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terça-feira, 16 de junho de 2015

O não-óbvio nos grupos, partidos e casamentos

O senso comum diz que pessoas juntas fazem um grupo e conclui que um grupo são pessoas juntas. É interessante notar como uma verdade pode dar uma asneira.


Se se disser que a água é um átomo de Oxigénio e dois de Hidrogénio pode concluir-se que um átomo de Oxigénio e dois de Hidrogénio são água? Claro que não!

Para esse conjunto ser água é necessário acontecer uma transformação que integre esses átomos num conjunto unificado (molécula de água). Esta modificação exige uma grande quantidade de energia que se esta não "actuar" os átomos Oxigénio+Hidrogénio não são água.

Porém quando isso acontece, o conjunto (água) tem propriedades diferentes das propriedades dos elementos que a constituem (Oxigénio e Hidrogéneo) mesmo que estejam juntos.

Fenómeno semelhante acontece com os grupos. Um grupo é uma entidade diferente da soma e/ou junção das pessoas que o constituem. É preciso que entre eles aconteça uma transformação originadora de características que só surgem nesse caso e são diferentes das que qualquer um deles possui.

Dizer que o somatório das opiniões dos membros de um grupo é igual ao pensar do grupo é um raciocínio "à la minuta" de vendedor de feira. Só é válido para quem acredita e para conflituar em conversas de Café.

É importante ter consciência que a Sociologia não é um somatório das Psicologias dos indivíduos que constituem os grupos e a sociedade. A Sociologia não é Psicologia aplicada a grupos e/ou multidões. 
Esta des-compreensão (misunderstanding) origina mitos e bugs a gerir grupos e organizações, desde namoros, casamentos, partidos, empresas e até ao próprio país.

A Sociologia estuda a complexidade grupal e seus factores, factores esses que só existem no grupo e nunca num indivíduo isolado. 
Por exemplo, um indivíduo "psicologicamente" introvertido ou extrovertido também o é se estiver sózinho num quarto? Nesse caso quais são os sintomas? E as soluções? Ou essa "psicologia" só se detecta em grupo? E se mudar o grupo, os sintomas e soluções serão as mesmas?

Grupos pequenos até 8/9 elementos podem ser considerados uma fronteira entre a Psicologia e a Sociologia, numa dança intermitente entre o somatório dos perfis individuais e o perfil grupal. Porém em grupos de 50, 500, 5.000 pessoas a preponderância é nitidamente grupal. Os instrumentos de intervenção são fundamentalmente sociológicos, e não psicológicos, devendo todavia considerar-se sempre a intima complementariedade entre "indivíduo versus o grupo" e o "grupo versus o indivíduo".

Como exemplo,

Imagine-se três pessoas combinando ir ao cinema em que consideram apenas duas variáveis, escolher filme policial ou romance e acabar cedo ou tarde. Será possível um acordo? Será viável conseguir que três pessoas optem por filme policial (ou romance) e que acabe cedo (ou tarde)?

Penso que sim... se não existirem simultaneamente oposições drásticas do tipo "odeio filme policial" e "romance nunca". Porém, se o critério de escolha não for o género de filme mas um filme específico, a dificuldade aumentará e será necessário  mais tempo para obter acordo.

Imagine-se que o grupo é de 10 pessoas. Será também viável e rápido o acordo? E se for um agrupamento de 40 pessoas? O acordo começará a parecer utópico, uma espécie de história de Pai Natal para crédulos.
Nestes casos usa-se um truque chamado "organização", por exemplo, uma lista de 5 filmes para escolher um. Outros truques semelhantes são usados em jantares colectivos baseados no estilo "escolhe daqui e obedece".
Estes truques fazem parte de uma espécie de modelo partidário e/ou familiar que reduz a essência grupal e  aumenta a pressão a "indivíduo isolado". O grupo definha a favor do fortecimento da ordem.

Será que, no nosso dia-a-dia, vivemos em grupos que transportam um não-óbvio clandestino??


A lógica da complexidade grupal 

Como diz o Físico Philip Anderson [...mais é diferente...], ou seja, parafraseando-o, "as agregações de átomos e pessoas exibem complexidades diferentes não existentes nem predizíveis nos seus elementos". Noutras palavras, aumentando a quantidade de participantes num grupo a complexidade resultante também aumenta... mas exponencialmente e com factores novos.
Em forma figurativa:

Relação participantes versus conexões em grupos
Como análise resumo,
--» num grupo de 3 elementos há 3 conexões, em que cada um comunica com 2 e assiste a 1 comunicação dos outros;
--» num grupo de 5 elementos há 10 conexões, em que cada um comunica com 4 e assiste a 6 comunicações dos outros
--» num grupo de 10 elementos há 45 conexões, em que  cada um comunica com 9 e assiste a 36 comunicações dos outros;
--» num grupo de 15 elementos há 105 conexões, em que  cada um comunica com 14 e assiste a 91 comunicações dos outros;

ou seja, num grupo quando aumenta o número de participantes aumentam também as relacões interpessoais mas de forma exponencial e criando propriedades diferentes. 

Como exemplo e síntese, num grupo de 15 elementos cada participante envia e recebe "conversas" de 14 pessoas e ouve e pensa sobre dialógos de 91 pessoas POR UNIDADE DE TEMPO, muitas delas em simultaneo. O esforço é grande.

Pode facilmente imaginar-se o que acontece num encontro de 200 pessoas e qual será o esforço necessário para integrar as acções de todos eles num resultado conjunto. Este é o centro do problema da gestão de organizações, da política e da Democracia.

O interessante é que esta tarefa aparentemente impossível é a situação vulgar e normal em qualquer sociedade de dezenas, centenas ou milhares de pessoas desde o inicio dos tempos até hoje.
Quando ao longo da História os grupos foram perseguidos e destruídos por certas entidades, sempre acabaram por renascer algures no espaço-tempo por geração espontânea e de forma imprevisível.

Esta geração espontânea é a resposta à pressão da mudança que faz parte da vida.



À diferença do indivíduo, o grupo, além de criar recursos para os indivíduos que o compõem, precisa também de criar recursos para se sustentar a si próprio.
Por outras palavras, aos recursos e benefícios de estar em grupo é retirada uma parte destinada a ser consumida pelos seus participantes e outra parte destinada a ser consumida pela manutenção da máquina grupal, os chamados custos organizacionais.

Considerando como recursos base o tempo, dinheiro e esforços, em particular o esforço comunicativo (essência dos grupos), num esquema simbólico poder-se-á ter:

--» Alternativa A: o beneficio obtido é nitidamente vantajoso em relação aos custos organizacionais necessários para garantir o seu funcionamento e manutenção,

Este é o caso de pequenas empresas, partidos politicos no seu início, grupos de amigos, etc.

As comunicações são fáceis e fluidas, todos se conhecem e conversam entre si, o esfoço comunicativo exigido é pequeno, não se consome tempo nem recursos para garantir a estrutura, a teia comunicativa é forte, flexível e segura.
 O beneficio obtido com o esforço conjunto é gratificante e há nitidamente um desequilibrio positivo a favor da sua continuação pois a maior parte dos resultados obtidos são orientados para os beneficios pessoais.

Um exemplo óbvio é a organização de namoro onde quase não há encargos organizacionais com o seu funcionamento e manutenção, excepto os necessários para produzir o beneficio de namorar.
É uma empresa eficaz e bastante rentável com um custo benefício significativamente gratificante.


--» Alternativa B: o beneficio obtido é nitidamente diminuto em relação aos custos organizacionais investidos para garantir o seu funcionamento e manutenção,


Este é o caso de grandes empresas e grandes partidos politicos, etc.

As comunicações são dificeis e burocratizadas, poucos se conhecem e não há diálogos, as comunicações exigem grande esforço comunicativo pelo que o conjunto precisa de uma grande e pesada estrutura para garantir o esforço grupal.

A maior parte dos recursos são consumidos na própria organização, restando muito poucos para produzir os beneficios desejados pela generalidade dos membros do grupo. Para garantir a organização há um reforço de beneficios para os funcionários que garantem a organização, aumentando o desequilíbrio com os restantes membros.

Como é óbvio e conhecido, o grupo passa a ter uma casca forte e um conteúdo vazio, politicamente conhecido como sistema autoritário, fascista, kafkiano, etc.

Aplicando o modelo ao exemplo do namoro, esta alternativa aparece quando a manutenção do casal consome todos os recursos grupais desde a limpeza e manutenção da casa, roupas, escolas, carros, educação, sustenção económica e financeira, gestão do dia-a-dia, etc, restando muito pouco tempo, esforços, dinheiro e comunicação para relações afectivas quer com o conjuge quer com filhos. O grupo acabou, passa a ser uma casca forte com conteúdo vazio.

A solução para esta situação é óbvia e conhecida, surge o conjuge-amante, isto é, uma figura colateral à organização matrimonial mas com um bom equilibrio custo-beneficio devido aos seus custos reduzidos e elevada gratificação grupal.

Integrando as 3 variáveis num gráfico conjunto ter-se-á:


mostrando diferenças nitidas entre o ponto A e o B.

O ponto A, um ponto com benefício alto, surge facilmente em grupos pequenos e com custos organizacionais baixos (tempo, esforços, dinheiro) com comunicações intensas, fáceis e fluidas, portanto grupos saudáveis e de alto potencial.

O ponto B, um ponto com benefício baixo ou até nulo para muitos dos seus participantes, surge naturalmente em grupos grandes e de elevados custos organizacionais (tempo, esforços, dinheiro). As comunicações são débeis, bloqueadas e em ghettos. Os grupos são "handicapés", fragilizados e doentes, sem potencial e sub-desenvolvidos.

Um aspecto a salientar é que em termos lógicos parece ser a evolução natural com o aumento quantitativo dos participantes. Acima de um determinado limite os grupos involuem e destroem-se.

Parece ser um triste futuro para os partidos e para a Democracia.

Lendo a evolução dos grupos desde a Revolução Francesa (1789) até às Democracias representativas (2015) de milhões de participantes (vide USA e EuropaUnida), parece que se confirma a tendência da inoperacionalidade grupal pois [...os jovens não se interessam, a abstenção dissemina-se e a contestação expressa-se em explosões de contrapoderes...].

Porém, apesar desta lógica afirmar (e confirmar??) a dificuldade de inverter o paradigma custo-benefício causador de "grupos que não são grupo" e apenas "molhinhos de gente amorfa" (1984-Orwell), verifica-se hoje, por todo o lado, uma crescente pulverização de grupos nascidos por autocriação, activos e dinâmicos e cada vez com mais participantes.

O não-óbvio anda à solta por aí pois, com as organizações políticas actuais, os grupos estão em extinção e os jovens desinteressam-se mas, nas sociedades da comunicação global com suas redes sociais, os grupos pulverizam-se por todo o lado, saudáveis e nascendo por autocriação.

O governo da Bielorrússia tentou sem êxito controlar a geração espontânea dos jovens nos seus protestos políticos e Tiananmen (1989) aconteceu com estudantes a liderar.


Pois é,
os grupos são como a vida, precisam de muita energia para funcionar e morrem com controlos de fora... mas, mas apesar disso, eles ressurgem por todo o lado em geração espontânea.

Os grupos e a Democracia são como a vida têm o futuro garantido.

Na verdade, também a vida é dificil de criar em laboratório com factores controlados, porém ela nasce em todo o lado, todos os dias... chama-se sexo.


domingo, 14 de junho de 2015

Pensar em casa ou na esplanada, bom ou mau?


Hoje resolvi ir para uma esplanada reler apontamentos sobre a complexidade grupal.

Mas sucedeu algo estranho com a minha concentração pois sempre que, olhando para o "infinito"  ficava a "ruminar" mentalmente sobre um aspecto, ele era devolvido como ideias estranhas e aleatórias, aparentemente, sem qualquer conexão. Como divertimento era agradável, como tarefa era desesperante.

Lembrei-me de alguns jovens que se queixavam do mesmo, dizendo que não conseguiam estudar por se distrairem, pensando noutras coisas. Fiquei na dúvida se estaria a ficar mais jovem ou apenas a ficar "doente" da cabeça.

Intrigado, recordei que isto não acontecia de manhã, em casa, em frente ao computador. Quando aí estava, ao concentrar-me sobre uma ideia, as que apareciam sucediam-se-se em função de lógicas que eram "lógicas" e não, como agora, dispersas e "aleatórias". Na esplanada a concentração e a focalização dançava ao sabor do vento.

Algo estranho estava a acontecer, seria eu era o mesmo com a diferença de estar em casa ou na esplanada?

Pensei uma analogia. Era como se, em casa, eu atirasse a bola à parede e ela regresssasse de forma "obediente" e de acordo com expectativas lógicas. Porém, na esplanada, era como se a parede fosse de tal modo irregular que nunca sabia como é que a bola regressaria, ao obedecer a processos não-óbvios.

Sentia haver estimulações por todos os lados e as ideias pareciam bolas de ping-pong irrequietas sem respeito pelas regras da concentração.

Pensando na analogia deixei a complexidade grupal e fiquei a "matutar" no caos esplanada-casa.

Recordei que muitos dos meus escritos nasceram em cafés e esplanadas, escrevinhados em guardanapos de papel por gatafunhos sem "lógica", às vezes mesmo utilizando espaços em branco de livros que estava a ler, transfomados assim em sebentas de criatividade.
Mais tarde, em casa, eram relidos, estruturados, logicizados e nascia um texto. Novamente a dicotomia casa-esplanada.

Fiquei mais calmo e resolvi aprofundar pois talvez não fosse uma doença mas uma benção a aproveitar.

Ao mesmo tempo senti alguma tristeza pois, a ser verdade, isto é, a diferença ser realmente uma vantagem para aproveitar, recordei os jovens que dela se queixavam e a quem nunca dei "dicas" para a usarem como vantagem com consciência de que era vantagem. 

Decidi fazer experiências e "deixar andar" começando a escrevinhar em guardanapos.



Na verdade estava mergulhado em ruídos, conversas, futebol na TV, palavras soltas, discursos cruzados, pessoas sentadas, outras de pé, saindo e entrando etc.

Numa mesa, avó-mãe-filha "conflituavam" sobre o que lanchar sob olhos tristes da criança, ao lado um casal conversa em murmúrio, noutra mesa duas crianças brincam contentes com palhinhas, etc.
As "bolas" ressaltam por todos os lados.
São distracções ou são estimulações???? "That is the question".

Fixei-me nas crianças brincando e no casal conversando.
Diferenças apareceram. Ele debruçado para a frente fala agitado e implicado, ela ligeiramente recuada ouve atenta e distante. As crianças riem-se em sintonia, afastam-se e aproximam-se numa dança harmónica. Dois grupos integrados e diferentes, as crianças empáticas na sua sintonia e adultos empáticos na sua des-sintonia.

De repente percebi. As bolas, que em mim ressaltam "aleatórias", afinal continuam dentro da minha lógica da complexidade grupal, apenas me oferecendo perspectivas "out-of-box" sobre essa lógica.
A distracção da esplanada mantinha-me dentro da complexidade grupal num outro ponto de vista. Afinal não era distracção... era aprofundar fora do pensar-óbvio que me dominava quando cheguei.

Sem qualquer conexão, recordei as meditações da Idade Média fechadas no silêncio das celas, presas nas repetições das cantilenas, focadas em imagens e simbolos que impedem desvios e impõem concentração.
Na analogia anterior, era uma espécie de parede branca e lisa que prende e segura onde se está estimulado sempre com o mesmo. Em sintese, criava a riqueza do mundo fechado cheio de igualdades.

Noutra conexão com esta, surgiu-me a imagem de meditações Zen na natureza, rodeadas de cantos de aves, de sorrisos de flores e corridas de animais no meio de árvores todas diferentes.
Mantendo a analogia, era uma parede irregular que, cheia de estimulos diferentes, abria portas que existem e, normalmente, não se veêm. Em sintese, cria a riqueza de um mundo aberto cheio de diferenças.

Agora, num frenesim, guardanapos eram escritos com ideias que apareciam e desapareciam mais rápidas que a escrita... e que às vezes regressavam.
Reconheci o que me estava a acontecer, estava a viver a chamada "divagação lógica" de certas correntes da pedagogia, semelhantes a técnicas de meditações orientais mas considerada "doença" [...falta de atenção...] nas técnicas ocidentais.

Na perspectiva tântrica surgiu-me a diferença entre "excitação" e "estimulação" e empurrado por essa diferença escrevi também [...pensar "left mode thinking"...] e [...pensar "right mode thinking"...]. O caos começava a ter ordem, simplesmente era uma ordem diferente, mais rica e flexível do que aquela que trazia quando cheguei.

Afinal a "distração" da esplanada não era uma doença era uma benção dos deuses. Eram os meus neurónios a fazerem conexões novas. Como lembra o Budismo Zen seria talvez o [...necessário renascer em cada momento...].

Percebi que, tempos atrás, devia ter explicado e dado consciência aos jovens que "sofriam" com o [...não ser capaz de estudar...] que não era uma incapacidade mas apenas uma outra via para estudar, até porque hoje já há métodos e software para apoiar a complementaridade e muitos jovens o experimentaram com êxito:


até porque o processo é simples, é caçar sinais com o "right mode thinking" e estruturar com o "left mode thinking".

Culturalmente, este tipo de "divagação lógica" é considerada deficiência e falta de método, apesar de haver registos do seu uso desde Leonard da Vinci a Einstein.
Diagnostica-se como doença uma diferença que é potencialidade não utilizada e impedida.

Einstein - Archive 3-006  Repare-se que na segunda página
o texto de cima e o de baixo estão invertidos
Leonard da Vinci
Parede, 13 Junho 2015