Tema
Livre arbítrio ou determinismo ?
São temas para discussões religiosas, filosóficas e escolares... ou são problemas constantes do dia-a-dia, quer para fazer compras, falar com o chefe, casar, votar, etc?
O senso comum chama SORTE ou AZAR quando o determinismo abafou o livre arbítrio.
Índice
1 - Carro e circunstâncias
2 - Poker e livre arbítrio
3 - Diagnóstico e exemplos
- A esplanada ou jogos relacionais
- A zanga ou cartas em jogo
- A árvore ou cartas jogadas
4 - Conclusão
1 - Carro e circunstâncias
No Reino Unido (UK) foi feito um estudo sobre o modo como dois casais se sentam num automóvel e qual o padrão usado, o qual parece variar com as culturas a que pertencem. Como resumo:
A - Working class
Neste caso os casais distribuem-se por "
homens à frente - mulheres atrás"-
Na prática é como se houvesse uma conversa para homens e uma conversa para mulheres, coexistentes mas independentes. Portanto, institucionalizam-se duas entidades: homens e mulheres.
B - Medium class
Aqui os casais distribuem-se por "casal à frente - casal atrás". Isto significa que a conversa é colectiva entre os quatro, todos falando com todos, ou funcionam por casal com conversas independentes.
Na prática, este isolamento por casal é raro ou será rápido pois, se prolongado, é considerado descortês.
C - Upper class
Neste padrão os casais separam-se, ficando "homem e cônjuge do outro à frente - homem e cônjuge do outro atrás".
É uma espécie de padrão de acolhimento em que cada um funciona como responsável por acolher, i.é., "fazer sala"com o outro. As conversas são simultaneamente públicas (todos ouvem) e privadas (diálogos independentes).
Na prática, cada um tem duas pertenças, uma em standby como membro do casal e outra activa como participante de uma função social.
O interessante desta análise é a conclusão de que a disposição dos assentos de um automóvel obriga á activação da cultura dominante de "géneros não se misturam" ou "casais não se separam" ou "acolhimento é a responsabilidade social".
O primeiro "livre arbítrio" é um livre arbítrio condicionado* ás três disposições possíveis A, B, C. Depois o segundo "livre arbítrio" é o tipo de conversa condicionado pela primeira escolha.
A vida é uma rede emaranhada de livres arbítrios e condicionamentos (circunstâncias) numa confusão lógica onde cada um começa e acaba e como se influenciam.
[*] -
Livre arbítrio condicionado ou determinismo flexível… ou, numa perspectiva existencialista, só temos o livre arbítrio que a nossa circunstância permite.
1 - Poker e livre arbítrio
A vida é uma espécie de jogo de poker pois, em ambos, existe o livre arbítrio de jogar com as cartas que o baralho deu, quer ao próprio, quer aos outros, quer a ninguém.
Noutras palavras, as cartas (
no poker) e as circunstâncias (
na vida) são a matéria-prima com que o livre arbítrio é fabricado.*
[*] -
Como diz o ditado "sem ovos não se fazem omeletes", mas com ovos pode fazer-se bolos, gemadas, bebidas ou … pintos. A diferença é feita, não pelos ovos mas, pela decisão do livre arbítrio.
O poker é exactamente como a vida, a política, a economia, etc, onde o
livre arbítrio é ser livre de decidir mas está preso no determinismo conhecido ou não conhecido. Se tudo corre bem chama-se
sorte, se corre mal chama-se
azar.
Na verdade, apesar destes determinismos, o livre arbítrio humano oscila com quatro pequenos graus de liberdade:
A - livre arbítrio decidido dentro de
regras, rotinas, protocolos existentes;
B - livre arbítrio decidido nas fronteiras dessas áreas, dentro de
prováveis lógicos;
C - livre arbítrio decidido fora dessas áreas, dentro de
possíveis extrapolados;
D - livre arbítrio decidido por não-arbítrio, usando
moeda-ao-ar;
Neste momento, não se considera esta alternativa por ser uma espécie de antinomia* com a essência definida por recusa a essa essência, do tipo "é… porque não é", ou seja, é um "livre arbítrio feito depois de estar feito" (i.é., escolhido pela moeda).
[*] - antinomia: um conflito/contradição entre duas leis, proposições, princípios, ideias.
Utilizando o poker como analogia, poder-se-á dizer que as decisões das jogadas são o livre arbítrio de cada jogador sobre as circunstâncias existentes, isto é, as cartas distribuídas e as jogadas dos outros jogadores.
Um bom jogador não é o que tem bom jogo (boas circunstâncias) mas é o que faz boas jogadas (bom livre arbítrio).
Um exemplo interessante é a Batalha de Aljubarrota entre Portugal e Castela (1385).
Castela tinha boas "cartas", um maior exército com uma das melhores cavalarias da época, e Portugal um menor exército com uma fraca cavalaria.
As "jogadas" feitas, isto é, o modo como as cartas e as circunstâncias foram usadas, foram más por parte de Castela e boas por parte de Portugal que venceu a batalha.
Estratégia é o uso do livre arbítrio que cria circunstâncias para adulterar o livre arbítrio dos outros e favorecer o próprio.
In brevis, na Batalha de Aljubarrota a estratégia de Portugal criou circunstâncias que desconcertaram o livre arbítrio dos castelhanos originando más decisões em consequência.
O interessante é que tudo isto está implícito no jogo do poker. Antes do jogo começar, nunca se procura prever as cartas, mas procura-se prever as jogadas, tentando definir o perfil dos jogadores*.
Tradicionalmente e de um modo simplista, há 4 perfis padrões para encaixar o jogador:
[*] - Por exemplo, procurar previamente vê-lo jogar.
1- looser - vai sempre a jogo
1.a - activo - toma iniciativas de criar circunstâncias (por ex. faz apostas)
1.b - passivo - acompanha as circunstâncias (por ex. iguala as apostas)
2 - Tight - só vai a jogo se tem cartas boas
2.a - passivo - acompanha as circunstâncias se tem cartas boas
2.b - activo - provoca circunstâncias se tem cartas óptimas
3 - Diagnóstico e exemplos
3.1 - A esplanada ou jogos relacionais
Na dinâmica de assentos de automóvel versus padrão de conversas, o cerne da questão parece estar nos padrões de interacção e comunicação que desse modo são activados entre as pessoas.
Nesta perspectiva surge uma pergunta,
"…e se não houver automóvel, surgirão também os padrões A, B e C atrás descritos?"
Resolvi pesquisar na área (Cascais).
Restaurantes e espanadas são bons locais a observar pois permitem escolher (livre arbítrio) quer o condicionante de "como sentar" quer o padrão de "como conversar".
Decididos estes, dada a flexibilidade dos lugares (ao contrário do automóvel), pode assistir-se a uma sucessiva mutabilidade entre os padrões A, B e C e suas nuances de sentar e conversar, se bem que normalmente haja um dominante.
Nos restaurantes o padrão mais vulgar é o todos falam com todos (padrão B), com suas conversas tipo "trocas" (fazer sala) ou "passa-tempo" (bla bla bla) ou "contacto" (info-afectivas), variando também consoante a idade e cultura.
Todavia, nas esplanadas, dada a sua informalidade, os padrões são mais expressivos, mais variáveis e com mais altos e baixos relacionais. Os três estilos A, B e C são vulgares.
Dois casais reformados tem vulgarmente o padrão A, homens conversam e mulheres conversam. Isolam-se em temas diferentes com conversas de "sala" e/ou "passa-tempo" e/ou "info-afectivas" por exemplo de hobbies (futebol e telenovela,). Porém quando o tema é família (filhos ou netos) passam para o padrão B, casal-casal, mas raramente o padrão C.
É interessante notar que casais de namorados/casados em torno dos 20 anos também usam muito o padrão A, ou seja, eles conversam e divertem-se entre si e elas fazem o mesmo. Só passam a conversa colectiva (padrão B), todos com todos, por razões operacionais, isto é, decidir o que vão fazer, comer, etc.
Um caso particular é o casal de avós com um casal de neto/a e namorado/a. Na conversa, o padrão B de casal-casal é o dominante, mas o padrão C também é comum com diálogo de acolhimento um-a-um cada avô com um dos jovens.
Há uma certa formalidade diluída em afectividade, quer por parte dos jovens quer por parte dos mais idosos. Numa palavra, é o clima de "delicadeza e afecto" característico do padrão C, com percentagens relativas variáveis.
3.2 - A zanga ou cartas em jogo
Num Domingo à tarde, dois casais amigos vão passear, homens à frente e mulheres atrás. Os donos do carro estão zangados entre si.
Música ambiente permite isolamento nas conversas "por género", os homens estão com estilo "passa-tempo" e as mulheres com estilo "info-afectivas" dialogando sobre a zanga.
No banco de trás, amigas desde crianças, o tema era implicado, intimo e delicado.
Subitamente a música pára, o silêncio aparece e as conversas ficam públicas.
O marido condutor fica zangado com a indiscrição do seu casamento e censura as mulheres pela leviandade.
Todos se manifestam e um conflito nasce, desenvolve-se e resolve-se: zangam-se, deixam de se falar e o passeio acaba.
O livre-arbítrio funcionou.
Análise das circunstâncias da zanga
ou "Definir a árvore das circunstâncias"
1 - O livre arbítrio funcionou dentro do determinismo criado pelas suas circunstâncias;
2 - Como exemplo e esquecendo outros, pode considerar-se quatro layers (estratos, níveis) iniciais:
. O conflito prévio
. Amizade antiga entre as mulheres
. Confidência
. Música ter parado
Se uma ou várias destas circunstâncias não tivessem existido aquele livre arbítrio não teria acontecido, mesmo mantendo outros layers, ex., cultura instalada, zanga clandestina, etc.
Em esquema:
Cada uma destas circunstâncias existe porque foram originadas por outras circunstâncias, por exemplo, o conflito do casal aparece porque se enraíza no casamento e este no namoro, etc, cada um deles teve um livre arbítrio que criou o layer seguinte.
Toda a vida funciona deste modo, em sandwiches sucessivas de circunstâncias e livre arbítrios, cada uma influenciada por outros conjuntos semelhantes.
No caso da amizade antiga, ela pode ter nascida de pais emigrantes que chegaram no mesmo navio e se instalaram no mesmo local, etc. Daqui a sua vizinhança, encontro, crescimento comum e amizade com raízes afectivas.
Em esquema:
Na verdade, os alicerces de cada livre arbítrio são uma miríade de pequenas circunstâncias que se enredam e criam condições para decisões (livre arbítrio) por sua vez criadoras de outras circunstâncias.
Como exemplo (história verdadeira), um avô que tem AQUELE neto porque:
"...há 60 anos um amigo esqueceu-se de um documento no trabalho e foi lá buscá-lo às 21:00 com a futura mulher e uma amiga. Como esse avô tinha ficado a trabalhar até mais tarde e já devia ter saído* há 30 minutos, conheceu-a, saíram juntos e mais tarde casaram e tiveram o pai daquele neto.
Agora, 60 anos depois nasce o neto apenas porque alguém ficou a trabalhar até mais tarde e outro esqueceu um documento.
Como diz o poeta […a vida é uma bola de neve que se alimenta de pequenas e fortuitas coincidências…].
[*] - Uma espécie do [...bater das asas da borboleta em Tóquio que provoca em tornado em Nova Iorque…] da teoria do caos.
Há um autor que propõe um jogo pessoal e interessante. Descobrir 10 decisões pequeninas e desprezáveis no passado que hoje se sabe terem originado um inflexão drástica na nossa vida. Como exemplo, na história do avô foi ele ter decidido ficar mais alguns minutos a trabalhar e com isso começar a linha conducente ao neto que hoje existe.
Segundo este autor, é um jogo de descobrir os nossos "bater das asas da borboleta" que provocaram os tornados da nossa vida.
Todos temos as nossas "bater de asas" e os nossos "tornados" a construir o nosso passado.
3.3 - A árvore ou cartas jogadas
Esta oliveira, em função das circunstâncias geológicas, atmosféricas, etc, que lhe "caíram em cima", usou o seu "livre arbítrio" para se sustentar, crescer e viver 34 séculos.
Que circunstâncias (
cartas a jogar) a vida apresentará á jovem oliveira e o que ela "decidirá" para alcançar a mesma idade de mais 33 séculos?
Do poker à vida humana, animal, vegetal tudo funciona do mesmo modo: circunstâncias e livre arbítrio.
No caso humano, as opções a tomar chamam-se decisões pois contêm parâmetros susceptíveis de serem manipulados com o objectivo de alterar as circunstâncias no provável e/ou no possível.
4 - Conclusão
Exemplo de livre arbítrio e circunstâncias:
a. Andar de fato e gravata a passear de automóvel por Lisboa não fez parte do livre arbítrio de Afonso Henriques, Rei de Portugal nas circunstâncias de 1147.
b. Andar de armadura e a passear de cavalo por Lisboa não faz parte do livre arbítrio de Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República Portuguesa nas circunstâncias de 2017.
O livre arbítrio é sempre expressão do grau de liberdade usado sob e sobre os determinismos das circunstâncias existentes.
Esse grau de liberdade do livre arbítrio pode funcionar em 3 padrões distintos:
A - orientar-se pelass regras, rotinas, protocolos existentes,
ou seja, funciona dentro do previsível institucionalizado.
Ex., o burocrata com o livre arbítrio dentro do trilho das circunstâncias.
B - orientar-se pela zona de conforto criada pelos prováveis institucionalizados,
ou seja, procura algo fora da rotina e das regras mas dentro das lógicas inerentes.
Ex., o criador "eu também" com o livre arbítrio fora do trilho mas no provável existente.
C - orientar-se fora da zona de conforto, apoiado em possibilidades lógicas,
ou seja, o criador de diferença com o livre arbítrio longe do trilho mas usando-o como referência.
A diferença criada pelo padrão C, inovar fora do sistema instalado, pode ser de essência desviante (diferença positiva, progressiva) ou desviada (diferença negativa, regressiva).
[*] - Ex., Picasso foi um desviante na pintura da época pois criou nova linguagem de comunicação pictórica que só foi aceite quando se aprendeu a "ler" a nova escrita.
Como exemplo de um padrão C de livre arbítrio desviado, a decisão de deputados andarem à pancada na circunstância do Parlamento Nacional, Turquia 2016:
Na verdade, este livre arbítrio está fora das regras-protocolos habituais de um Parlamento democrático e nem sequer está dentro das suas probabilidades.
Como obviamente isso aconteceu, a pancadaria estava dentro do possível da circunstância política em causa.
Todavia, como é uma regressão e não uma melhoria do diálogo democrático, é uma diferença desviada.
Como exemplo de um padrão C de livre arbítrio desviante, uma opção do Presidente da Republica Portuguesa na circunstância de Cascais, Portugal em Nov. 2016:
Esta opção de um Presidente da República está fora das regras-protocolos habituais e fora das probabilidades de suas zonas, pois parto do princípio que o engraxador não é um guarda-costas e que a área não está vedada aos cidadãos.
Como obviamente isso aconteceu, significa que estava dentro do possível da circunstância política do quotidiano de Portugal em Novembro 2016.
Todavia, o clima que expressa é consequência e causa de um estilo de relações inter-cidadãos que é diferença desviante positiva para o diálogo democrático adulto, existente e possível.