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quarta-feira, 30 de julho de 2014

Torre de Pisa e inteligência nos animais e pessoas

O equilíbrio é a inteligência
de forças em convívio.
Budismo Zen (tradução livre)


… é um caminhar feito de precisão e delicadeza por um emaranhado de problemas, alternativas, soluções, decisões, cálculos, experiências de falhanços e sucessos na procura deste "equilíbrio em convívio".

A Torre de Pisa sobrevive sem cair devido a equilíbrios expressos em cálculos de Física e Matemática na dinâmica da gravidade, pois desde que a perpendicular do centro de massa esteja dentro da base de sustentação o equilíbrio existe e a Torre de Pisa não cai:


Porém, usando inteligência e cálculos fisícos-matemáticos extensos e complicados a Torre de Pisa reproduziu-se em formas modernas:


… e assim a espécie humana com sua inteligência e desenvolvimento nos conhecimentos e cálculos  Físicos e Matemáticos dá novos mundo ao mundo no difícil jogo do equilíbrio.


Mas há surpresas, pois sem cálculos Físicos nem Matemáticos, e sem direitos a Prémios Nobel, surgem "milagres instintivos" no campo do equilíbrio:


Assim, a questão que aparece é:

… com cálculos ou sem cálculos É, ...ou NÃO, preciso inteligência para fazer estes equilíbrios???


Pelo que...
Shakespeare

...como diria o poeta: - "That is the question!!!"
ou seja,
um "falho de inteligência" poderá fazer estes cálculos difíceis e equilibrar-se???




Considerando que andar é um permanente jogo de equilíbrio a deslocar o centro de massa para fora da base de sustentação e depois mover para lá a base de sustentação dando um passo nessa direcção, a pergunta óbvia é: - "Um estúpido sem inteligência consegue andar???"

Se se analisar o andar, ou o estar de pé sem cair, ou usar saltos, as conclusões são  interessantes: 

pois o simples uso de saltos obriga "inteligentemente" a adaptar equilíbrios musculares a essa nova postura. Se essa adaptação não for "inteligente" o uso de saltos será difícil por permanente desequilíbrio. Ou seja, - "Um estúpido também terá inteligência para usar saltos ???"

A pergunta resultante é:

A par da inteligência consciente haverá outra inteligência, esta inconsciente, que
funciona à revelia da consciente  e que faz esses cálculos e aplica as conclusões???


Pesquisando...

Um indivíduo que estuda e faz cálculos rápidos é um génio, mas um que não estudou e faz cálculos ainda mais rápidos e sem saber como faz é apenas uma curiosidade para os recordes do Guiness.
Simplesmente estas "curiosidades" são numerosas e em várias áreas, por exemplo,


algumas vezes chamados "génios naturais", outras vezes ditos com a síndrome do sábio ou a síndrome do idiota-prodígio ou do savantismo (do francês savant: sábio). 
Na generalidade são considerados […com um distúrbio psíquico caracterizado por grande capacidade intelectual complementada com déficit de inteligência...] 

O ilógico desta posição teórica será menos escamoteado se em vez de "idiota-prodígio", que poderá referir-se a áreas diferentes, por ex., idiota a falar e prodígio a ouvir, se se disser com clareza que é na mesma área, portanto, um "estúpido-inteligente", agora quem o diz mostra bem, clara e logicamente, que quem dá aquela definição na verdade é um "prodígio de idiotice".

Como exemplo:

Daniel Tammet, um "génio natural" inglês, tem a síndrome de Savant (???), nascido em Londres em Janeiro 1979, autista, fala 11 línguas mas consegue explicar o que se passa com ele para poder calcular "naturalmente" e dizer, por ex., mais de 20.000 dígitos do numero Pi.

Cientistas estudam as suas explicações para procurar descobrir quais os processos mentais que fundamentam os "idiotas-prodígios" e ajudar assim os […normais…] a melhorar o seu pensar.

Este uso do conceito "normal" no discurso corrente acerca das intenções do projecto, contrapondo a "idiota-prodigio", pode ser uma pista importante para clarificar perspectivas neste tema.
Na verdade, escondido na fraseologia espreita um lapsus linguae cultural expressando bem que estes "prodígios-idiotas" são por eles considerados anormais versus os normais que naturalmente(??) não são "prodígios", e só o conseguem obter através de trabalho e esforço.

O que parece estar em causa são os paradigmas que dão significados ao conceito de inteligência, e algumas alternativas poderão ficar claras se se comparar, por ex., conceitos ocidentais e japoneses.

No ocidente, com suas raízes culturais e religiosas existe um paradigma "undercover" que como crença se entranha nos raciocínios [...o homem é o rei da criação, ...foi feito à semelhança de Deus, ...os animais estão cá ao seu serviço, ...a inteligência só surge nos níveis superiores da evolução, ...a inteligência foi dada por Deus aos homens…].

Portanto a inteligência, consciência e sentimentos são privativos da espécie humana, dizer o contrário é apenas antropomorfismo (vide Descartes), isto é, atribuir características humanas a animais e fazê-lo provoca um certo desconforto e até heresia por aberrações intelectuais.
Em consequência, quer a inteligência quer os sentimentos exigem consciência, exigem processos cognitivos característicos dos humanos e que só estes têm.

O pensamento japonês porém tem outras raízes culturais e religiosas, não só budistas com shintoístas (espécie de animismo), aceitando e não se sentindo desconfortável em admitir que tudo tem "espírito".

Na cultura japonesa o conceito chi-sei é o mais semelhante ao conceito ocidental de inteligência.
"Chi" significa conhecer e "Seisignifica característica, propriedade, essência, originando assim um significado misto de "inteligência, espírito, mente" que é inerente a todo o ser vivo e está em toda a natureza.


Enquanto que no ocidente a inteligência aparece como um epifenómeno, uma consequência da crescente complexidade dos organismos vivos e privativa dos níveis superiores da evolução, porém na cultura japonesa o chi-sei faz parte da essência da vida, bastando estar vivo para existir "inteligência".

         Chi-Sei
Nesta perspectiva aquilo que no ocidente se chama inteligência é apenas a ponta visível do iceberg Chi-sei que abrange tudo o que está vivo.

Numa linguagem ocidental poder-se-ia falar de "inteligência consciente" referindo-se à ponta do iceberg com que se ganha os Prémios Nobel e "inteligência inconsciente" ao resto do iceberg com que funcionam os normais "génios naturais" (que assim não são"idiotas-prodígios"anormais) e permite a todos equilibrar-se na bicicleta ou usar salto alto sem precisar fazer cálculos matemáticos e saber teorias da Física.

Do mesmo modo, na meditação a técnica não é focalizar ideias (modelo ocidental) mas sim esvaziar ideias (modelo oriental), sendo uma espécie de acção de "parar" a inteligência-consciente e "abrir" a inteligência-inconsciente.
Ideia semelhante aparece na explicação "poética" dos shamanes quando dizem que […é pensar como as árvores…] ou numa fraseologia sistémica seria dizer que pensar é usar a "inteligência emergente" do conjunto de neurónios chamado cérebro, cada um deles com "inteligência inconsciente" (vide Conclusão Final).

Aliás alguns textos cristãos falam do "rezar antigo", referindo-se a uma forma de rezar que não é feita de "autisticamente" palavrear palavras em rezas quantificadas por rosário (modelo ocidental de focalizar), ou até conversar consigo mesmo num auto-convencimento de "falar com Deus" (esquizoide hebefrénico???), mas sim em…

... "esvaziar a mente" num […sentir de conexão com o desconhecido…] na linha de Gustave Thibon, filósofo francês cristão (1903-2001), seguidor de S.Tomás de Aquino e S. João da Cruz, ao falar de [...o vazio ser a pátria das asas…] talvez numa possível procura da sabedoria da inteligência-inconsciente de tudo o que está vivo, muito semelhante aos filósofos budistas e shintoístas.

Em síntese, a pergunta-resumo é fácil mas a resposta-conclusão é difícil: 


…os mais simples animais pensam e sentem???…ou não???

pois na prática, estar vivo é receber e processar estímulos do exterior construindo auto-adaptações, ou seja, eles também sentem o contexto (têm sentimentos) e constroem significados sobre ele (têm pensamentos)??

Toda a vida cria sentimentos e
cria significados ao que sente, 
bom ( pró-vida) ou mau (anti-vida)…

exemplo
…a inteligência não-consciente  
sente e conhece o sentir de amizade

Numa tentativa de resposta,

para terminar, dois exemplos:


1. Protozoários (uma célula) pensam ????

Há várias experiências em várias Universidades com este ser vivente e suas inesperadas capacidades de cálculo "matemático" na construção de redes (networks):

- Toshiyuki Nakagaki, Universidade de Hokkaido, Sapporo, Japan;
- Andrew Adamatzky, Jeff Jones, Universidade  de West England, Bristol, U.K.;
- Mark Fricker, Universidade de Oxford;
- Ramon Alonso-Sanz, Universidade de Madrid; 
etc...


Numa simples experiência o Slime Mould foi colocado num labirinto com vários caminhos possíveis para a solução, uns mais longos, outros mais curtos e outros sem saída (bloqueados).
No início e fim foi colocada comida e ele, emitindo pseudopodos e construindo uma espécie de "tubo", para se alimentar escolheu sempre o caminho mais curto e não entrou nos "sem saída" (ver video 1m):


De modo semelhante, utilizando uma simulação do Metro de Tóquio, o Slime Mould tomou uma série de decisões construindo uma "network" eficaz e eficiente a unir todos os pontos (ver video 2m):


fazendo o mesmo com um modelo da rede de comboios de Portugal e Espanha (ver video 1m)


Neste caso aparece um pormenor interessante porque os critérios de eficiência e eficácia da Slime Mould parecem ter um cálculo "matemático" em função da energia e espaços, não tendo consideração por preocupações políticas, económicas, sociais, etc. 

Assim percebe-se porque não considerou a ligação Lisboa-Madrid quando na realidade ela existe, talvez por pressões políticas e/ou económicas.
É também interessante comparar a rede que um Slime Mold faz com povoações das antigas estradas romanas, compará-la com as existentes na época e avaliar a eficácia e eficiência do pensar romano sobre a network de transportes. Parece que os romanos pensavam bem acerca da sua rede de estradas.

Para terminar …
uma experiência nova na vida de um Slime Mould e que de certeza não fará parte dos seus instintos genéticos, pois é ser o controlador de um robot.
Este deve ser um Projecto de vida que ele nunca pensou para os filhos:


2. Animais despedem-se ????

Se protozoários pensam e pensar […não é relacionar sinais obedecendo a scripts (regras) de comparação, mas criando significados que fazem diferença no sistema total…] então surgem situação novas afectando todo o organismo (as emoções).

Emoções más doem (fazem mal à vida) e o organismo tem opiáceos naturais (vide abelhas), emoções boas sabem bem e vivem-se como se fossem opiáceos.

Ganhar amizades ou perder amizades… são emoções boas e más???
Os animais também sentem???

A DESPEDIDA 
(video 2m)



Conclusão

Parafraseando o Prof. Toshiyuki Nakagaki:

Se o cérebro tem células …e pensa,
a célula tem cérebro …e pensa.

se temos biliões de células no corpo e todas pensam, repare-se a reparação celular de uma ferida em que se baseia a recuperação de operações nos Hospitais baseada na "inteligência" das células, porque é que só acreditamos na "inteligência emergente" do conjunto dos neurónios habitantes do nosso crânio e avaliamos e julgamos a inteligência com a régua dos científicos testes Q.I.???

Ando a pensar arranjar um Slime Mould cá para casa e competir com ele a resolver labirintos. Talvez aprenda alguma coisa e até ele me ensine a fazer "networks" eficientes e eficazes.

Pela pesquisa que fiz, um engenheiro de networks no metro, estradas e comboios ganha bem e tem emprego garantido, pelo que ando a pensar levar no bolso um Slime Mould e empregar-me nas networks da CP, do Metro ou rodoviária de Câmaras e Ministérios, trabalhando "clandestinamente" com a sua ajuda…


domingo, 20 de julho de 2014

Caixa de Pandora, Educação e Inteligência das plantas

Todos sabem tirar uma pedra do sapato,
poucos aprendem a tirar uma ideia da cabeça.
Budismo Zen

Pensar ou não pensar, os pensamentos invadem-nos e quanto mais não pensamos neles…mais eles dançam dentro de nós.
Esta é a tortura do pensar:

O pensar invade a vida...
Os antigos gregos tinham o mito (há várias versões) da Caixa de Pandora que era uma simples caixa fechada cheia de desgraças, males e ofertas dos deuses, por ex. o fogo, e que também continha a esperança. Foi oferecida à Pandora, primeira mulher na Terra, com a recomendação de nunca a abrir.

Pandora abrindo a caixa
Mas curiosa, a Pandora abriu-a e fechou-a logo, porém tudo escapou e só a esperança não conseguiu fugir pelo que ficou fechada lá dentro.

Desde essa altura, as desgraças e surpresas rodeiam-nos e a esperança não aparece.

O conselho deste mito é simples e prático: "Não se deve abrir o que não sabe se pode fechar". Porém, este conselho também é um mito porque só sabe que não pode fechar depois de o ter aberto.

Parece que o conselho dos Deuses devia ser outro: "Viver é sempre andar a abrir Caixas de Pandora …porque se não são, não merece a pena abrir"… devem ser caixas com arquivos.

O interessante deste mito é que se os Deuses não avisarem, e normalmente não o fazem, só se sabe que é uma Caixa de Pandora depois de a ter aberto e não saber fechar… por isso a única solução é continuar a abri-la tantas vezes até que a esperança apareça, assim ...abram-se Caixas de Pandora e haja alegria por elas existirem.

Este é o meu caso com a questão "animais terem ou não terem sentimentos" (ver ref. no fim).
Quando comecei a abrir esta Caixa de Pandora, surpresas saltaram à minha volta e a minha calma pastoril desapareceu.

Por exemplo, o saber que as abelhas produzem biologicamente opiáceos (investigação cientifica na Argentina) deu-me a conclusão que devem ter dores e que porcos e outros animais também devem ter, pelo que, parafraseando a "pensadora" Mafalda do Quino, possivelmente todos devem ter "Projectos de Vida" com que sonham e querem para os filhos. (ver ref. no fim)

O meu mundo alterou-se, os animais já não são animais são viventes com intenções, estou a ficar vegetariano, comovendo-me com a secção de carnes dos menus dos restaurantes… e o meu futuro está a caminho do eremitismo.

Como defesa resolvi seguir o conselho oriental e " se não consigo fechar a Caixa de Pandora, tenho que a abrir mais".

Lembrei-me dos peixes...
O prazer da pesca é ver os peixes morrer por não poder respirar,
se isso não acontece, a pesca não presta porque os peixes já estão mortos!
Pescar um peixe é divertir-se com o prazer de o apanhar e ver sufocar estrebuchando no esforço de respirar para continuar vivo.
(P.S.- Seria este o prazer dos circos romanos e será este o prazer das touradas?)

Obter uma boa pescaria é uma alegria relaxante de levar para casa os "sufocados" desse dia.
Chama-se a esta actividade fazer desporto… desporto de andar a impedir uns quantos de respirar!!!

O interessante é que quando um humano cai dentro de água e, à semelhança do peixe pescado, estrebucha sem conseguir respirar, os golfinhos não o empurram para o fundo para ajudar a sufocar, mas pelo contrário levam-no para a superfície para poder respirar… o desporto deles é diferente, é desporto de ajudar uns quantos a respirar!!!


Ando confuso com estes dilemas e apesar da solução parecer ser tornar-me vegetariano, resolvi entretanto abrir mais a Caixa de Pandora e procurar resposta a outra pergunta: …"as plantas também pensarão e terão emoções"?
Se sim…  então só me resta jejuar e desabituar-me de comer.


Para começar, a grande diferença entre plantas e animais parece-me estar nos hábitos alimentares.


As plantas não se deslocam para procurar comida, apenas se esticam para cima com os troncos e folhas para apanhar sol, luz, humidade, ar, e para baixo com raízes para obter nutrientes, usando os recursos locais.
Além disso usam recursos directamente como estão na natureza.

Os animais deslocam-se para procurar alimentos noutros locais, pelo que necessitam de orgãos e funções que as plantas não precisam, se bem que existam alguns animais tipo plantas, isto é, sem deslocações, por ex., as esponjas.

Por outro lado, os animais não usam nutrientes em forma directa como as plantas, mas apenas quando já estão pré-preparados em forma vegetal, caso animais herbívoros, ou transformados em carne, caso animais carnívoros, numa palavra, ambos com comportamentos predadores de aproveitar o trabalho dos outros (modelo também usado pelos predadores económicos).

Como curiosidade, em quase todos os animais o maior orgão do sistema nervoso está localizado perto da boca, mesmo o polvo apesar de ter bastantes neurónios nos tentáculos é junto da boca que está a grande concentração e não há vertebrados com o córtex junto das patas (surgem dúvidas no caso de alguns humanos).

Às vezes e de forma excepcional, os animais comem nutrientes de forma directa lambendo-os tal como estão na natureza, parecendo ser uma decisão auto-medicamentosa para tratamento.


O chamado senso comum afirma como verdade que "se os animais se deslocam então precisam tomar decisões para onde vão" e se as "plantas não se deslocam não precisam tomar decisões".

Daí o conceito de "estado vegetativo" com o significado de "sem tomar decisões", usado em medicina e nela bem caracterizado, mas esta colagem nome-significado tem um erro de lógica cultural na sua origem. 

Na verdade na lógica do senso comum se a deslocação existe, então, existe decisão e de forma imediata também conclui o reverso, isto é, se não há deslocação então não há decisão... e assim nasce o científico nome de estado vegetativo quando sem decisão.

Porém na lógica do senso pensado isto não é verdade, pois o facto de não haver canto não significa que não há cantor, ou seja, a falta de prova não é prova. 

O facto da planta não se deslocar não significa que não toma decisões, portanto um estado tipo vegetação (vegetativo?) não significa por inerência um estado de falta de decisões… por exemplo, após a decisão de estar quieto, a não-deslocação é prova da decisão e não da falta dela.
(PS- Há mais alternativas lógicas, ver outra mais à frente com um video)

Não me parece que por este caminho se consiga chegar a qualquer lado, de modo que resolvi mudar o rumo.

O cerne da decisão parece estar na sua construção, isto é, no processo da sua origem. A conclusão é fácil, estará naquilo a que se chama inteligência.

Mas esta facilidade traz duas dificuldades: 1º - O que é inteligência?; 2º - Como se evidencia?

Mesmo sem responder à primeira pergunta, uma resposta para a segunda é que "o deslocar é uma evidência", trazendo uma terceira questão: 3º - que outras evidencias são possíveis?


Resolvi pesquisar "o que é inteligência"!

Respostas há muitas, desde inteligência cognitiva, abstracta, concreta, emotiva, espiritual, fabril(?), organizacional, artística, prática, política(?), grupal, "de enxame", emergente, etc, umas mais bem definidas, outras mais confusas, mas todas integradas em paradigmas culturais que lhes dão um "sabor" particular.
Quer isto dizer que o contínuo "estupidez versus inteligência" numa cultura pode ter um significado, noutra cultura, não ter qualquer significado ou até ser o oposto.
Exemplo:

Conceito (para teste técnico: médico, engenheiro, gestor, etc) 
inteligência prática: eficácia da captação de sinais (diagnóstico) e eficácia da decisão correspondente (acção);

A - um selvagem a atravessar uma rua de intenso tráfego em New York demonstra "falta de inteligência" e é atropelado;

B - um prémio Nobel a atravessar um rio na selva demonstra "falta de inteligência" e é o almoço do crocodilo;


Se se observar os "testes de inteligência" nas suas entre-linhas, nota-se bem a dança dos paradigmas a controlar a selecção dos "estúpidos" e dos "inteligentes". A vantagem é que há tantas inteligências cientificamente definidas e com testes validados que há de certeza uma que serve para se rotular de génio… é só procurar bem e depois fazer publicidade ao resultado.

The Economist, 19 Dez 2007

No caso de se procurar saber se as plantas são ou não inteligentes é importante fixar primeiro uma definição de inteligência e também encontrar critérios e evidências concretas da sua existência ou falta.

Do turismo intelectual feito no tema encontrei uma definição de inteligência que agradou.

O psicólogo David Stenhouse descreve inteligência como […um comportamento adaptativo variável do indivíduo dentro do seu tempo de vida…] sendo [… não instintivo e maximizando a sua aptidão…].

O ser não-instintivo agradou-me porque implica adaptação a variáveis "anómalas" (fora das zonas de normalidade do instinto) e o comportamento variável implica transformações observáveis não-rotinadas.

Lembrou-me as experiências de M. Giurfa do CNRS francês com as suas abelhas a responderem a traços verticais e horizontais, estimuladas com "sim" por uns e com "não" por outros, o que corresponde bem a esta definição pois não acredito que o seu instinto tenha respostas comportamentais variáveis para sinais geométricos.
(ver blog "Abelhas, Inteligência e Educação")

O biólogo  escocês Anthony Trewavas, Universidade de Edinburgo, tem experiências interessantes neste campo e salienta que considerar as plantas como sem movimento é apenas um problema do seu movimento ser tão lento para a percepção humana que o considera inexistente. Não é um problema de haver ou não deslocação, é um problema de a conseguir ver ou não.

No video (1m 15s) filmado com tecnologia apropriada é possível ver as plantas a mover-se e até a escolher o seu caminho, tacteando para onde "querem" ir pois pesquisam, hesitam, recuam, mudam… na prática, decidindo para onde vão:

Discovery (1m)
click aqui, se não abrir fazer download
Também é possível terem movimentos mais rápidos e neste caso não é só moverem-se… é decidir quando o devem fazer de modo a ter sucesso, o que implica percepção, intenção e estratégia, portanto, inteligência:

Discovery (40s)

Anthony Trewavas refere que as plantas tomam diversas decisões com base nas informações que recebem do contexto respeitante a condições de sobrevivência, isto é, ter mais ou menos nutrientes, água, luz etc e assim desenham a sua estrutura e para onde dirigem raízes, troncos e folhas numa espécie de deslocações de "parte" da estrutura, semelhante a "mexer" um novo braço sem mexer o corpo, nem os braços já existentes.

O interessante é que tudo isto exige decisões, nunca rotinadas mas variáveis, adaptadas às informações recebidas do contexto, com a intenção de aumentar a sua aptidão e eficácia. De acordo com a definição de inteligência do psicólogo David Stenhouse isto significa que as plantas têm inteligência

Anthony Trewavas refere ainda que as plantas fazem previsões da melhor localização para rentabilizar o sol e luz e fazem crescer troncos e folhas nessa direcção e não noutra.

Ao contrário dos animais que se adaptam no momento e rapidamente a melhores condições de rentabilidade, as plantas não o podem fazer portanto a eficácia da sua sobrevivência depende da justeza do plano de crescimento, ou seja, a sua vida depende da correcção da previsão de futuro e da adaptação a esse futuro, modificando-se numa direcção (a rentável) e não noutra (a carente), difícil de corrigir ou pelo menos vagarosa… o espantoso é que acontece exactamente assim… e com êxito há muitos milhares de anos.

A sobrevivência das plantas baseia-se na PREVISÃO correcta 
e no eficaz PLANO DE CRESCIMENTO correspondente.

Stilt Palm
Como exemplo prático, Trewavas refere-se à Paxiuba (Stilt Palm) que vai criando raízes do lado do Sol e deixando morrer as que estão à sombra, assim na prática realmente o tronco e folhas deslocam-se no espaço em direcção ao Sol.

Kenji Matsui da Universidade Yamaguchi investigou e concluiu que algumas plantas (tomate, por exemplo) se atacadas por vermes produzem um ácido que os combate, o interessante é que outras plantas nas redondezas começam também a produzir esse ácido em prevenção.

Por experiências em biologia molecular alterações bioquímicas e bioeléctricas encontradas nos neurónios estimulados encontram-se também nas células das plantas estimuladas por ex. com luz, cálcio, etc. Talvez a não existência de células especializadas (neurónios) seja porque todas funcionam como tal (???).





Uma experiência pessoal

Há alguns anos atrás fiquei encantado com a estética floral japonesa do Ikebana:


Na altura tendo um Bonsai resolvi dar-lhe um design "Ikebana".


Podemos pôr a semente na terra e ajudá-la,
mas as decisões são sempre dela.
Budismo Zen

Aceitando este princípio, durante cerca de 15 anos andei a "conversar pedagogicamente" com o meu Bonsai para ele adoptar um postura "Ikebana" e alterar as decisões pessoais que estava tomando.

Alterava-lhe a luz, os nutrientes, os espaços de crescimento, impedindo ramos, favorecendo outros, etc, no sentido de o fazer tomar decisões em direcção ao meu projecto de design.

Ele que era um Ficus-Regusa pequeno e direito, hoje (Jul. 2014) é grande e Ikebana:


Até abrir esta Caixa de Pandora sobre emoções e inteligência nos animais e plantas, eu andava muito contente com o resultado da minha relação pedagógica com o meu "pet" de estimação.

Mas as Caixas de Pandora trazem o imprevisível e desde a abertura desta, o meu mundo convulsionou e tem sido um deslizar em direcção ao desconhecido. 

Agora sempre que agora olho para o meu "Bonsai Ikebana" a Mafalda invade-me a cabeça, com a tortura do pensar:


e lembro-me do pequeno Ficus-Regusa esbelto, direito e crescendo em direcção ao céu e vejo-o agora grande, forte e marreco, "viciado" na janela por causa das interferências que fiz ao seu Projecto de Vida.

Não sei se as plantas têm ou não inteligência e objectivos pessoais, o que sei é que eu tive objectivos pessoais e o obriguei a viver os meus… e está marreco e só conhece a janela.

PS - Tive que o mudar no vaso, porque tem mais raízes para trás do que para a frente, não percebi porquê, talvez para compensar desequilíbrios. Há 15 anos estava a meio do vaso.

Realmente pensar e fazer Educação é abrir uma Caixa de Pandora, quer seja educar um bonsai, um papagaio, um cão ou uma criança… nunca é inócuo.


Conclusão

Educar não é dar um projecto de vida é interferir num projecto de vida.

Toda a vida, ao contrário dos não-viventes que são sistemas complicados, é um sistema complexo portanto com estimulações do exterior a que responde em função das suas "intenções". 

Estar vivo é ter um projecto de vida a defender, fazê-lo chama-se sobreviver e sobreviver é adaptar-se, adaptar-se é usar inteligência para ser flexível… esta flexibilidade é a sua força e a sua fraqueza.

Se manipulada do exterior a vida adapta-se… então esta manipulação se é positiva desenvolve, se é negativa mata. 

A manipulação que altera projectos de vida chama-se EDUCAÇÃO… e a educação que aumenta a vida chama-se evolução e a educação que aumenta a morte chama-se involução… é esta a Caixa de Pandora do Educador pois só depois sabe o que acontece e não pode voltar atrás. 

Se for consciente a dúvida nunca o larga e o seu cuidado é grande, procurando educar não com o senso comum mas com o senso pensado, pois o que sabe é que:

 o resultado nunca é o que se educa pois apenas se interfere… a escolha final é do outro,
seja planta, animal ou pessoa.



Ref.:
14 jul 14 - http://pincamentos.blogspot.pt/2014/07/abelhas-inteligencia-e-educacao.html
06 Jul 14 - http://pincamentos.blogspot.pt/2014/07/emocoes-e-sentimentos-em-animais-tambem.html
27 Jun 14 - http://pincamentos.blogspot.pt/2014/06/bisbilhotice-e-educacao-por-osmose.html


segunda-feira, 14 de julho de 2014

Abelhas, Inteligência e Educação


Tudo começou com uma simples questão:

- "Porquê esta crença "instintiva" de que os animais não têm sentimentos (emoções sentidas) nem ideias (abstracções)?"

Será porque é uma verdade de senso comum do género "a Terra é plana"?
...ou porque é uma verdade de senso pensado do género "a Terra é redonda"?

E se for senso pensado será apenas uma verdade criada para facilitar aceitações psicológicas à exploração dos restantes viventes do planeta e funcionar como justificação?
...ou será racionalmente instituída?


É verdade que culturalmente além da diferença animais-humanos, se faz também diferença entre animais invertebrados e vertebrados, e nestes se diferenciam os vertebrados superiores dos restantes… 

-"Gosto muito do meu cão, trato-o como uma pessoa…",

mas vai também à tourada onde paga para aplaudir a tortura do touro "…porque ele não sente.." e "…porque assim é protegido em quintas…" para depois poder ser torturado e morto com alegria em festas. Como se repara é uma interessante desculpa de Psico Lógica prática.

Espanta-me a sobrevivência desta esquizofrenia cultural, aliás habitual na justificação doutras áreas, como por exemplo, na escravatura, submissão feminina, ditadura democrática, disciplina sindical e partidária, etc.

Não detectei a origem, nem o processo desta fissura cultural humanos-animais, mas encontrei migalhas desse caminho e também propostas actuais já institucionalizadas em pontes para tirar a fissura. 

Em síntese, o "incómodo" é o da Mafalda:


isto é, a actual fissura humanos-animais parece ser um dilema entre duas posições:

A - os animais são apenas máquinas biológicos, com programações standarts chamadas instintos, sem emoções nem inteligência decisória, abissalmente diferentes dos humanos, isto é, são apenas "coisas vivas"; 
ou
B - os animais são seres biológicos como os humanos, têm instintos, emoções e ideias, se bem que expressas em estruturas orgânicas e neurais diferentes mas semelhantes na estrutura molecular e nas funções, isto é, são ambos "intenções vivas".

Como dizia Darwin, [...a diversidade biológica é o resultado de um processo de descendência com modificação, onde os organismos vivos se adaptam gradualmente através da selecção natural e as espécies se ramificam sucessivamente a partir de formas ancestrais, como os galhos de uma grande árvore: a árvore da vida.]



No início da pesquisa encontrei uma mudança institucional interessante. A Universidade de Toulouse alterou o nome do Departamento de Comportamento Animal para Cognição Animal.
Parece-me ser uma mudança da perspectiva do animal como máquina biológica de funções automáticas para um vivente cognitivo, alargando (abandonando?) a perspectiva Skinneriana.

Parece ser uma abertura da Ciência institucional à perspectiva da inteligência nas outras espécies, anulando a barreira entre humanos e outros viventes, em que desaparece o conceito de "organismos incognitivos".
Como ex., a actual pesquisa sobre bactérias acerca da rápida disseminação da sua resistência a novos antibióticos, de dezenas de anos a meia dúzia, e da hipótese  de ser aprendizagem e sua disseminação na espécie (comunicação?).

Na UK estuda-se as formigas numa "cidade e campo" artificiais construída tipo BigBrother para observação; um Biólogo austríaco estuda cognição em amibas; no Japão investiga-se a visão de cores nos insectos, o olfacto em grilos e a neurologia das borboletas.
Na América do Sul descobriu-se que o sistema nervoso das abelhas produz opiáceos, o que talvez sigifique que devem sentir dores (emoções?) e por isso produzem biologicamente analgésicos.

Parece que o século XXI é o século de abrir portas e caminhar no desconhecido da Biologia.

Na realidade, as portas "fecharam-se" quando surgiram paradigmas científicos nesse sentido, como por exemplo, no século XVII  R. Descartes no seu "Discurso do Método" (1637), após na 4ª Parte analisar o Homem, sua alma e a dinâmica do "Penso logo existo", fala na 5ª Parte sobre os animais (realce nosso):


[... E isto não prova somente que os animais têm menos razão que os homens, mas que não têm absolutamente nenhuma
...não é crí­vel que um macaco ou um papagaio, mesmo um dos mais perfeitos de sua espécie, se igualasse a uma criança das mais estúpidas ou, pelo menos, a uma criança de cérebro perturbado, se a alma deles não fosse de uma natureza completamente diferen­te da natureza da nossa. 
...É tam­bém notório que, embora haja muitos animais que demonstram mais engenhosidade do que nós em algumas das suas ações, vê-se, contudo, que os mesmos não demonstram nenhuma em muitas ou­tras; de modo que o que fazem melhor que nós não prova que tenham espírito; pois, desta forma, tê-lo-iam mais do que qualquer um de nós, e agiriam com mais acerto em todas as outras coisas; mas, pelo contrário, prova que não o têm, é a natureza que neles opera de acordo com a disposição de seus órgãos, assim como se vê que um relógio, composto apenas de rodas e molas, pode contar as horas e medir o tempo com muito mais exatidão que nós, com toda a nossa prudência…].
(pag 65/66, Ed. Martins Fontes, Brasil)

Mas Descartes não estava sozinho, no mesmo século Francis Bacon (UK) criticava quem atribuía objectivos e intenções a não-humanos, pois isso era uma actividade especificamente humana e fazê-lo não passava de antropomorfismo, isto é, um atribuir características humanas a não-humanos.

O tempo passou e no século XX, Jacques Monod, biólogo, Nobel de Fisiologia-Medicina 1965, diz no seu livro "Acaso e Necessidade" que […o pilar do método cientifico…consiste na negação sistemática da existência de intenções na natureza…] e referindo-se às abelhas diz que a colmeia é "artificial" pois […representa o resultado da actividade das abelhas, mas há razões para pensar que é uma actividade estritamente automática, imediata e não conscientemente planeada.]

Porém há vozes dissonantes.

John Lock (UK) diz que os animais têm percepção, memória e razão, faltando-lhe abstracção, David Hume, escocês, diz que os animais podem raciocinar e aprender pela experiência como os humanos e A. Schopenhauer (alemão) acredita que os animais aprendem e têm livre arbítrio.

Mas o que achei mais interessante foi Darwin sugerir que os humanos estão ligados por hereditariedade com as outras formas de vida, posição muito semelhante às crenças do Budismo.
Na "Origem das Espécies" ele afirma que todos os seres vivos, incluindo humanos, vêm de uma origem comum por processos de selecção natural intra e inter espécies.

A aceitar este paradigma e simultaneamente aceitar que nas etapas a meio do percurso os nossos antecedentes foram (e são) mecanismos sem alma e sem mente, então nós humanos algures na evolução somos apenas "filhos" de progenitores que são "calhaus biológicos", mas deles nascemos com alma,  razão e mente, numa espécie de mutação uterina.

Uhauuu

...teremos que repensar quem somos e quem é a nossa anterior família de "maquinaria biológica" ou negar a "Evolução das Espécies".

Outra alternativa é a versão religiosa de acreditar numa intervenção divina que fez a mutação qualitativa  ao "soprar alma para dentro da maquinaria biológica".


Porém, Darwin em "The Expression of the Emotions in Man and Animals" (1872) descreve animais com autoconsciência e emoções e diz que […uma pequena dose de raciocínio e julgamento existem mesmo em animais na escala inferior da natureza],

e em "The descent of man" (1871) falando da faculdade mental das formigas diz:

"…as formigas certamente comunicam informações umas às outras e unem-se para o mesmo trabalho ou  jogos. Reconhecem outras mesmo depois de meses de ausência e mostram simpatias.
Constroem grandes edifícios, limpam-nos, fecham portas à noite e põem sentinelas. 
Fazem estradas, túneis sob rios e pontes sobre eles. Recolhem alimentos para a comunidade e se um objecto muito grande é trazido para o ninho aumentam a porta e depois reduzem-na. 
Armazenam sementes, de que impedem a germinação, e se forem húmidas levam-nas para a superfície para secar. Mantêm pulgões e outros insetos como "vacas-leiteiras". 
Saem para batalhas em grupos regulares e sacrificam vidas pelo bem comum. Emigram de acordo com um pré-plano, capturam escravos. 
Deslocam os ovos dos pulgões e os seus próprios e casulos para partes quentes do ninho, a fim de  nascerem rapidamente…],

e Darwin conclui [...as faculdades mentais do homem e dos animais inferiores não diferem em essência, embora bastante em grau… ] (realce nosso)


Síntese em modelo

Como conclusão global, o modelo é relativamente simples quer se acredite, ou não, que os animais têm emoções e intenções:

1º - Duas faces da mesma moeda

A relação da vida com o seu contexto é gerida por um equilíbrio entre instintos (scripts pré-programados) e intenções (cognitividade decisória). O seu equilíbrio quantitativo e qualitativo varia com a espécie, factores, circunstâncias, etc.

Há duas perspectivas diferentes, numa delas, os animais nunca têm intenções (por ex., Descartes), na noutra, humanos e animais têm instintos e intenções (por ex. Darwin) em várias percentagens.


2º - Programação automática

Num extremo existe um "desequilíbrio" a favor do predomínio do instinto (pré programação) e esvaziamento da intenção, pelo que o comportamento será apenas o resultado cego da programação instituída e automática.

Deste modo os efeitos da intenção são desprezáveis e inoperantes, pelo que o conjunto é uma espécie de "relógio vivo" obedecendo apenas "às leis do seu  funcionamento".
Na perspectiva cartesiana este é o mundo dos animais, na perspectiva de Darwin existe sempre uma certa plasticidade resultante da intenção, por reduzida que esta seja.


3º - Cognição decisória

No outro extremo existe um "desequilíbrio" a favor do predomínio da intenção e esvaziamento do instinto, instituindo assim o mundo do livre arbítrio e da problemática do comportamento moral e ético.

Na perspectiva cartesiana, com o seu "penso logo existo", este é o mundo privativo e por excelência dos humanos, mas na perspectiva de Darwin existe sempre instinto e intenção em todos os animais, por muito reduzido que um esteja, estão sempre os dois a funcionar.




4º - Continuum instinto-intenção

Os dois extremos citados definem um continuo ao longo do qual se localizam "desequilíbrios equilibrados" com percentagens diferentes de instintos-intenções em função das espécies.

Segundo Darwin todos têm a mesma origem, isto é, [...não diferem em essência, embora bastante  em grau… ].

O interessante é que este continuum, na perspectiva biológica, expressa diferentes equilíbrios entre as espécies mas, numa perspectiva sociológica, expressa também diferentes modelos educativos e civilizacionais.
Por exemplo, modelos autoritários quer políticos (ditaduras) quer organizacionais (disciplina, submissão) pressionam a existência de "programações automáticas" e o bloqueio das "cognições decisórias".

Na educação dos filhos em família e na escola o modelo pode ser observado. 
De forma simples, cada um poderá pesquisar o seu caso, bastando indicar um valor de 0 a 10 para as práticas educativas que sentem ser as que os vossos filhos vivem, ou seja, como são educados e para isso bastará fazê-lo apenas em três níveis de problemas para se obter um perfil:

Auto Teste do Educador
PS - De forma imediata pode aplicar-se noutras situações desde o trabalho ao casamento, relações especificas de colegas ou amigos, formações havidas e até relações institucionais de hospitais, policia, impostos ou comerciais,... talvez seja possível conhecer melhor onde se vive e com quem se vive.

Como exemplo: 

Soldado Milhais e sua
 Torre e Espada
É interessante notar que a cultura militar de estritas obediências, modelo "programação automática" existente, por ex., na 1ª Guerra Mundial, tem o paradoxo de depois se darem medalhas de Torre e Espada exactamente aos que se distinguem por fazer "cognição decisória" (inovar fora das regras), acção contrária à cultura, regras, permissões e treino recebido no modelo "Yes Sir".

Foi o caso do soldado Milhais que recebeu a medalha Torre e Espada porque sozinho, em vários dias, decidiu e agiu, não uma mas várias vezes, tomando decisões extra-instituição que transformaram a derrota em vitória.


Ainda como complemento, salienta-se que as formatações de combate tipo "corajosos, unidos e em programação automática" características dos séculos XVIII, XIX e 1ª Guerra Mundial foram claramente postas em causa na Cochinchina (sec XX), Vietname no tempo dos franceses em que estes armados e treinados ao estilo "programação automática" foram derrotados por grupos quase desarmados, mas pensando em estilo "cognição decisória".

O livro do jornalista australiano Wilfred G. Burchett "Vietnam - Inside story of the guerrilla war" (1965), editado pela Seara Nova com o titulo "Vietnam segunda resistência", é bastante elucidativo a este respeito.

No mesmo sentido, já em 1805 na Batalha de Trafalgar, a Armada Invencível, comandada pelo Almirante Villeneuve, tinha o estilo de "obediência automática" à estratégia de enquadramento que ia sendo emitida durante a batalha pelo navio almirante através de bandeiras.

Pelo contrário o Almirante Nelson em reunião prévia deu liberdade de "escolha decisória" aos comandos dos navios após o inicio da estratégia estabelecida e confirmada apenas pelo célebre sinal de bandeiras "England expects that every man will do his duty" (Inglaterra espera que cada homem cumpra o seu dever) que foi içada nos navios.

Como resultado, a poderosa e bem artilhada Armada Invencível foi derrotada por uma Armada menor e com menos canhões, mas com liberdade de decisão apoiada numa estratégia militar que consentia, favorecia e aproveitava essa liberdade.

Aliás, utilizando o mesmo modelo, a vitória de Aljubarrota pode ser analisada como sendo também o jogo vitorioso da cognição decisória "de poucos e pouco armados", com uma estratégia militar que o favorecia e aproveitava, sobre a programação automática de "muitos e muito armados" da então considerada a melhor cavalaria militar da época.

Em todos estes casos não foi uma questão de poder da força mas de poder da inteligência.

Como síntese, um esquema mnemónico global:




Exemplo ==> Abelhas

O tema é simples, com o cérebro do tamanho de uma cabeça de alfinete,

... a abelha tem ou não tem cognição decisória? … Isto é,
…constrói alternativas e escolhe, ou não? … Isto é,
…tem pensamento abstracto ou não? … Isto é,
…tem a mesma essência mental (em diferente intensidade) ou é um "calhau biológico"?

A primeira conclusão é que as abelhas vivem meses, portanto se aprendem, têm que aprender depressa. A validação da aprendizagem pode ser simples, isto é, se o comportamento muda com uma nova estimulação é porque houve aprendizagem e, se essa estimulação oposta à estimulação instintiva altera o comportamento, não só houve aprendizagem como alterou pré-programações, criando "plasticidade comportamental".

Martin Giurfa, investigador do CNRS (centro francês de Investigação científica) fez uma experiência simples, cujo resumo resumido é o seguinte:

1. uma "câmara de decisão" com dois caminhos, um sinalizado com cor azul e outro com cor amarela.
2. o caminho com cor azul leva a uma substância açucarada e a cor amarela não.
3. depois das primeiras experiências, é proposto um labirinto com entroncamentos azuis e amarelos. As abelhas seguem os azuis…isto é, tinham aprendido e estavam aplicando o conhecimento adquirido fazendo decisões sobre o melhor caminho a seguir.
4. depois substituindo as cores por traços paralelos verticais e horizontais, o resultado foi o mesmo: seguiam os que levavam à substância açucarada e abandonavam os outros.

…pelo que as abelhas com o seu cérebro microscópio pensavam e seguiam regras abstractas…pois o instinto não contém estimulações "sim e não" para traços verticais e horizontais.

Muitas vezes explica-se a "inteligência" da colmeia com o conceito de "inteligência de enxame" uma espécie de conjunto de "partes estúpidas" que origina "inteligência emergente", para validar a perspectiva do Descartes, Monod, e outros.

É uma explicação cientificamente interessante pois baseia-se no conceito de emergência dos sistemas complexos, definida como "processo de formação de padrões complexos a partir de uma multiplicidade de interações simples"

Todavia há uma grande diferença entre comportamento grupal e decisão grupal. 
O mesmo comportamento de um grupo de pedras não permite concluir uma decisão integrada das pedras. Mas o mesmo comportamento num grupo de pessoas implica sempre uma decisão integrada dessas pessoas. 
É preciso não confundir um sistema complicado com um sistema complexo, o primeiro não tem inter-informação circulante (grupo de pedras), o segundo tem (grupo de pessoas).

Assim, a questão é:

para existir "inteligência emergente no enxame" o enxame tem que ser um sistema complexo e não um sistema complicado, para ser sistema complexo o seu elemento constituinte (a abelha) tem que processar informação, se processa informação não pode ser "um calhau biológico", isto é, um robot-automatizado. 

Parece que o Darwin tem razão, ou então os adeptos da "inteligência de enxame" com abelhas tipo robot-autómato (modelo Monod) devem acreditar que juntando vários e bons relógios suíços poder-se-á originar uma "inteligência relojoeira emergente" criadora de novas estruturas, como faz o enxame de abelhas… se isto não é Ficção Científica, pelo menos é Ciência Ficcionada.

Regressando às abelhas, M. Giurfa salienta que a plasticidade das abelhas não deve ser exagerada pois o pré-programado tem muito peso, mas isso não significa inexistência de plasticidade e diz que […ambos os princípios funcionam pois por um lado emergem regras para a colmeia e por outro lado a plasticidade da cognição individual tem um papel a desempenhar…], ou seja, é em tudo semelhante à sociedade humana pois esta com suas crenças instaladas e flexibilidade cognitiva, ao longo da História, tem "dançado" entre a ditadura, aceitando programações automáticas, e a democracia, impondo intenções.

Para terminar, há uma experiência curiosa a fazer ligação com a Educação.

As abelhas tem um instinto instalado que relaciona as cores azul e amarela com as flores que têm pólen, mas foi possível alterar esse instinto relacionando o pólen com outra cor e elas aprenderam, ...a plasticidade cognitiva alterou a rigidez do instinto.

Simplesmente, essas abelhas tiveram que ser mortas porque regressando à colmeia ensinavam as outras a alterar o instinto e a ficar com o novo estímulo artificial que só funcionava na realidade artificial fictícia, deste modo destruindo a condição de sobrevivência do enxame, com informação errada sobre a realidade.

A semelhança deste processo com gestões "maldosas" políticas, comerciais e económicas feitas na sociedade humana por informação e educação erradas é demasiado clara para ser desprezável e não nos obrigar a ser cuidadosos e lúcidos com a educação que damos. 

É suficiente ler as noticias actuais no massmédia sobre conflitos e dinâmicas politico-socais para reconhecer sinais claros do jogo manipulativo (ou inconsciente) da relação instinto-intenção de cada indivíduo com a informação "fictícia" sobre a realidade em que vivem. 



Conclusão

No plano das crenças emocionais, o "senso comum" diz que é mais seguro psicologicamente recusar que os animais são seres como os humanos e afirmar que eles não têm consciência e sentires …e, portanto aceitar o Descartes …e recusar o Darwin.

Gosta-se dos animais de estimação que temos como se gosta do automóvel, do sofá ou do fetiche a que se dorme agarrado de noite… mas nada de misturar sentires com "sentimentos".

Depois destes raciocínios, o "senso comum" diz-nos que é conveniente largar o intelectual e substituí-lo pela crença e bloquear empatias, isto é, no contínuo instintos-intenções ficar com o instinto do "sentimento que está cá dentro" de que animais não têm "sentimentos"...

…esta é uma Psico Lógica fundamental para se viver bem, não caindo na armadilha da Mafalda e poder comer à vontade "ovos mexidos com presunto":





Q.E.D. (??)