Um pai e um filho de 5/6 anos tomavam o pequeno almoço, ele bebia um café e a criança comia uma sandes e bebia um copo de leite.
Cuidadosamente, o pai partia-lhe a sandes em pedacinhos pequenos, ajudava-o a segurar no "enorme" copo de leite, limpava-lhe a boca com um guardanapo, … mas não vi segurar-lhe o queixo para o ajudar a mastigar.
No fim, vestiu-lhe o casaco, pôs-lhe o chapéu na cabeça e ajudou-o a sair da cadeira.
Fiquei à espera que lhe pegasse ao colo para acertar com o meio da porta e não chocar com os batentes e descer sem cair nos 3 degraus… mas não o fez.
Para mim, foi uma experiência "dolorosa" começar o dia a assistir a um tão intenso canibalismo psicológico do tipo amoroso.
O canibal psicológico alimenta-se de […ainda bem que estás mal para eu poder ajudar e ser BOM…], principalmente quando não é preciso porque se for preciso faz asneiras, fica em pânico e foge para regressar mais tarde.
A minha mágoa não foi por assistir a canibalismo psicológico pois "farto-me" de o ver na TV com os discursos partidários:
- "… o País está mal, os partidos só fazem asneiras [ …ainda bem!!…] , eu tenho a solução e votem em mim […eu sou BOM !!…], depois faz asneiras e foge […eu já volto !!...].
a minha mágoa foi assistir a uma criança de 5/6 anos a sofrer canibalismo psicológico… seja de que adulto for.
Na verdade, educar […NÃO É robotizar decisões e acções ou transferir para si a sua execução…] mas sim […É criar cada vez mais uma MAIOR autonomia em quem aprende…].
O canibalismo psicológico é um jogo relacional que pode fornecer "alimento" em 3 níveis:
- alimento para a personalidade, tipo "sinto-me Bom…"
- alimento energético, tipo "sinto-me activo…"
- alimento afectivo, tipo "sinto-me acariciado…"
interdependentes e em doses variáveis num cocktail equilibrado ou com um aspecto dominante.
Utilizando uma analogia de Catherine Holden sobre os jogos psicológicos, é possível comparar o canibal psicológico a um velcro em que, com duas faces completamente diferentes, numa é inócuo e normal pois é liso e suave, mas na outra é um parasita que se agarra e não larga, pois está cheio de gavinhas para anzolar em tudo que o consente.
PS - Isto é claro na violência doméstica e muitas vezes na violência educativa quando após ser feita em público o "educador" olha em redor a pedir aprovação […eu sou BOM…] como se fosse um toureiro após a faena e chegando a verbalizar - "…mas julgas que mandas…??" para o perigoso RAMBO de 5/6 anitos.
Este comportamento dito de "emmerdeur" na cultura francesa é um jogo relacional com características negativas para quem o sofre e com "pay off" (saldo) positivo e gratificante para quem o faz, mas o problema não é ele existir em sua negatividade, o problema é ele existir em forma repetitiva e criar aditismo, sendo esta uma das características importantes dos jogos de Eric Berne, numa palavra ser um PADRÃO de comportamento que se repete ad eternum.
VELCRO com 2 faces |
Este comportamento dito de "emmerdeur" na cultura francesa é um jogo relacional com características negativas para quem o sofre e com "pay off" (saldo) positivo e gratificante para quem o faz, mas o problema não é ele existir em sua negatividade, o problema é ele existir em forma repetitiva e criar aditismo, sendo esta uma das características importantes dos jogos de Eric Berne, numa palavra ser um PADRÃO de comportamento que se repete ad eternum.
Na verdade o ser humano é demasiado complexo para agir com um único objectivo. Normalmente ele é um "saco" de contradições, muitas delas sem consciência, mas agindo a partir de um equilíbrio das percentagens activas.
Noutras palavras, vivemos em "doublebind" (vínculos duplos) puxando cada um para seu lado.
Na verdade, cada um de nós é um "agente undercover" com "agendas clandestinas" que convive com outros em duplicidades semelhantes. Parafraseando Shakespeare "este mundo é um palco…num encontro de espiões".
Os actos da vida têm sempre duas faces, somos um espécie de deus Janus romano com suas duas caras, mas em que uma é visível e expressa e a outra vive "debaixo da mesa" (undercover), sobrevivendo por "boleia" e por "pressão" da que é expressa.
Na verdade, cada um de nós é um "agente undercover" com "agendas clandestinas" que convive com outros em duplicidades semelhantes. Parafraseando Shakespeare "este mundo é um palco…num encontro de espiões".
Os actos da vida têm sempre duas faces, somos um espécie de deus Janus romano com suas duas caras, mas em que uma é visível e expressa e a outra vive "debaixo da mesa" (undercover), sobrevivendo por "boleia" e por "pressão" da que é expressa.
Na perspectiva do canibalismo psicológico cada um é uma entidade independente e isolada e quanto mais importância, energia, afecto tira, obtém, rouba aos outros mais possui.
Na perspectiva shamanica cada um é um ponto dentro de uma rede e quanto mais dá ao outro importância, energia, afecto mais recebe da rede, por isso o shaman […quando cansado e quanto mais trata dos outros menos cansado fica...].
A analogia é a [… de ser um rio ligado ao mar que ao encher um lago seco recebe muito mais água do mar…] e portanto, ao contrário do canibalismo psicológico, não vive por fazer morrer mas vive por fazer viver.
Na perspectiva shamanica cada um é um ponto dentro de uma rede e quanto mais dá ao outro importância, energia, afecto mais recebe da rede, por isso o shaman […quando cansado e quanto mais trata dos outros menos cansado fica...].
A analogia é a [… de ser um rio ligado ao mar que ao encher um lago seco recebe muito mais água do mar…] e portanto, ao contrário do canibalismo psicológico, não vive por fazer morrer mas vive por fazer viver.
Pensando nos paradigmas shamanicos e no canibalismo psicológico educativo a minha memória "saltou" para uma história antiga, lida algures (Eric Erikson?, Ruth Benedith?, Dewey?, Lorenz?..) sem conseguir localizar a origem, e subordinada ao tema que na altura aprofundava de "Social pedagogy – domesticating or emancipatory?", onde na perspectiva dos índios nativos americanos a ajuda pedagógica é outra, diferente de canibalismo psicológico que é des-ajuda, ou seja, "domesticating":
Uma história tribal
(numa transcrição livre)
Alguns antropólogos, pedagogos e psicólogos constituíram uma equipa para entrevistar anciãos tribais em viárias tribos, procurando perceber os modelos (os Protocolos) da educação social das crianças.
Ao fim de algum tempo concluíram que uma linha de força importante era a não-humilhação, mas apesar do conceito (o Princípio) ser claro o método (o Protocolo) era confuso.
Um dia numa tribo, continuando com a pesquisa da não-humilhação, e estando reunidos na casa comunal com um grupo de anciãos, abrindo a porta, entrou uma criança de 4/5 anos a bisbilhotar o que se passava e um dos anciãos disse-lhe para se ir embora e que quando saísse fechasse a porta.
A criança voltou a sair e começou a empurrar a porta que era grande e pesada e como o chão era de terra batida irregular a porta encalhou numa saliência e não se movia.
Ao fim de algum tempo e após várias tentativas, os técnicos começaram a sentir a situação muito "dolorosa" pois a criança continuava a empurrar sem êxito, "gemendo", fazendo força, pés escorregando e porta imóvel…e os anciãos também imóveis olhavam e esperavam.
Os técnicos, convidados na tribo e não querendo interferir, sentiam a situação muito injusta para a criança e olhavam entre si sem saber como actuar.
De repente a porta saltou, fechou-se e a criança desapareceu. Não resistindo questionaram o grupo dizendo que tinham assistido a uma situação de humilhação e se eles podiam explicar.
Os anciãos espantados perguntaram:
- "Que humilhação??"
Os técnicos responderam que a orientação dada era injusta para a criança e deveriam tê-la ajudado. Os anciãos responderam que se o fizessem estariam a humilhar quem a tinha dado classificando-o como incompetente e incapaz de se relacionar com uma criança e suas tarefas e eles não humilhavam ninguém.
Os técnicos concordaram mas argumentaram dizendo que de qualquer modo a criança estava a ser humilhada com uma tarefa pesada demais para ela.
Os anciãos responderam que a criança tinha aceite livremente a tarefa, portanto a tarefa era dela e ninguém tinha o direito de interferir nas suas decisões porque isso seria humilhá-la.
Novamente os técnicos concordaram e tornaram a argumentar... perguntando:
- "…e se ela não conseguisse ???"
A resposta obtida foi:
- "Isso é uma conclusão dela e teremos que esperar. Se concluir isso, escolherá um de nós para seu ajudante e ele sentir-se-á muito honrado com a escolha e muito feliz em cumprir as suas indicações. A tarefa é dela … ela é que decide o que fazer."
Lembro-me de ter lido como conclusão-comentário dos técnicos que […pela primeira vez perceberam como a humilhação anda por aí à solta…]… e eu também.
Esta história passou a andar sempre dançando na minha cabeça e dando-me "cólicas" na barriga sempre que tomava consciência daquilo que o meu "protocolo social" aprendido já me tinha feito fazer… e ainda hoje, recordando alguns casos, as cólicas continuam cá.
Por exemplo, retalhos do dia-a-dia:
… a criança gatinha até ao sofá e tenta subir. Alguém com muito carinho agarra nela e senta-a no sofá. Imediatamente ela sai do sofá e gatinha para outro lado, comentário do "carinhoso:
- "…é mesmo palerminha, queria ir para o sofá, sentei-a lá e saiu logo…"
Pois é… talvez não quisesse ir para o sofá, talvez o que quisesse fosse SUBIR para o sofá, talvez palerminha não fosse ela.
… à mesa, a criança tenta com implicação cortar um pedaço da comida. Alguém com desembaraço e conversando para o lado, "saca-lhe" da mão talheres e prato, corta-lhe tudo, põe-lhe à frente e, continuando a falar para o lado, comanda:
- "…despacha-te…"
Pois é…no jardim zoológico o tratador não faz isso ao tigre, nem ao leão…eles mordem se não os respeitam, os cães "educados" coitados aceitam humilhações… os gatos é diferente.
Como resumo,
o prazer de viver com alguém é o prazer do encontro de duas complexidades que se encontram a si próprias quando se descobrem na relação com o seu entrechoque dos "doublebinds" e das suas "agendas escondidas" que não são o errado da relação mas a aventura da relação …ou... como diz o shaman […amor é o que faz descobrir todos os dias o outro como diferente…] e conclui […e é também a alegria de ensinar alguém…].
Mas esta frase complicada talvez se torne clara com o video em baixo. Assim para terminar, um exemplo onde, numa relação de "fingimento" de "double bind", a relação verdadeira não assumida tomou conta da situação e explodiu para além dos controlos pessoais. Muitas vezes a relação expressa que é camuflagem e falsa, na prática é a verdadeira por ser real.
O video, 4 minutos do filme "At Middleton", passado num Campus Universitário onde o pai (Andy Garcia) de um aluno e a mãe (Vera Farmiga) de uma aluna, dois estranhos que se encontram no dia de visita, convivem, sintonizam e entram em ressonância sem disso ter consciência mas "sabendo bem" o que está acontecendo.
Ao assistir a uma aula de teatro são "forçados" a fazer uma experiência de representação, desempenhando cada um mentiras "undercover" diferentes mas que fizeram a verdade explodir num processo "clandestino" pois afinal o fingimento era verdadeiro demais.
4m30s clickar aqui |
1 minuto clickar aqui |
Obrigada!
ResponderEliminarMJToureiro
É bom saber que gostaste…Beijos
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