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sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

O seu filho é, ou não, empreendedor ????

Se o seu filho não é empreendedor,
a pergunta a que deve procurar responder é:

Porque é que agora não é ... se, quando criança, vivia a empreender projectos???


Uma sociedade que tem muitos disfuncionamentos iguais, por ex, alta mortalidade infantil, muita violência doméstica, muitas fraudes, muita agressividade, etc, a principal questão a resolver não é essa disfunção (sintoma), apesar da acção necessária, mas sim anular a causa dessa "anormalidade" social.
Na verdade, o problema não deve ter a sua origem nos indivíduos, mas em algo que é comum a todos, ou seja, num factor da própria sociedade. 

No caso do não-empreendedorismo, esta "mutação evolutiva e regressiva",


pode ser aferida pela quantidade de cursos oferecidos no mercado para o seu "tratamento".

Em Portugal, pesquisando o mass-média encontram-se muitos anúncios com "tratamento" específico para a falta de empreendorismo, quer com ofertas privadas quer estatais:

em 28 Abril 2015
ou seja, existem centenas de cursos, governamentais e privados, pagos e grátis. Grátis significa que há ofertas de dinheiro para funcionar sem custos para os "clientes", portanto, parece existir uma preocupação curativa genuína com a "doença" do não-empreendorismo.

Em conclusão, o não-empreendorismo criou um novo mercado, rico e profícuo, com várias centenas de empreendedores-activos-a-vender e milhares de empreendedores-activos-a-comprar um... produto para se aprender a ser empreendedor (?!?!?). Uhau!!! ... um paradoxo interessante. 
Como exemplo:


A situação é estranha, pelo que várias alternativas lógicas se podem colocar pois, parece que apesar das muitas "soluções curativas, a "doença" continua "florescente" e com um mercado curativo em expansão.

Nesta dinâmica mercantil de activos e não-activos em agir, são muitos os empreendedores que sobressaem, desde os "legais institucionados" até aos "clandestinos out-of-bounds",


tais como, empreendedores de economia paralela, fugas fiscais, fraudes financeiras, fraudes académicas, "chicos espertos", burocracia dinamizada com "cunhas-atalhos", negócios discretos "por baixo da mesa", experts credenciados de "bugs na legislação", pagamentos enriquecidos "por fora" (por alcunha: subornos), contas "offshore" (ou seja, em férias no estrangeiro), etc.

Assim, lendo as notícias diárias do mass-media, encontram-se sempre relatados alguns destes casos. Parece que, com ou sem cursos adequados, o empreendorismo em Portugal é florescente.

Será que há por aqui uma história mal contada????

O empreendorismo é uma integração de 3 factores:
Bill Gates foi o empreendedor que, numa garagem, criou a Microsoft. Porém não tinha na garagem os recursos necessários para o fazer pelo que teve que sair da garagem para os obter. Por outro lado, se estivesse na Nova Guiné numa tribo pré-histórica, também não teria as redes sociais necessárias para poder empreender a Microsoft.

Leonard da Vinci tinha a vontade, energia, decisão e ideia (planos) para construir um paraquedas, todavia não o conseguiu empreender. Na época faltaram as condições e os recursos para o fazer, porém 500 anos depois foi possível:


Será que, em Portugal, o empreendorismo "perdido" não é um problema de empreendedor (decisão, energia e/ou ideias) mas de condições ("mar social") e recursos adequados de realização? 

Uma outra história:


Um economista de Bangladesh, Muhammad Yunus, Prof. na Universidade de Chittagong, resolveu combater a pobreza criando "empreendedores". 
Não dava cursos gratuitos para ensinar a ser empreendedor, apenas fornecia microcréditos aos que não tinham nenhuma garantia para poder pagar os empréstimos recebidos e estabelecia redes sociais ancoradas no compromisso e responsabilidade. 

O empreendorismo nasceu e instalou-se. Em 2005, com a ajuda do Banco Mundial, já tinham sido concedidos bilhões de dólares a 100 milhões de famílias que empreenderam a luta contra a austeridade da sobrevivência em que viviam. 

Tudo começou em 1976, na aldeia de Jobra, com 42 pessoas e um punhado de dólares. Não se cobravam juros e eles poderiam pagar quando pudessem. Segundo Yunus, por mais difícil que fosse a situação dos financiados, os empréstimos foram sempre pagos, ainda que levasse algum tempo.

A rede era dinamizada pela confiança, pelo compromisso e pela energia de empreender a transformação de sua vida, exactamente como acontece com os emigrantes, empreendedores anónimos que empreendem o futuro no desconhecido:

Emigração para USA (sec XIX)
Segundo o Expresso de 08.07.2015: "Com mais de cinco milhões de pessoas de origem portuguesa espalhadas pelo mundo, Portugal apresenta atualmente a taxa de população emigrada mais elevada da União Europeia".


Conclusão

Andar é empreender um destino!

Empreender faz parte da programação da vida, não são precisos cursos, pode ser melhorado ou definhado, mas só se perde com a morte. Com um susto empreendemos a fuga, com uma alegria empreendemos aproximação... está nos genes.

Os três factores atrás citados (indivíduo, recursos, contexto) são fundamentais, mas o indivíduo tem à partida o seu como fazer (conhecimento) instalado, quer instintivo, intuitivo ou aprendido (informal ou formal). Pode ser melhorado mas existe um mínimo natural que se aperfeiçoará se pressionado pelos outros dois que, na prática, são a chave da porta do empreendorismo. Na verdade. não há cursos universitários para usar o telemóvel, contudo


empreende-se o seu uso e consegue-se utilizar. Não há cursos universitários para a economia paralela, ela existe. Há formação e cursos contra a fraude, ela existe e subsiste. Os emigrantes empreendem o caminho apoiados nas redes sociais (informação e aprendizagem) e recursos mínimos.

O microcrédito atrás citado é um exemplo interessante. O detonador (trigger) do empreendorismo foram os recursos e as redes sociais. O eventual conhecimento necessário foi "exigido" pelo empreendorismo detonado que provocou a aprendizagem "by the way" ao estilo do uso dos telemóveis com o seu método "procura-aprende".

Parece que a "doença" do não-empreendorismo "tratada" com cursos, mas esquecendo os recursos e o contexto, é uma boa solução sob ponto de vista de negócio.
Parece seguir a velha estratégia de "a operação foi um êxito, mas o doente morreu":


Sem cursos e com almofadas, o empreendedor empreende uma nova organização de descer da cama:


com cursos e sem almofadas, o mesmo empreendedor não empreende uma "nova organização"... fica à espera  até às "calendas gregas".


sábado, 17 de outubro de 2015

Umas história de férias democráticas



Uma família numerosa planeia as férias desse ano, os debates começaram cedo e não conseguiram conclusões. 
Não se entendem, uns querem ir para a praia e outros para o campo. À noite, depois do jantar todos se juntam e tentam obter acordo uns dos outros, com argumentos diversos,  uns que "a praia não presta porque ... e porque..." e outros que "o campo não presta porque ... e porque...", continuamente todos se atacando e defendendo.

Por fim, para facilitar, a família partiu-se em duas, os pertencentes à família-praia e os pertencentes à  família-campo. Os mais pequenos choram e umas vezes querem praia e outras campo. O consenso tornou-se impossível e piora quando se apresenta propostas concretas.

Na prática, ser uma proposta concreta significa que se discutem detalhes. Qual é a praia, qual é o campo, é um hotel, um acampamento ou casa de família, o cão vai ou fica, etc. Simplesmente, em relação a cada detalhe, quer seja praia ou campo, dentro da "partição"respectiva (as partes partidas) também não há acordo, pelo que se fazem partidinhos dentro delas. 
É o que, tecnicamente na aldeia, se chama "família aos bocados".

A consequência interessante é que, por exemplo, sobre um local-praia, alguns da familia-praia não querem e os da família-campo também não. Assim, fazem-se acordos, votam e, por maioria familiar, o local é recusado. E o mesmo acontece com outros detalhes. As votações facilitam muito os processos decisórios.

Nem já parece uma democracia, é mais uma discutócracia híbrida de alta velocidade.
Os avós preocupados com as discussões, acordos e desacordos, ora sim's ora não's, propõem consensos para todos se entenderem. Como é do conhecimento geral, os consensos são uma boa mézinha.

Os avós maternos decidem começar. Com alguma experiência política, fizeram uma proposta que agradou. Tratava-se de não discutir detalhes e focarem-se apenas nas generalidades. Começaram a propor aprovações diversas, por exemplo, irem todos juntos, não convidarem amigos, regressarem ao mesmo tempo, listarem divertimentos desejados, partilharem recursos, etc. As conclusões generalistas foram muito boas, todos concordaram, fizeram consensos, ficaram satisfeitos e adormeceram felizes.

No dia seguinte, sairam da generalidades e começaram com os pormenores. A discutócracia regressou em pleno. Foi um desespero. Acusações de falta de maturidade, de não continuarem o acordo feito, de não terem hábitos de democracia, darem o "dito por não dito", não respeitarem os consensos, etc.

Os avós paternos resolveram passar à acção. Com experiência de gestão, argumentaram que sem detalhes não se faz consenso pelo que fizeram uma proposta cheia de detalhes que recebeu aprovação e muitas palmas.
A base era um acordo inicial como alicerce do projecto de férias. Este acordo era simples, claro e foi aceite: "NÃO SE PASSAM AS FÉRIAS EM CASA". Huau... havia consenso.

Assim, toda a família se uniu, ficou feliz e começõu a construir o projecto. Decidiram que as camas e sofás não se levavam, só emalavam roupa de férias, a casa ficava fechada, não se levava TV, nem computadores, etc.
Novamente, todos concordaram, o consenso era real, ficaram satisfeitos e adormeceram felizes.

No dia seguinte, ao tentarem passar do consensual projecto ANTI (não ficar em casa) para o projecto PRO (vamos para) o consenso esfarelou-se e regressou a discussão estilo "só falam todos ao mesmo tempo", com debates e discussões sobre o que fazer... e o consenso tornou-se envergonhado e afastou-se.

Os tios resolveram dar uma ajuda. Argumentaram que tinham que deixar de lutar uns com os outros e ficarem todos iguais. Portanto,... nem praia nem campo. 
A solução seria passar as férias na cidade, a ver museus, jardins, ruas e monumentos e estudar a cultura artistica. Tudo acalmou, o silêncio era grande, a discussão acabou. Aquilo era algo que ningém queria e nisso havia consensos.

Depois foi uma bagunça, parecia uma revolta carnavalesca. Os mais pequenos aproveitaram e começaram a dançar. Não havia controlo... foi tudo prá cama.

No dia seguinte, os bisavós, fartos daquela feira-popular, deram um grito, mandaram formar toda a família (o cão e gato incluídos), disseram que iam mandar vir um autocarro com TV, internet, WC, bar e aparelhos de ginástica, etc, e eles decidiam para onde se ia. A família calava-se e cumpria. 
Depois, quem se comportasse bem poderia ter um pouco do que desejava (praia ou campo). Se todos se portassem mal... passavam as férias a viajar nas auto-estradas.

Os mais velhos, por respeito ficaram calados, mas os mais novos começaram a protestar o que originou criticas e ataque dos bisavós aos pais que não os sabiam educar.

Os partidos família-praia e família-campo desfizeram-se e cada um foi para o seu lado.

Naturalmente, as gerações aproximaram-se e os mais novos juntaram-se e começaram a conversar nos seus sonhos, o que sonhavam com a praia e o que sonhavam com o campo. 
Os da praia começaram a sentir que o sonho do campo tinha coisas boas e os do campo gostaram de projectos agradáveis de praia.

Um deles, lamentando-se, disse que o que era bom era haver uma praia no campo. Outro respondeu falando em praia fluvial. Foram todos para a internet procurar e ver o que era e o que podiam fazer. 

Quer os do campo, quer os da praia encontraram muitas actividades que lhes agradava e algumas que não podiam fazer, por exemplo, surf para os da praia e escaladas para os do campo, mas não era impeditivo. O saldo era muito positivo.

Começaram a gritar "PRAIA FLUVIAL.... PRAIA FLUVIAL". 

Essas foram as férias desse ano.

Reconquinho - Portugal

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Obedecer ou não? Uma história para pensar

Com base em Jason Buckley 2015
www.thephilosophyman.com,
e recontando a história verídica.

Durante a 2ª Guerra Mundial, num determinado dia era imprescindível um avião da Royal Air Force levantar voo para uma missão urgente.

 Nas vistorias de partida, o Técnico Chefe detectou um problema no motor com alta probabilidade de ser perigoso. Comunicado o diagnóstico ao Engenheiro Chefe, este considerou o avião sem condições de voar e recusou-se a assinar a autorização de voo.

O Comandante da unidade (piloto e não engenheiro) considerando a importância da missão, anulou essa decisão, considerando o avião pronto para voar, e deu ordem para levantar voo.
Simultaneamente, por motivo técnico da missão, deu ordem para o Técnico Chefe também embarcar.

Técnico Chefe desobedeceu, recusando-se a embarcar dadas as condições perigosas do motor do avião. O avião partiu.

Tempo depois, a avaria apareceu e o avião foi obrigado a voltar para trás, conseguindo aterrar sem ninguém ficar ferido.


Militarmente qual pensam que foi o resultado?

A - O piloto Comandante da Unidade foi castigado e/ou demitido e o Técnico Chefe louvado e/ou promovido.

B - O piloto Comandante da Unidade manteve-se intocável e o Técnico Chefe foi julgado em tribunal militar e demitido da RAF.



O que aconteceu foi a alternativa B.

O que pensam da história???

Seja qual for a vossa opinião vamos complicar. Qual seria o resultado em condições diferentes, se...


1 - O avião tinha um desastre, morriam todos e a missão não se fazia !!!!

2 - O avião cumpria a missão e no regresso tinha o desastre e morriam todos !!!

3 - O avião cumpria a missão, e regressava sem desatre !!!!

4 - O avião não partia, era reparado e depois cumpria a missão !!!!

5 - O avião não partia, era reparado e depois já não era possível cumprir a missão !!!!

Será que estes novos acontecimentos alteravam a decisão de ser A ou B... ou criavam outras C, D, E, etc ????



Para complicar um pouco mais, pode-se considerar dois problemas diferentes:

A - A partida, ou não, do avião para a missão, da responsabilidade do piloto Comandante da Unidade.

B - O embarque, ou não, do Técnico Chefe, da responsabilidade deste em obedecer, ou não, à ordem.

Se fossem juízes do Tribunal militar o que decidiriam ?????


quarta-feira, 29 de julho de 2015

A vida e o jogo do Drama

Ver no fim um exemplo
de quem não se faz de Vítima à espera do Salvador
mas age e faz

O jogo Vítima-Perseguidor-Salvador

Desde pequeninos que o drama nos persegue, começando com as histórias infantis, até à velhice, com as campanhas políticas. Os dramas amorosos formatam as nossas paixões na dança do ciúme e as nossas aventuras arrumam-se em torno dos Robins dos Bosques, mais tarde infantilizados nos q'ridos lideres, salvadores dos infelizes. 

Por detrás de tudo isto, o drama é a energia "undercover" (disfarçada, mascarada) que estimula o dia-a-dia aborrecido da rotina. A razão é óbvia, o drama é um processo simples, rico de adrenalina, viciante e com "lucros" apreciáveis.

Segundo o Triângulo de Karpman, há três papéis, a vítima, o perseguidor e o salvador que, ao longo da história, se mantêm nesses papéis (caso Cinderela) ou, variando o suspense, trocam de papéis entre si (caso Robin dos Bosques).
Esta última alternativa possibilita uma história com ciclos sem fim (caso de séries, telenovelas e rotinas de ciúme doméstico) que garantem, ad infinitum, a continuidade da estimulação.
O esquema-base é:



Exemplos

√ - Se aplicado à Cinderela,
ela é a vítima perseguida pela madrasta e salva pela fada que, como acompanhamento (assortie), lhe oferece o marido. 

Na prática, ela não decide a sua vida, é salva por quem lha decide (Salvador) e lhe dá a felicidade feminina da época, isto é, [...casam e são muito felizes]. 

Deste modo, a história torna-se interessante porque contém dois triângulos de Karpman, um à superfície, dinâmico e atractivo, em que a Cinderela passa de infeliz a feliz pela acção do Salvador que inutiliza a perseguição. 

Todavia, noutro triângulo de Karpman, este escondido, estático e sem alteração, a Cinderela continua uma Vítima sem decidir a sua vida. Na verdade, o que se altera é a entidade a quem obedece pois passa do Perseguidor ("doméstica-a-dias") para o Salvador ("princesa-a-dias"). 
Se se reparar em nenhum momento da história ela é pessoa de livre vontade com opção de alternativas, apenas vive o dilema [...ou lavas o chão ou casas com o príncipe]. Como é inteligente casa com o príncipe... e o problema passa a ser dele.


√ - Se aplicado ao Robin dos Bosques,
apresenta rotação de papéis. A primeira etapa é a "luta em defesa dos oprimidos", isto é, o Robin dos Bosques (Salvador) defende a população (Vítima) extorquida pelo Xerife de Nottingham (Perseguidor):

Nas etapas seguintes, o drama evolui com uma troca de papéis. O Robin dos Bosques passa a Vítima,  encarcerado na prisão do Xerife de Nottingham, sendo liberto pela população (Salvador):


Por fim, em nova reviravolta de papéis, o Robin dos Bosques passa a Perseguidor tentando castigar o Xerife de Notthingham que, como Vítima que se preza, procurará salvar-se.



Sem Salvador a história terminará com ou sem castigo do Xerife de Nothtingham mas, nas séries e telenovelas, será essencial nova reviravolta nos papéis para que a saga possa continuar.
Um eventual Salvador poderá ser a sorte, novos protagonistas, etc, como, por exemplo, um inesperado aliado que, como Salvador, vai permitir que o Xerife continue a perseguir as novas Vítimas, agora a população com o Robin nela integrado.



√ - Se aplicado às campanhas políticas,
o drama surge quando o candidato (Salvador) mostra como os votantes (Vítimas) são prejudicados pelo partido adversário (Perseguidor) e como ele os salvará com as promessas que faz. A dinâmica das campanhas é centrada em provar, engrandecer e tornar credível o Salvador.

√ - Se aplicado ao ciúme,
aparece uma girândola de papéis a saltar por todos os lados, arrastando explosões afectivas. Os participantes oscilam entre vítima, perseguidor e salvador, mudando quase instantaneamente pressionados pelas mudanças dos outros.

Por exemplo, vamos imaginar (podendo ser o inverso) um marido que supõe que a mulher tem um amante.
Se percepcionar o amante como perseguidor da mulher, então, ela será a vítima e ele, marido, o seu salvador. Porém, se a mulher insinuar que o amante é o seu salvador, instantaneamente, ela passará a perseguidor e o marido será a vítima da história.
Com pena do marido, a mulher dirá que tudo é mentira passando a salvador do marido (agora vítima), e afirmando que o dito amante (perseguidor) na verdade o quer destruir.

Como se vê um jogo deste tipo tem imensas possibilidades de "enriquecer" a rotina da vida matrimonial com um dramazito de ciúmes.

√ - Se aplicado na sociedade
Por experiência pessoal, esta dinâmica de Karpman usada como "brincadeira social", tipo "jogo da verdade", é um jogo perigoso quer dentro do casamento, quer nas organizações, quer ainda em passatempos sociais. O problema é que com facilidade se transforma num verdadeiro Triângulo de Karpman que, depois de detonado, é impossível fazer desaparecer (undo).

Na verdade, "undo", não é desfazer, é "fazer-não-ter-existido", por exemplo, depois de acender um fósforo é impossível fazer "undo". Pode-se desfazer (apagá-lo), mas não se pode torná-lo ser fósforo outra vez. Se o refizer é outro e não o mesmo fósforo. Nas relações humanas nunca há "undo", pode-se perdoar, desculpar, compensar, etc, mas na memória existirá sempre o que aconteceu e aparecerá quando se precisar e/ou quando menos se espera.

Os jogos da verdade são simples. Num grupo (amigos, casais, conhecidos), sucessivamente, cada pessoa diz uma verdade acerca de outra pessoa, presente no grupo. Seja verdade ou mentira, se sentida como agressão (teaser), as "respostas" seguintes começam "devagarinho" num crescendo incontrolável de intensidade dos "teasers", impossíveis de fazer "undo" e/ou confirmar se é verdade ou mentira. Nesta fase já não há solução excepto fragmentar o grupo o mais rápido possível.


Três papéis

A vítima, o perseguidor e o salvador são um "casamento" feliz, pois para existirem precisam todos uns dos outros.


A Vítima quer ser "mandada" e obrigada a fazer o que faz porque o seu lema é "por causa deles". Precisa do Perseguidor para sofrer e do Salvador para recuperar, mas se eles não existissem a vida seria "aborrecida", pois teria que tomar decisões e ela foge dessa responsabilidade a "sete pés". 
Eles são necessários para poder ser Vítima sofredora e alimentar-se disso. O seu objectivo na vida é procurá-los, agarrá-los e mantê-los. Se um desaparece, não descansa até se "pendurar" noutro. Ser "emmerdeur" [...pobre de mim, ajudem-me...] é uma das características da Vítima.

O Perseguidor sente-se importante ao dominar um "inferior" e, como esse controlo é necessário, sente-se também um "herói". O seu mote é "se não fosse EU". Assim, precisa de uma Vítima impotente e incapaz, a precisar de obedecer. 
Porém, jogar sozinho não tem graça pelo que precisa de um adversário, de um Salvador da Vítima que lha tente tirar. Mas não quer um confronto directo, quer jogadas de influência e manipulação sobre a Vítima, quer derrotá-lo por lhe "roubar" a presa. Se o "triângulo" desaparecer tentará reconstruí-lo, com outra Vítima e/ou com outro Salvador. Sem esse jogo a vida não tem sentido.

O Salvador precisa de sentir que "só vive quando salva", é um tipo "porreiro" porque se cansa a auxiliar os outros. Porém, não quer ajudar (helper) pois assim o outro tomaria decisões e poderia ficar autónomo, quer salvar (rescuer) para que o outro não tome decisões, obedeça e dependa dele.
O Salvador toma todas as decisões, controla a vítima (o que ela agradece), opõe-se  ao Perseguidor, salva-a, e fica com a glória do sucesso. A Vítima é só uma "bola" a ser jogada entre os dois, ambos querendo controlar a vida dela. 

Em resumo, aparentemente, os três lutam entre si mas, realmente, querem tudo inalterado pois precisam uns dos outros para existir. O jogo não pode ser alterado, a única estratégia possível é acabar com ele.

Vítima 
Importante: Não confundir um aditismo de vítima com uma vítima-real, que pode coexistir na mesma pessoa.


Basicamente, recusa a responsabilidade de fazer parte da causa da situação, pois tudo é consequência do que lhe acontece, [...nunca fez nada para merecer nada...], por destino é "um coitado".
Tem direito à simpatia e ajuda e não tem o dever de decidir ou agir. Como metáfora, é um afogado que não agarra a bóia que lhe atiram porque têm o dever de o tirar da água.

Atrai e é atraída pelos seus complementos, Perseguidor e Salvador. Faz relatos contínuos, análises exaustivas e dissecações profundas da situação, adiando sempre qualquer decisão/acção "...vou pensar, ...talvez, ...se puder, ...quando der geito, ...depois decido,...". SIM e NÃO são palavras difíceis de pronunciar, prefere jogar com "Sim, sim, mas..." seguido de mais outra análise da situação, justificativa de nada fazer. É um jogo sem fim.

Quando a "pesca" de um Salvador ou Perseguidor sai errada, abandona e volta a "pescar" noutro lado.

Por momentos, pode com facilidade mudar de papel, por exemplo:

√ - Passagem da Vítima para Perseguidor do Salvador
Quando afirma depois da ajudar: "Isso não deu resultado, ...estou pior, ...não sei o que me anda a fazer..."

√ - Passagem da Vítima para Salvador do Perseguidor:
Quando consola depois da agredir: "...não faz mal, ...na próxima eu consigo, ...até estou muito melhor..."


Perseguidor 
Importante: Não confundir um aditismo de perseguidor com um perseguidor-real, que pode coexistir na mesma pessoa.

Basicamente, tem toda a legitimidade para o que faz, "...é tudo para o bem dele, ...eu sei o que faço, ..sou bom nisto, ...ele precisa ser ensinado". A sua segurança baseia-se em ser rígido e dogmático, fora disso fica perdido.
Numa metáfora, é aquele que, na estação do Metro, dá ordens às portas dos combóios para abrir, olha autoritário e afirma "...se não sou eu!!".

Autoritário, crítica e impõe, é perito em assédio moral "...então não sabe?, ...isso é modo de agir?, ...não tem vergonha?". Considera-se a única referência possível e um exemplo para todos, é superior e todos deviam imitá-lo. Não tem simpatias nem empatias, está acima das "crianças perdidas" que o rodeiam. Julga, decide, aplica, é feliz pois sem ele [...não há ordem...].
Procura Vítimas, cansa-se a "endireitá-las" mas [...nasceu para isso].

Por momentos, pode com facilidade mudar de papel, por exemplo:

Passagem do Perseguidor para Vítima: 
Quando diz depois de perseguir alguém: "...já não sei o que hei-de fazer, ...estou tão cansado, ...ninguém me ajuda..."

Passagem do Perseguidor para Salvador:
Quando consola no meio da perseguição: "...não resista, deixe-me ajudar, ...confie em mim, ...eu sou bom, só estou a ajudar..."


Salvador 
Importante: Não confundir um aditismo de Salvador com um Salvador-real, que pode coexistir na mesma pessoa.


Basicamente, é "um anjo na Terra", está cá para auxiliar os outros e fazer o Bem. É "porreiro" e superior, o seu lema é "fazer o bem sem olhar a quem". 
Numa metáfora, é aquele que ajuda a velhinha a atravessar a rua pelo meio do trânsito e a deixa do outro lado. Porém, ela só estava à porta de casa à espera que lha abrissem. 

Prestativo, sempre pronto para ajudar, em particular e de preferência, os estranhos. A família e amigos ficam para o fim. Precisa de chegar à noite com a sua dose de "boas acções"realizadas para poder dormir descansado. 

Por momentos, pode com facilidade mudar de papel, por exemplo:

Passagem do Salvador para Vítima:
Quando se lamenta depois de ajudar: "...a intenção era boa, ...estou tão triste, ... esforço-me e ninguém me compreende..."

Passagem do Salvador para Perseguidor:
Quando critica depois de ajudar: "...também não fez nada, ...não posso fazer tudo, ...eu bem avisei, ...não prestou atenção...é sempre assim..."


Para terminar

Um exemplo de quem não faz Drama a ser Vítima para procurar um Salvador que "lute" com o Perseguidor.
Simplesmente neste caso, ele, de forma autónoma, sonha, decide e faz.


O sonho de ser livre


sexta-feira, 3 de julho de 2015

Aventura de pensar e os sentidos


Jacob Barnett, com apenas dois anos de idade, foi diagnosticado com autismo e com um futuro sem possibilidade de ter uma vida normal na sociedade. Foi verdade mas a verdade foi outra.
A mãe, Kristine, recusou aceitar o veredicto e retirou-o do sistema especial padronizado, estimulou a criatividade e deixou a criança livre para escolher seus próprios assuntos de interesse.
Com 11 anos de idade entrou para a faculdade e estudou astrofísica e física teórica e realmente não tem uma vida normal pois faz conferências e será um possível candidato ao prémio Nobel.
Ver conferência em Ted.com


A sua história encantou-me e resolvi ler sobre ele e ver outra vez o vídeo. O "caroço" da sua posição é "pensar e criar" e não aprender. Dado o seu interesse em ler sobre astrofísica e aprofundar o seu conhecimento, pareceu-me que haveria aqui uma discrepância de conceitos entre palavras e significados. Na verdade, ele não queria aprender (learning) apesar disso gostava de saber mais (learning).

De qualquer modo, resolvi aceitar o seu conselho de deixar de aprender e apenas pensar. Como experiência, isolei-me só com um bloco de desenho para mapear (road map) as ideias que iriam salpicar (plop, splash) a minha cabeça enquanto "matutava" aleatoriamente sem destino e sem plano, com a técnica "preguiçosa" da divagação lógica.

Road Map obtido (cópia no fim)


À partida, duas ideias teimosamente ficaram em standby. Uma delas era a posição de Jacob de "não aprender e substituir por pensar" porém agora, para mim "colada" à sensação de que ele tinha razão. A outra foi a minha preocupação com o próximo post do blog "Varrer os bugs da Democracia" com o tema "os indecisos e o futuro". 

A primeira ideia que saltou, e que escrevi, foi a relação indecisos e poder que acabei por relacionar com  a alegria do Jacob com a sua aventura de saber e a tristeza dos indecisos sem saber o que fazer. Não vi qualquer relação entre as duas, mas a palavra experiencial foi escrita, titulando e unindo os dois aspectos.

Por arrastamento, surgiu-me a ideia de que experiência é a união de estimulações externas e estimulações internas e apareceu-me uma analogia. Nadar concentrado na estimulação interna de sentir a frescura da água acabará por bater com a cabeça numa rocha (estimulação externa) e nadar, preocupado com as rochas (externo) e não sentindo o cansaço (interno) pode não conseguir regressar por estar longe.

Nos dois casos não há integração das duas estimulações (interna e externa). Durante algum tempo fiquei aqui parado, em "transe", em standby. Será esta a questão de Jacob e dos indecisos?

Este road map estava a ficar confuso. Para piorar, ideias da cultura tântrica e ying-yang saltaram para o papel misturadas com Einstein.

Einstein diz que tudo é energia, com frequências e sincronismos. Na cosmologia tântrica o universo é visto como um processo contínuo de união entre energia (vista como princípio feminino) e consciência (vista como princípio masculino), união simbolizada na imagem ying yang equilibrados na sua mútua penetração-recepção, símbolo esse que desenhei:


A questão das frequências e do sincronismo arrastou-me para o sentido da visão e para o indivíduo daltónico que não vê certas frequências. Os cinco sentidos ficaram a dançar na minha cabeça e lembrou-me um vídeo onde se vê um bebé no útero já a mamar:


Entre os cinco sentidos, o bebé e as frequências sincrónicas surgiu a ideia de que a boca é um órgão importante nos primeiros tempos de vida até para conhecer o mundo, tacteando e saboreando o que agarra. Segundo alguns estudos, a boca é dos locais mais enervados e sensíveis do corpo humano e onde estão localizados dois sentidos (sabor e tacto) e integráveis com um terceiro (olfacto) pela sua proximidade.

Agora o caos era total, o meu road map nem para labirinto servia e não tinha lógica nenhuma.

Sem notar comecei a "sublinhar" as ideias 5 sentidos e boca e recordei um estudo que li há pouco tempo em que as primeiras experiências amorosas dos adolescentes às vezes duram horas e se limitam a beijar, acto que, quando adultos, muitas vezes desaparece dessas situações.

De repente, confirmando o conselho de Jacob Barnett, a criatividade nasceu e descobri que, na prática, um beijo amoroso é integração de estimulações externas e de estimulações internas, estas das sensações de 3 ou 4 sentidos (mais visão, se estiverem de olhos abertos) dos 5 sentidos existentes.
Ao mesmo tempo olhando para o símbolo Ying-Yang percebi que, na verdade, o beijo é igual à dinâmica Ying-Yang, pois há uma penetração-recepção permanente entre os participantes com suas estimulações externas e internas (sabor, tacto, olfacto).

Huau!!! Huau!!!
Parece que a chave que "liga" todo este conjunto está no experiencial, isto é, uma intensificação de estimulações externas e internas, estas quer com origem nos sentidos quer ainda de expectativas criadas por meditação, visualização, etc.

Acalmei e recordei que a estimulação externa do beijo é conhecida, mas pensei quão distraídos se anda por aí ao distribuir "beijinhos" como se fossem pipocas sem qualquer estimulação interna.
Se se pensar que no beijo ainda interferem trocas e perturbações eléctrico-magnéticas no córtex e químicas no organismo resultantes do contacto, as relações amorosas adolescentes centradas no beijo fazem todo o sentido, com sua activação de quatro sentidos.

Por outro lado, vulgarmente, na idade adulta por habituação, rotina, padrões, ...,  o beijo é tornado um fait divers social, um ritual sem importância nem significado e transformado em rotinas rápidas e dispensáveis. O amor adolescente com sua hiper-sensibilidade a estimulações externas e internas, bem diferente de excitações (na perspectiva tântrica), às vezes só reaparece na velhice... o que é pena e merece a pena questionar o que acontece na idade adulta.

Recordo-me ainda como é vulgar alguém (normalmente feminino) ao beijar carinhosamente um bebé, ouvir-se muitas vezes o seu comentário de "como cheira bem". Perfume ou não, isto só significa que o olfacto é usado e faz dele parte instintiva do beijar carinhoso.

O meu road map estava um caos mas ainda escrevi boring (aborrecidoe, nesse momento, percebi o que talvez Jacob Barnett tenha dito.

Conclusão

O aborrecido (boring) do aprender e da indecisão politica, pontos de arranque do presente post, aparecem pelo isolamento e separação entre a estimulação externa e a estimulação interna.

No caso de Jacob Barnett, a minha conclusão foi que o aprender na escola é uma situação de estimulações externas com a motivação (ou obrigação??) de mostrar aos outros que sabe e por isso sem estimulação interna é uma "chatice". Quando recebe aplausos por saber e passar nas provas (exame), se der motivação, mesmo assim não altera o facto de ter sido "chatice". 

Porém, aprender para ter o prazer de conhecer e descobrir mais do que gosta é  juntar estimulações externas e internas e criar alegria. Jacob demonstra-o bem no vídeo da sua conferência até porque, no seu final, ao propor que se esteja 24 horas a pensar num interesse pessoal pede para "don't learning about the field, be the field", ou seja, propõe que se una estimulações internas e externas.



Sobre os indecisos também parece que a sua indecisão na Democracia resultará de estimulações externas confusas, sem significado e/ou angustiantes que ficam sem estimulações internas a que se agreguem.
Como numa Democracia, os chamados "indecisos" sabem decidir pois sabem comprar automóveis, casas, alimentos, etc, o problema não é deles mas da informação fornecida e do método utilizado.

Quando as informações são confusas é saudável a indecisão surgir e, neste caso, ou se abstêm ou se entregam nas mãos de "Q'ridos lideres" ao estilo "Maria vai com as outras...".
Esta situação de informações confusas, a confusão do explicar talvez não seja defeito mas sim um acto intencional da estratégia para criação de dependência, usando o formato da publicidade negativa. Parafraseando Stephen Leacock, dir-se-á que é a publicidade "que bloqueia a inteligência humana o tempo suficiente para com isso ganhar dinheiro" mas, neste caso, ganhar votos e poder.

Jacob Barnett, com seus 12 anos, tem razão, pois entre o aprender formal feito só de estímulos externos e o pensar feito com estímulos internos e externos, parece não haver dúvida que a aventura de pensar é melhor e mais divertida do que a "chatice" de aprender... e aprende-se muito mais.


Road map utilizado


terça-feira, 16 de junho de 2015

O não-óbvio nos grupos, partidos e casamentos

O senso comum diz que pessoas juntas fazem um grupo e conclui que um grupo são pessoas juntas. É interessante notar como uma verdade pode dar uma asneira.


Se se disser que a água é um átomo de Oxigénio e dois de Hidrogénio pode concluir-se que um átomo de Oxigénio e dois de Hidrogénio são água? Claro que não!

Para esse conjunto ser água é necessário acontecer uma transformação que integre esses átomos num conjunto unificado (molécula de água). Esta modificação exige uma grande quantidade de energia que se esta não "actuar" os átomos Oxigénio+Hidrogénio não são água.

Porém quando isso acontece, o conjunto (água) tem propriedades diferentes das propriedades dos elementos que a constituem (Oxigénio e Hidrogéneo) mesmo que estejam juntos.

Fenómeno semelhante acontece com os grupos. Um grupo é uma entidade diferente da soma e/ou junção das pessoas que o constituem. É preciso que entre eles aconteça uma transformação originadora de características que só surgem nesse caso e são diferentes das que qualquer um deles possui.

Dizer que o somatório das opiniões dos membros de um grupo é igual ao pensar do grupo é um raciocínio "à la minuta" de vendedor de feira. Só é válido para quem acredita e para conflituar em conversas de Café.

É importante ter consciência que a Sociologia não é um somatório das Psicologias dos indivíduos que constituem os grupos e a sociedade. A Sociologia não é Psicologia aplicada a grupos e/ou multidões. 
Esta des-compreensão (misunderstanding) origina mitos e bugs a gerir grupos e organizações, desde namoros, casamentos, partidos, empresas e até ao próprio país.

A Sociologia estuda a complexidade grupal e seus factores, factores esses que só existem no grupo e nunca num indivíduo isolado. 
Por exemplo, um indivíduo "psicologicamente" introvertido ou extrovertido também o é se estiver sózinho num quarto? Nesse caso quais são os sintomas? E as soluções? Ou essa "psicologia" só se detecta em grupo? E se mudar o grupo, os sintomas e soluções serão as mesmas?

Grupos pequenos até 8/9 elementos podem ser considerados uma fronteira entre a Psicologia e a Sociologia, numa dança intermitente entre o somatório dos perfis individuais e o perfil grupal. Porém em grupos de 50, 500, 5.000 pessoas a preponderância é nitidamente grupal. Os instrumentos de intervenção são fundamentalmente sociológicos, e não psicológicos, devendo todavia considerar-se sempre a intima complementariedade entre "indivíduo versus o grupo" e o "grupo versus o indivíduo".

Como exemplo,

Imagine-se três pessoas combinando ir ao cinema em que consideram apenas duas variáveis, escolher filme policial ou romance e acabar cedo ou tarde. Será possível um acordo? Será viável conseguir que três pessoas optem por filme policial (ou romance) e que acabe cedo (ou tarde)?

Penso que sim... se não existirem simultaneamente oposições drásticas do tipo "odeio filme policial" e "romance nunca". Porém, se o critério de escolha não for o género de filme mas um filme específico, a dificuldade aumentará e será necessário  mais tempo para obter acordo.

Imagine-se que o grupo é de 10 pessoas. Será também viável e rápido o acordo? E se for um agrupamento de 40 pessoas? O acordo começará a parecer utópico, uma espécie de história de Pai Natal para crédulos.
Nestes casos usa-se um truque chamado "organização", por exemplo, uma lista de 5 filmes para escolher um. Outros truques semelhantes são usados em jantares colectivos baseados no estilo "escolhe daqui e obedece".
Estes truques fazem parte de uma espécie de modelo partidário e/ou familiar que reduz a essência grupal e  aumenta a pressão a "indivíduo isolado". O grupo definha a favor do fortecimento da ordem.

Será que, no nosso dia-a-dia, vivemos em grupos que transportam um não-óbvio clandestino??


A lógica da complexidade grupal 

Como diz o Físico Philip Anderson [...mais é diferente...], ou seja, parafraseando-o, "as agregações de átomos e pessoas exibem complexidades diferentes não existentes nem predizíveis nos seus elementos". Noutras palavras, aumentando a quantidade de participantes num grupo a complexidade resultante também aumenta... mas exponencialmente e com factores novos.
Em forma figurativa:

Relação participantes versus conexões em grupos
Como análise resumo,
--» num grupo de 3 elementos há 3 conexões, em que cada um comunica com 2 e assiste a 1 comunicação dos outros;
--» num grupo de 5 elementos há 10 conexões, em que cada um comunica com 4 e assiste a 6 comunicações dos outros
--» num grupo de 10 elementos há 45 conexões, em que  cada um comunica com 9 e assiste a 36 comunicações dos outros;
--» num grupo de 15 elementos há 105 conexões, em que  cada um comunica com 14 e assiste a 91 comunicações dos outros;

ou seja, num grupo quando aumenta o número de participantes aumentam também as relacões interpessoais mas de forma exponencial e criando propriedades diferentes. 

Como exemplo e síntese, num grupo de 15 elementos cada participante envia e recebe "conversas" de 14 pessoas e ouve e pensa sobre dialógos de 91 pessoas POR UNIDADE DE TEMPO, muitas delas em simultaneo. O esforço é grande.

Pode facilmente imaginar-se o que acontece num encontro de 200 pessoas e qual será o esforço necessário para integrar as acções de todos eles num resultado conjunto. Este é o centro do problema da gestão de organizações, da política e da Democracia.

O interessante é que esta tarefa aparentemente impossível é a situação vulgar e normal em qualquer sociedade de dezenas, centenas ou milhares de pessoas desde o inicio dos tempos até hoje.
Quando ao longo da História os grupos foram perseguidos e destruídos por certas entidades, sempre acabaram por renascer algures no espaço-tempo por geração espontânea e de forma imprevisível.

Esta geração espontânea é a resposta à pressão da mudança que faz parte da vida.



À diferença do indivíduo, o grupo, além de criar recursos para os indivíduos que o compõem, precisa também de criar recursos para se sustentar a si próprio.
Por outras palavras, aos recursos e benefícios de estar em grupo é retirada uma parte destinada a ser consumida pelos seus participantes e outra parte destinada a ser consumida pela manutenção da máquina grupal, os chamados custos organizacionais.

Considerando como recursos base o tempo, dinheiro e esforços, em particular o esforço comunicativo (essência dos grupos), num esquema simbólico poder-se-á ter:

--» Alternativa A: o beneficio obtido é nitidamente vantajoso em relação aos custos organizacionais necessários para garantir o seu funcionamento e manutenção,

Este é o caso de pequenas empresas, partidos politicos no seu início, grupos de amigos, etc.

As comunicações são fáceis e fluidas, todos se conhecem e conversam entre si, o esfoço comunicativo exigido é pequeno, não se consome tempo nem recursos para garantir a estrutura, a teia comunicativa é forte, flexível e segura.
 O beneficio obtido com o esforço conjunto é gratificante e há nitidamente um desequilibrio positivo a favor da sua continuação pois a maior parte dos resultados obtidos são orientados para os beneficios pessoais.

Um exemplo óbvio é a organização de namoro onde quase não há encargos organizacionais com o seu funcionamento e manutenção, excepto os necessários para produzir o beneficio de namorar.
É uma empresa eficaz e bastante rentável com um custo benefício significativamente gratificante.


--» Alternativa B: o beneficio obtido é nitidamente diminuto em relação aos custos organizacionais investidos para garantir o seu funcionamento e manutenção,


Este é o caso de grandes empresas e grandes partidos politicos, etc.

As comunicações são dificeis e burocratizadas, poucos se conhecem e não há diálogos, as comunicações exigem grande esforço comunicativo pelo que o conjunto precisa de uma grande e pesada estrutura para garantir o esforço grupal.

A maior parte dos recursos são consumidos na própria organização, restando muito poucos para produzir os beneficios desejados pela generalidade dos membros do grupo. Para garantir a organização há um reforço de beneficios para os funcionários que garantem a organização, aumentando o desequilíbrio com os restantes membros.

Como é óbvio e conhecido, o grupo passa a ter uma casca forte e um conteúdo vazio, politicamente conhecido como sistema autoritário, fascista, kafkiano, etc.

Aplicando o modelo ao exemplo do namoro, esta alternativa aparece quando a manutenção do casal consome todos os recursos grupais desde a limpeza e manutenção da casa, roupas, escolas, carros, educação, sustenção económica e financeira, gestão do dia-a-dia, etc, restando muito pouco tempo, esforços, dinheiro e comunicação para relações afectivas quer com o conjuge quer com filhos. O grupo acabou, passa a ser uma casca forte com conteúdo vazio.

A solução para esta situação é óbvia e conhecida, surge o conjuge-amante, isto é, uma figura colateral à organização matrimonial mas com um bom equilibrio custo-beneficio devido aos seus custos reduzidos e elevada gratificação grupal.

Integrando as 3 variáveis num gráfico conjunto ter-se-á:


mostrando diferenças nitidas entre o ponto A e o B.

O ponto A, um ponto com benefício alto, surge facilmente em grupos pequenos e com custos organizacionais baixos (tempo, esforços, dinheiro) com comunicações intensas, fáceis e fluidas, portanto grupos saudáveis e de alto potencial.

O ponto B, um ponto com benefício baixo ou até nulo para muitos dos seus participantes, surge naturalmente em grupos grandes e de elevados custos organizacionais (tempo, esforços, dinheiro). As comunicações são débeis, bloqueadas e em ghettos. Os grupos são "handicapés", fragilizados e doentes, sem potencial e sub-desenvolvidos.

Um aspecto a salientar é que em termos lógicos parece ser a evolução natural com o aumento quantitativo dos participantes. Acima de um determinado limite os grupos involuem e destroem-se.

Parece ser um triste futuro para os partidos e para a Democracia.

Lendo a evolução dos grupos desde a Revolução Francesa (1789) até às Democracias representativas (2015) de milhões de participantes (vide USA e EuropaUnida), parece que se confirma a tendência da inoperacionalidade grupal pois [...os jovens não se interessam, a abstenção dissemina-se e a contestação expressa-se em explosões de contrapoderes...].

Porém, apesar desta lógica afirmar (e confirmar??) a dificuldade de inverter o paradigma custo-benefício causador de "grupos que não são grupo" e apenas "molhinhos de gente amorfa" (1984-Orwell), verifica-se hoje, por todo o lado, uma crescente pulverização de grupos nascidos por autocriação, activos e dinâmicos e cada vez com mais participantes.

O não-óbvio anda à solta por aí pois, com as organizações políticas actuais, os grupos estão em extinção e os jovens desinteressam-se mas, nas sociedades da comunicação global com suas redes sociais, os grupos pulverizam-se por todo o lado, saudáveis e nascendo por autocriação.

O governo da Bielorrússia tentou sem êxito controlar a geração espontânea dos jovens nos seus protestos políticos e Tiananmen (1989) aconteceu com estudantes a liderar.


Pois é,
os grupos são como a vida, precisam de muita energia para funcionar e morrem com controlos de fora... mas, mas apesar disso, eles ressurgem por todo o lado em geração espontânea.

Os grupos e a Democracia são como a vida têm o futuro garantido.

Na verdade, também a vida é dificil de criar em laboratório com factores controlados, porém ela nasce em todo o lado, todos os dias... chama-se sexo.