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domingo, 11 de novembro de 2018

Terapia de fusão, uma experiência pessoal

Lendo sobre a sincronicidade e sobre Jung, encontrei descrições sobre a terapia de fusão com o auxílio "medicamentoso" de LSD, na clínica Welbeck (Londres) das terapeutas Joyce Martin e Pauline McCririck, pelo que recordei uma experiência minha com alguma semelhança e sem LSD.

Em 1971, trabalhei no Centro de Saúde Mental Infantil de Lisboa, dirigido pelo Prof João dos Santos. que funcionava no Hospital Júlio de Matos para crianças asiladas e com problemas mentais. 
A minha área era a psicomotricidade (Le Boulch, Lapierre, etc) e a ideia era usar o ACTO, o 1° sistema de sinalização de Pavlov, e não a PALAVRA, o 2° sistema de sinalização de Pavlov, para conversar com as crianças e não a verbalização ao estilo psicanálise freudiana. 

Na verdade, a verbalizacāo destas crianças era muito débil, mas com actos e "situation playing" o diálogo era rico, divertido e produtivo sob ponto de vista de desenvolvimento. Ainda hoje, passados dezenas de anos, estas crianças estão vivas na minha memória.
Acabei por escrever uma tese que apresentei na universidade.

Durante este período fiz algumas workshops de formação, principalmente com monitores ingleses. Nas formações, em média uma semana das 19:00 às 23:00, havia sempre oportunidade para alguns incidentes "criticos" interessantes e conversas informais.

Numa ocasião, a propósito de autoridade em pedagogia, a monitora inglesa, talvez ao estilo terapia de fusão mas sem LSD's, propôs um role playing. 

O role playing consistia em um participante assumir ser "um bebé em posição uterina", de joelhos ao peito, encolhido, indefeso e medroso. Outro participante seria a figura maternal securizante e afectiva que procurava fazê-lo "desenrolar" e agir. 
Ambos teriam que dialogar só com gestos e comportamentos inerentes ao seu papel.

Talvez por, em anteriores intervalos de café, eu ter falado do meu passado de militar de carreira e experiências africanas, passado bem anómalo para um professor de crianças com problemas mentais num hospital psiquiátrico, a sua "bisbilhotice pedagógica" decidiu escolher-me para protagonista do bebé medroso. Aceitei o jogo.

Em complemento, "calhou-me" como figura maternal um participante (psicanalista), grande, volumoso e divertido com a situação.

Tudo corria bem, eu com os meus trinta e tal anos deitado no colchão com os joelhos ao peito, conversava por gestos com a volumosa "mãe " que de joelhos ao meu lado me confortava. 
Os participantes e a monitora acompanhavam a cena e o diálogo e tiravam notas.

Senti passar "muito" tempo e de repente tive uma epifania e caí em mim, "...mas ké isto?... um homem com a mão na boca a fazer-me blee...blaa...blee's ao pé dos olhos? Eu enrolado como um repolho??? Tou parvo...ou quê? Raizupartiça!!!!!!"

Saltei do colchão e fui sentar-me no chão ao fundo da sala, catatónico, com a cabeça nos joelhos.  Fiquei assim até ao fim da workshop, apesar da monitora fazer algumas aproximações, mas os meus resmungos em português tiraram-lhe a esperança. 
Conversámos no dia seguinte, primeiro os dois, depois em grupo. Foi interessante, divertido e uma boa aprendizagem conjugando opiniões com notas e apontamentos que tinham sido tirados. O lema rogeriano "ao grupo o que é do grupo" se bem feito dá sempre bom resultado.

Percebi que esta história de terapia de fusão (apesar de não saber o que era) não era fácil. 

Numa outra workshop e também com um role playing, uma participante (psicóloga) de repente ficou estranha e sem estabelecer contactos. Mais tarde, no meio do bruá...bruá resultante ouvia-se cochichar  "coma psicológico" (o que quer que isso fosse). 

Na altura, a monitora pediu para todos sairmos da sala e ficou sozinha com ela. Uma meia hora depois saíram e a participante parecia ter acabado de acordar ou saída de uma ressaca. 
Amigo dela e conhecendo-a bem, ofereci-me para a levar a casa o que recusou. Nunca mais se falou nisso.

Uma conclusão tirei. Esta "coisa" dos role playing "vende-se" bem em muitos livros e artigos de pedagogia, mas uma certeza eu tenho "não é brincadeira para amadores". A "situation playing"  pode ser ainda mais séria e perigosa na mão de "aprendizes de educadores", eventualmente "encartados".




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