o sistema.

Consoante a continuação poder-se-á ter outra ditadura, pois os novos híbridos nunca mais mudarão (caso Cuba), ou poderá surgir uma Democracia grupal (e não de indivíduos) em que ciclicamente os grupos colocam os seus híbridos no poder, através de eleições, caso Portugal.
Neste último caso o sintoma claro é o reforço e a obrigatoriedade de "disciplina-odediência partidária", tornando-se esta o factor dominante no funcionamento democrático. O rígido controlo dos híbridos é o garante da Democracia.

Na verdade há dois tipos de híbridos, os de crença e os mercenários. Os de crença são os que se integram por "adoração" ou "credulidade" nos valores em causa (caso religiões ou militâncias). 
Os mercenários são os que aceitam por "negócio" do tipo "usar e deitar fora", cujo sintoma mais evidente é o nível de suborno e corrupção resultante. 
Quando o suborno e a corrupção são generalizados, o verdadeiro partido "por detrás dos partidos" é o mercenarismo que é protegido por todos os que assumem o poder. Nos massmedia dos países em que isto acontece a queixa é semelhante "diz-se uma coisa, depois diz-se outra e faz-se outra", a dignidade perdeu-se.

PS - Passar de Ditadura para Democracia não é só substituir os híbridos, não é só substituir os dogmas (leis) é fundamentalmente alterar as instituições de acesso ao poder e o seu funcionamento.


Ser um híbrido saudável não é fácil. A personalidade dupla (transtorno dissociativo da identidade),

[… é uma condição mental onde um único indivíduo demonstra características de duas ou mais personalidades ou identidades distintas, cada uma com sua maneira de perceber e interagir com o meio. O pressuposto é que ao menos duas personalidades podem rotineiramente tomar o controle do comportamento do indivíduo.]

É preciso cuidado em não sair da neurose (saber que o é e controlar os seus actos) para ficar psicótico perdendo a consciência e a noção da realidade. Alguns discursos políticos já andam por esta zona.
O treino tem que começar desde pequeno. Esta é uma das grandes diferenças entre a cultura piramidal e a tribal, uma prepara híbridos a outra não.

Para terminar uma história de educação tribal:

Antropólogos e sociólogos conversavam com anciãos da tribo sobre educação das crianças, garantindo estes que na tribo ensinar a decisão autónoma e o respeito para com os outros era o mais importante.


De repente, um garoto de 4/5 anos entrou na enorme casa da reunião e um ancião disse-lhe que queriam ficar sozinhos e quando saísse fechasse a porta. 
O garoto disse que sim, voltou para trás, começou a fechar a porta mas esta encalhou e ele não conseguia. Fez força, gemeu, pés escorregaram, ele caiu e a porta continuava imóvel.

Tempo passou, mais tempo passou…ninguém se mexia, apenas esperavam…e o garoto empurrava a porta.
Os europeus incomodados não sabiam que fazer…mas como os índios continuavam quietos, também nada fizeram. Por fim, passado muito tempo a porta fechou-se.

Os investigadores resolveram pôr o problema:
 - "Porque é que não ajudaram a criança??"
Os índios não perceberam:
- " Porquê ?? Ele aceitou a tarefa…"

e continuaram:
- "Se o fossemos ajudar estávamos a humilhá-lo. Aceitou a tarefa...a tarefa é dele".

Os investigadores insistiram:
- " E se ele não conseguisse ?"

Os índios responderam:
- "Essa conclusão é dele, não nossa. E se a fizesse ele viria chamar um de nós para o ajudar naquilo que ele quisesse e o escolhido sentir-se-is muito honrado com essa escolha".

Conclusão dos investigadores:
 "Quantas vezes educamos por humilhação?? Educamos a ser autónomos por obedecer??"
PS -Ou ajudamos sem nos pedirem e como queremos…. ou não ajudamos quando nos pedem.


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