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sábado, 27 de maio de 2017

Avó e neta


Café da manhã, na esplanada a neta choramingava porque queria andar a passear e a avó queria que ela estivesse "sentada como uma senhora". Entre "brincos e chorincos" a luta continuava e a avó "atacou" dizendo:

- Se não estás sossegada .... eu já não gosto de ti!

A neta resolveu a questão:

- Não faz mal ... vou ao supermercado e compro outra!

A avó ficou a choramingar e a neta foi passear pela esplanada!

Fiquei espantado, como é que uma criança de 7 a 8 anos adquiriu técnicas correctas de luta contra a perseguição-assédio a controlar a vida do outro.

Na verdade, o ataque da avó foi uma técnica muito usada nestes casos e chama-se "chantagem afetiva". 
A defesa da neta é uma técnica raramente usada por adultos pois, nestes casos, limitam-se a guerras de impropérios e à primária argumentação do "disco rachado", ou seja, dizem sempre a mesma coisa de forma monocórdica, i.é., tocam sempre a mesma corda (vide debates TV).

Pelo contrário, a neta com seus poucos anos de idade, usou a "saída pela tangente",  com um "go in" incorporado que funcionou. 
O que mais me espantou foi a continuação. Na verdade, o choro da avó não funcionou como pressão afectiva para submissão, pois a neta usou a técnica do "tu não existes", técnica preferencialmente aconselhada nestes casos de "chantagem psy" quer seja cognitiva ou afectiva, que é a preferida dos perseguidores/assediadores ou, dizendo em francês, dos "emmerdeurs" (a tradução portuguesa não é elegante mas, intuitivamente, é óbvia).

No caso da neta, ela usou o método da "saída pela tangente" que consiste em, num ponto da lógica usada pelo outro, fazer uma inflexão noutra lógica diferente que o coloca fora da jogada e resolve o problema.
Ela usou a asserção "recurso estragado substitui-se no supermercado", eventualmente aplicado na família para alimentos estragados e, criativamente, utilizado aqui.

Por sua vez, sem o saber, detonou na avó um "go in". Esta técnica associa um processo cognitivo com um afectivo, em que este detona um "curto circuito" mental  susceptivo de bloquear o sistema, ficando este sem programa operativo. É uma espécie do "écran azul" do windows quando fica inoperativo e obriga a reiniciar.
Exemplo:

Um dia na FNAC, entrei comendo uma pequena tablete de cereais. De repente ouvi atrás de mim um "berro" dizendo "Ehhhh… não pode estar a comer". Era o porteiro, híbrido com segurança, que me apontava o dedo. 
Em vez do método usual de debate político (vide 25 Mai 17) resolvi conversar ao estilo de dois adeptos de futebol do mesmo clube.

Voltei atrás e perguntei "suavemente" - O que chama comer?.
Os olhos "pararam" e ficou com o ecran azul do windows à procura de programa. 
Resolvi ajudar:
- É dar dentadas ou mastigar?
O azul do programa mental ficou cinzento escuro, a alternativa não era óbvia pois na verdade era um dilema (ou… ou). Fiquei à espera… com a esperança que dissesse TODOS ao estilo do Vasco Moscoso de Aragão dos "Velhos Marinheiros" de Jorge Amado… não o fez.

Resolvi ajudar com um trilema e acrescentei: - Se guardar na algibeira resolve?
Como dois amigos do mesmo clube, respondeu também "suavemente": - "siiimmm". Agradeci, dei uma dentada à frente dele, comecei a mastigar, acenei um adeus e fui-me embora. Ele continuava com o ecran azul.

No caso da avó e neta, esta não fez "go in", ele aconteceu. Foi a própria avó em auto-serviço que acrescentou esse factor ao pensar "não gosta de mim… sou de deitar fora". Assim, deu-se um curto circuito, fez-se ecran azul, ficou sem energia e precisou re-iniciar o sistema reavaliando a situação.

O que me espantou foi a continuidade da acção da neta, pois fez a técnica aconselhada pelos peritos para os casos de assédio. É a técnica do "tu não existes".

É uma técnica simples e de fácil aplicação. Constitui criar uma atitude na qual o perseguidor (narcisista) se torna transparente. É olhado mas não é visto, é ouvido como ruído, não é respondido, não é inter-agido pois não tem lugar nos actos do outro em que, por ex., está "distraído" vendo o telemóvel. 

A maior "dor" de um perseguidor narcisista não é ser combatido, argumentado, conflituado pois isso é a sua "alegria", o seu prazer, o seu objectivo.
O que lhe dói é "não existir", não ser polo de relação, não ser considerado interlocutor e, mais doloroso ainda, é nem sequer ser ignorado ou recusado, pois estas alternativas são ainda conexões, apesar de pela negativa.
A solução é simplesmente criar um "vácuo relacional" em que as interacções que emite não têm polo receptor qualquer que seja o formato, canal, mensagem, etc. Como exemplo e treino é experimentar, ao espelho, fazer o olhar de quem está a ver mas a pensar noutra coisa, ou seja, quem está à frente é apenas um objecto da paisagem,  mesmo se falante.

Na continuação, o que a criança fez foi não se deixar apanhar pela chantagem afectiva das lágrimas e tristeza (reforço da primeira tentativa) e foi passear. 

Eu fiquei à espera do resultado pois queria saber se haveria a segunda etapa (B). Não houve, ela voltou contente, as relações estavam normais, ela saía para ver a montra da tabacaria e o "sentar como uma senhora" não atacou mais. As duas pareciam felizes.

Afinal isto do educar vale para os dois lados… felizmente.

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